Durante todo o século 20, o mundo do trabalho foi construído com base em sistemas de carreira oferecidos pela empresa. Uma das estratégias para contratar e manter profissionais era oferecer um plano sequencial de carreira para que o indivíduo pudesse projetar sua trajetória na empresa com uma visão de longo prazo.
Essa lógica não é mais possível. As profundas transformações dos negócios e a necessidade de rever estruturas derrubou a ideia do plano de carreira da empresa. O colapso da previsibilidade da carreira desafia as estratégias de engajamento e desenvolvimento de pessoas.
Durante quase 100 anos fomos acostumados a exigir das organizações que dessem as cartas sobre o desenvolvimento da carreira. Esse modelo ficou obsoleto. Hoje a ideia central é de protagonismo: o indivíduo deve construir sua carreira e desenvolver prontidão para os desafios que surgirem e que façam sentido para o seu projeto.
Esse cenário soa desolador e solitário para muitos profissionais. Levantamentos mostram que uma parte significativa das pessoas ainda espera o plano de carreira da empresa. E mais do que isso, mudam de empresa quando não percebem essas perspectivas bem definidas.
Um estudo recente da consultoria global Gartner, apontou que 52% dos entrevistados afirmaram que mudaram de empresa porque não viam mais perspectiva de carreira na organização.
Como discutir carreira e engajar pessoas nesse cenário?
O primeiro passo é dar clareza dessa filosofia e ajudar as pessoas a compreenderem que o fato de serem protagonistas não significa que estarão sozinhas. Pelo contrário, conversas mais permanentes devem ser incentivadas para que o profissional possa construir suas reflexões e ações de desenvolvimento.
No início desse milênio, o pesquisador Mark Savickas construiu um novo conjunto de ideias sobre carreira e lançou uma teoria chamada “life design”. A ideia consiste na compreensão da história do indivíduo e dos papeis que ele desempenha na vida. E, a partir dessa reflexão, é possível que ele projete os próximos capítulos dessa narrativa.
Savickas deu um salto quântico no aconselhamento de carreira. Sua grande contribuição foi elevar os modelos que eram baseados em “matching” para o “meaning”. Ou seja, a reflexão que era focada no enquadramento das pessoas num conjunto de cargos ou profissões para um modelo baseado em significado e compreensão da vida como um todo, e não apenas a vida do trabalho. E a partir dessa compreensão, refletir sobre as estratégias de desenvolvimento e os movimentos de carreira.
Diálogo gera engajamento
Nas organizações, a forma prática de aplicar esse modelo é estimular conversas frequentes entre líderes e colaboradores sobre a carreira. Nesse contexto, entender a história do colaborador e investir tempo para discutir seus interesses de carreira passa a ser a forma mais assertiva e potente para desenvolver e engajar.
Tive a oportunidade de acompanhar uma empresa que estava discutindo os resultados de sua pesquisa de clima. Os dados mostraram que os colaboradores que tinham mais conversas de carreira com seus líderes ao longo do ano tinham uma visão mais favorável da organização, da liderança e da carreira. Os dados de favorabilidade aumentavam exponencialmente entre aqueles que tinham mais do que cinco conversas ao longo do ano. No outro lado, os colaboradores que não tiveram conversas de carreira representaram as piores notas em todos os itens da pesquisa.
Em resumo, o diálogo é a chave para lidar com a nova dinâmica do trabalho. E, no que se refere à liderança, ainda temos uma grande caminhada. No estudo sobre carreira da consultoria Gartner, com mais de 2000 profissionais entrevistados, 78% deles não tinham confiança em seus chefes para ter um diálogo aberto sobre carreira. Além disso, 75% não se sentiam encorajados pelo seu líder a fazer movimentos de carreira quando envolvia uma mudança de área. Esses dados demonstram que o comando e controle ainda prevalece na forma de gerir.
Com as lições de Savickas e os dados de pesquisas podemos afirmar que o líder que desenvolve conversas frequentes procurando conhecer o funcionário e apoiá-lo a construir sua trajetória com interesse genuíno no seu desenvolvimento terá mais chances de engajar e manter seu time conectado.
E a organização tem o papel de oferecer ferramentas a apoiar na construção dessa nova narrativa de carreira. E convém destacar que isso não é o futuro do trabalho. Esse desafio já está aí e precisa ser enfrentado.