Talvez você não perceba, mas os garçons que aparecem na sua mesa com uma grande peça de carne, em uma churrascaria, fazem uma análise discreta e minuciosa da sua expressão facial, do posicionamento dos seus braços e do tom de voz que você está empregando no almoço. Não é questão de bisbilhotar a conversa alheia, mas de sacar o clima da refeição – e entender se é mesmo uma boa ideia perguntar “bisteca?”, “linguiça?”, “picanha?” a cada 30 segundos.
Esse é, ao menos, o tipo de cuidado que os gaúchos (como chamam os garçons-de-carne) têm na rede Fogo de Chão. Ele é semelhante ao capricho do pessoal na cozinha, por exemplo, que se atenta aos centímetros de diferença nos cortes dos vegetais. E também ao cuidado do setor de RH para identificar os talentos mais promissores da empresa, treiná-los e ajudá-los com as burocracias necessárias para eles trabalharem nas unidades americanas da churrascaria.
Elas são maioria, inclusive, entre os mais de 80 restaurantes da rede. Pois é: hoje, a Fogo de Chão é mais americana do que brasileira. Os irmãos gaúchos que criaram a empresa na década de 1970 – e inauguraram o primeiro restaurante nos EUA em 1997 – venderam sua parte do negócio em 2012. Desde então, ela está majoritariamente na mão dos gringos (agora pertence à Bain Capital).
Que lugar o Brasil ocupa, então, na cadeia global de operações da Fogo de Chão – que também está no México, no Equador, nos Emirados Árabes e na Arábia Saudita? Segundo Paulo Antunes, presidente das operações brasileiras, é um lugar de protagonista, responsável por manter viva a essência da rede. Em entrevista à Você RH, o executivo falou sobre essa e outras questões, como seu estilo de liderança e os planos para o futuro próximo. Confira.
Barry McGowan, o CEO da Fogo de Chão, quer chegar a cem restaurantes até o fim deste ano – e atingir o primeiro bilhão de dólares em receita nos próximos três. Como as operações brasileiras se encaixam nesses planos?
O Brasil é um celeiro de talentos para a rede, porque somos experts na hospitalidade gaúcha e na arte do churrasco. Já mandamos mais de 350 famílias para os Estados Unidos, [de funcionários] que passaram por um rigoroso processo de triagem e desenvolvimento. Por outro lado, vamos acompanhar o crescimento da rede na mesma medida, aqui no Brasil. Vamos abrir de uma a duas lojas anualmente, nos próximos três anos, priorizando São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, para ter maior penetração nesses lugares em que já estamos. Depois, focaremos em locais nos quais já estivemos anteriormente, como Belo Horizonte e Salvador. E então partiremos para novas praças, como Porto Alegre. Devemos chegar em 2028 com 15 lojas no Brasil. [Hoje há oito.]
Você disse que o Brasil é um celeiro de talentos para a empresa. A gente não sai perdendo ao enviar tantas pessoas qualificadas para fora?
Não, porque em uma empresa em crescimento [como a Fogo de Chão] você sempre pode dar oportunidade para quem está se desenvolvendo. Quando mandamos talentos para os EUA, estamos contribuindo com a empresa internacionalmente e criando espaço para outras pessoas aqui. Além disso, essa política acaba sendo um fator de atração de talentos para a churrascaria, que já é muito reconhecida no Brasil. Então acabamos atraindo até mais gente do que conseguimos absorver.
Um dos pilares da cultura de vocês é o lema “Deixa comigo”. No que consiste esse espírito e como ele se traduz na prática?
Eu já participei de empresas em que o boarding sentava à mesa para discutir missão, visão e valores. Os nossos [da Fogo de Chão] não surgiram assim: nós fizemos uma leitura do que os colaboradores já faziam quando eu cheguei. É o caso do lema “deixa comigo”, que vem da cultura gaúcha, do espírito de dono, mas vai além. Quando você tem um desafio, seja na cozinha ou no back office, e alguém te diz “deixa comigo”, pode esquecer: está resolvido. A pessoa vai assumir a tarefa com energia e determinação; vai resolver o problema e, quase sempre, entregar uma solução melhor do que se esperava. Acho que esse espírito vem mesmo do povo gaúcho, que batalhou nas lavouras e criou essa cultura em volta da churrasqueira para celebrar. Quando a gente serve um churrasco, você pode achar que está apenas comendo uma carne. Mas há muita cultura e história por trás disso.
Você foi CEO dos Hotéis Fasano por oito anos antes de ser convidado para capitanear a Fogo de Chão. Quais são os desafios de comandar empresas como essas, com mais de 40 e 100 anos, respectivamente?
Quando você tem funcionários com mais de 30 anos [de casa] e uma cultura arraigadíssima, você tem dois desafios. Primeiro: antes de conseguir inspirar, você precisa conquistá-los. Eu posso trazer muito conhecimento de gestão e melhorar os resultados da empresa, mas o principal indicativo de que o líder conseguiu se encaixar é quando ele fala a mesma língua da equipe. O segundo desafio é colocar as pessoas certas nos lugares certos. Existe uma máxima de que as pessoas são o maior ativo de uma organização. Não é verdade: as pessoas certas são o maior ativo. Em empresas com muitos anos de operação, já existe uma certa depuração: com o tempo, ficam os mais fortes e engajados. Então eu tive sorte nesse sentido.
Como você acha que conquistou a confiança dos funcionários quando chegou para presidir a empresa em 2019?
Acho que foi importante chegar com humildade e demonstrar respeito pela história das pessoas [que já trabalhavam na empresa]. Eu vi que tinha muito a aprender com elas. Quando você faz as perguntas corretas e dá espaço para a equipe propor soluções, você entende que ela tem as respostas para muitos desafios. E, claro: o Fasano é outra referência na gastronomia brasileira de alto nível. Então eu tinha uma bagagem e consegui mostrar que poderia agregar à empresa. Acho que por essas razões eu acabei conquistando a equipe: hoje a gente trabalha ombro a ombro, em um ambiente muito bacana.
Como você definiria seu estilo de gestão?
Eu vou copiar uma pessoa para responder essa questão: minha chefe, que está há 30 anos na empresa. Ela diz que eu sou purpose driven e people centric: alguém movido pelo propósito e que está sempre olhando para as pessoas. Não sei se eu já sou assim, mas é como eu quero ser. Não por “ser bonzinho”, mas porque eu quero o melhor para eles [os funcionários] e para a empresa – que, por consequência, também acaba sendo o melhor para mim. Eu quero que a empresa seja um ambiente gostoso, que me dê vontade de vir trabalhar às segundas-feiras.
Esta entrevista é parte da edição 94 (outubro/novembro) da Você RH. Clique aqui para conferir outros conteúdos da revista impressa.