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Produtividade tóxica pode ser prejudicial aos funcionários

O mito de que o valor de um profissional se mede pela quantidade de tarefas que ele realiza tem levado muitos talentos ao excesso de trabalho

Por Caroline Marino
Atualizado em 18 jan 2022, 09h11 - Publicado em 3 dez 2021, 07h00
Nara veste uma camiseta amarela com o logo do Zé Delivery estampado em preto. Ela tem cabelo cacheado, curto e está com uma faixa preta na cabeça
Nara Zarino, gerente sênior de experiência do colaborador da Zé Delivery /  (Celso Doni/VOCÊ RH)
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se ninguém mais achasse que estar ocupado é ser importante?” Esta é uma das provocações do consultor londrino de liderança e negócios Greg McKeown, em seu livro Essencialismo: A Disciplinada Busca por Menos (Sextante, 36 reais). De acordo com ele, o mais importante é pensar em fazer melhor, não em fazer mais. Há uma lógica nessa afirmação: o excesso de tarefas e a ausência de limites prejudicam a carreira e a vida. Isso quer dizer que, quanto mais horas extras cumpridas, mais sobrecarga, menor constância, piores resultados e, claro, menos saúde.

Mas não é de hoje que o excesso de trabalho é glamorizado. Muitos profissionais sentem até certo orgulho ao dizer que mal almoçaram por causa das demandas e que passaram o fim de semana em meio a relatórios. Esse sempre foi, inclusive, um perfil típico de quem veste a camisa da empresa.

Com a pandemia e a adesão das companhias ao home office, a rotina exaustiva ganhou ainda mais força, como mostram pesquisas recentes. Segundo um levantamento feito pela plataforma Capterra, sete em cada dez pessoas tiveram algum sintoma de burnout desde que começaram a trabalhar a partir de casa. Outro estudo, do Instituto Ipsos, mostrou que 53% dos brasileiros declararam que seu bem-estar mental piorou no último ano.

Não à toa, especialistas em carreira passaram a falar sobre produtividade tóxica, que acontece quando o profissional tem a sensação de que precisa, o tempo todo, fazer algo considerado produtivo. Isso significa, por exemplo, trabalhar mais horas do que antes, estar constantemente conectado, usar todos os períodos livres para produzir e deixar de almoçar para participar de uma reunião.

Há três motivos principais por trás desse comportamento. O primeiro é que muitas empresas reduziram seu quadro de funcionários, e os que ficaram passaram a ter mais demandas. “Os times mais enxutos acabam forçando essa produtividade tóxica. Isso quer dizer que, para o profissional conseguir entregar o resultado e atingir as metas, precisa trabalhar mais do que antes da pandemia”, diz Rafael Souto, presidente da Produtive, consultoria de planejamento e transição de carreira. E o mercado de trabalho ainda tem a expectativa de que o colaborador dê conta de tudo. “Apesar de isso estar mudando, muitas empresas ainda esperam que as pessoas produzam bastante. Vejo muitos discursos simpáticos, com falas do tipo ‘nós nos preocupamos com saúde física e emocional’, mas na prática isso não acontece.”

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A segunda razão para o aumento da produtividade tóxica está relacionada ao home office. Hábitos que os profissionais tinham na empresa, como caminhar pelo escritório e tomar um café com os colegas — ações que ajudam o cérebro a descansar —, foram substituídas pelo cotidiano doméstico. “Em casa, são várias coisas acontecendo ao mesmo tempo, como o WhatsApp que não para de apitar, o filho pedindo algo, o almoço para fazer”, explica Cristiano Nabuco, psicólogo do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo.

Um entendimento que passou a ser comum para parte da liderança é o de que as pessoas, por estarem em casa — sem precisar encarar as horas de trânsito, por exemplo —, devem acumular mais afazeres. Assim, o limite da vida privada se perde. “Muitos gestores começaram a mandar e-mails às 11 da noite ou nos fins de semana, fazendo com que os funcionários trabalhassem sem interrupção e estimulando a produtividade a todo momento e a qualquer hora do dia”, afirma Cristiano.

Outro ponto importante é que, sem o contato pessoal, as pessoas perderam o retorno imediato do líder sobre suas atividades. “Por meio de alguns sinais não verbais, como um levantar de sobrancelhas ao ver um relatório, o funcionário entendia de forma rápida como estava seu trabalho”, afirma. Com o distanciamento e a falta de feedbacks constantes, os profissionais passaram a trabalhar mais, na expectativa de mostrar bons resultados. “É um círculo vicioso, no qual a sensação de realização nunca é alcançada, e a percepção que fica é a de que sempre se pode fazer mais e melhor para conseguir cumprir seu dever”, diz Cristiano.

Para Luciana Ferreira, professora de gestão de pessoas na Fundação Dom Cabral, a falta da presença física como métrica fez com que a maioria das pessoas passasse a se preocupar mais com a produtividade. É que, com o trabalho remoto, o desempenho ficou pouco claro: o gestor não sabe o que esperar das pessoas nem como cobrar, e a equipe não entende como demonstrar que trabalha. “O tempo que os funcionários ganharam por não terem que se deslocar para o trabalho passou a ser usado também para as tarefas profissionais, e não para o bem-estar e a qualidade de vida”, afirma Luciana.

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O terceiro motivador do mito da produtividade é que aprendemos desde pequenos que o trabalho intenso é o segredo do bom resultado. “Fomos criados para acreditar que, se nos esforçássemos o suficiente, poderíamos ganhar no sistema — do capitalismo e da meritocracia”, diz Anne Helen Petersen, autora de Não Aguento Mais Não Aguentar Mais (HarperCollins Brasil, 33,93 reais). Assim, segundo ela, convencemos trabalhadores de que as péssimas condições são normais e de que se rebelar contra isso é sintoma de uma geração mimada.

Segurança psicológica

Alterar esse cenário exige uma mudança de cultura, como explica Izabella Camargo, jornalista especialista em saúde mental e autora do livro Dá um Tempo: Como Encontrar Limites num Mundo sem Limites (Principium, 27,89 reais). “O mundo de hoje não é igual ao de dez anos atrás, mas estamos fazendo as mesmas coisas”, diz. É preciso tornar o ambiente corporativo propício à segurança psicológica dos funcionários. “Não adianta apenas levar à companhia um palestrante que fale sobre saúde mental nem criar alguma ação isolada. É necessário haver uma mudança de cultura”, afirma Izabella. “Assim como as empresas e pessoas resguardam a segurança física, com a adesão dos equipamentos de proteção individual (EPIs), precisamos hoje de defensores da saúde mental.”

Portanto, é fundamental pensar em quais são os EPIs do bem-estar emocional. E as respostas para algumas destas perguntas podem ajudar a estabelecê-los: estamos sobrecarregando alguns profissionais? Existe, durante o expediente, um intervalo para as pessoas se recomporem, ou a agenda está tomada por reuniões e demandas? Os líderes costumam recompensar quem produz melhor, ou quem produz mais? Uma empresa que coloca o foco no “quanto”, e não no “como”, valoriza, reconhece e estimula apenas a busca por resultados.
Quem dá o tom das condutas praticadas numa empresa são os líderes e a alta gestão. Se a relação deles com as equipes estiver desalinhada e não for baseada na confiança, comportamentos como a produtividade tóxica vão surgir. “A falta de empatia com o time e um relacionamento pautado apenas pelo comando e controle estimulam os excessos”, afirma Irene Azevedo, diretora de transição de carreira da consultoria LHH. Para ela, o preparo da liderança é essencial. “Os gestores precisam saber o impacto que causam na equipe”, diz.

Produtividade sustentável

A jornalista Izabella Camargo, que já viveu um episódio grave de burnout e entrevistou mais de 4.000 pessoas que também passaram por isso, defende a promoção da produtividade sustentável: a capacidade de trabalhar sem causar danos à saúde e aos relacionamentos. Significa não deixar o estresse e a falta de tempo desencadear comportamentos agressivos e outros desequilíbrios emocionais que tornam as relações mais difíceis. “A forma como muitas pessoas trabalham, sem descansar nem rever processos, é insustentável”, afirma Izabella.

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Mas o combate a esse problema não pode ser apenas uma pauta da área de recursos humanos: precisa estar nas discussões estratégicas da companhia, com o CEO e o conselho endereçando o tema e inspirando equipes. “O RH é o propositor dessa discussão, mas o exemplo precisa vir de todos”, afirma Rafael Souto, da Produtive.

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Esta reportagem faz parte da edição 77 (dezembro/janeiro) de VOCÊ RH

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