e você tem interesse em negócios, gestão, liderança, empreendedorismo ou RH, é muito provável que, nos últimos anos, tenha se deparado com algum texto que fale sobre o “fim dos chefes”. (Sim, normalmente, no gênero masculino, porque,né?… cof…)
Mas a ideia, aqui, não é debater a inclusão de gênero e os vieses inconscientes do mundo organizacional – não desta vez. O objetivo desse texto é trazer a discussão sobre o papel da chefia para um novo nível. Um nível pós-pandêmico. Um nível “novo normal”. (Tá bom, parei).
Na última década, diversos estudos, artigos e pesquisas têm apontado para a mudança de papéis nas relações organizacionais e, com destaque, para a reinvenção das organizações e redefinição da liderança.
Toneladas de comparações e posts com a diferença entre “chefe” e “líder” rodam os feeds das redes sociais – essa Gurulândia onde nossos avatares habitam. Em geral, o conteúdo (raso) traz a ideia de que líder é alguém que compartilha o peso e chefe é alguém que é carregado pela equipe. Líder ilumina o time, chefe ilumina a si mesmo(a). Líder desenvolve, chefe rouba a ideia. Líder causa inspiração, chefe causa medo. Etc. etc. etc. A demonização do(a) chefe rende (e vende) muito.
Mas será que existe um problema intrínseco com a posição de “chefe”, ou o desafio seria comportamental e relacionado a determinados “estilos de chefe”?
O que é um “chefe”?
A palavra chefe vem do Francês antigo chief, por sua vez oriundo do Latim caput, que significa cabeça, e se refere a uma posição de destaque dentro de uma estrutura, uma pessoa com conhecimento e responsabilidades diferenciadas, ou uma peça-chave para que um processo funcione. Não há nada de negativo com relação a ela! Talvez, pelo contrário, a indicação de “chief” ou “chefe” reforce algo positivo, ao apresentar um indivíduo com responsabilidade e expectativas claras de impacto sobre negócios e pessoas.
Mas, hoje em dia, a palavra “chefe” está tão desgastada que nem nos demos conta de que sua utilização na Língua Portuguesa tem sido distorcida (#chocado!). Temos seguido a definição da palavra boss em inglês, a qual, na verdade, sequer significaria chefe. Eita!
A palavra boss tem sua origem da palavra baas em Holandês – cujo significado é “mestre” – no sentido de pessoa que detém controle, poder e/ou propriedade. Essa palavra esteve muito associada à posse de escravos, tornando-se uma espécie de parole non-grata. Ou seja, boss não significa chefe, mas sim dono, proprietário, mestre. Sugere a ideia de opressão e submissão.
Ah, então… ninguém quer ter boss. Beleza. Tamo junto. Mas não precisamos sacrificar os chiefs, ok?
Incongruências
A busca por movimentos de choque de poder e confronto de realidades históricas, às vezes, causa incongruências ao fugir da análise aprofundada. É o que acontece nesse caso. Para você ter uma ideia, a prefeita de Duluth – em Minessota, nos EUA – decidiu tirar o nome “chief” de todos os cargos da prefeitura. Ganhou uma menção no The Washington Post explicando que a decisão é um erro e que isso ignora a etimologia e perde o alinhamento da responsabilidade dos cargos. É o tipo de “inovação” que tem mais foco em chocar e chamar atenção do que, de fato, mudar um sistema de relacionamento.
Se você criar um cargo com o nome de “borboleta azul iluminada” e colocar nessa posição uma pessoa desumana, rude, cruel, antiética, boçal, sem empatia e infantilizada, a relação continuará sendo uma porcaria e os impactos negativos sobre a organização serão gigantescos. Seja para uma empresa, seja para um país.
A demonização dos chefes
A ideia de demonizar os(as) chefes causa também grande confusão dentro das organizações e nas interpretações das estruturas empresariais. É como se fosse um “pecado” haver hierarquia ou diferenças de posições e níveis de responsabilidade. Como se fosse absolutamente corriqueiro, natural e espontâneo o surgimento de uma liderança fluida e descentralizada.
Delírio. Pouquíssimas organizações possuem estrutura e profissionais com maturidade para deixar realmente fluir as relações de liderança, sem um suporte direcional. A maioria precisa de um “empurrãozinho”. E, sim, isso passa pelo papel de chefe.
Sugiro que a gente entenda chefia como uma responsabilidade de escopo e liderança como uma responsabilidade de forma.
Mais que um cargo
Certamente, de uma pessoa com responsabilidade de chefia será esperado um bom comportamento e construção de liderança positiva. Afinal: liderança não é um cargo, é uma mentalidade. E sua qualidade não se apresenta como atributo de uma pessoa. Liderança é atributo de uma relação.
Mas isso não quer dizer o fim dos(as) chefes e nem é necessário continuar com a produção massiva de posts Mortal Kombat Líder x Chefe.
Não tente modernizar sua organização excluindo todos os cargos e responsabilidade de gestão. Acredite em mim – já vi empresas que pensaram que estavam sumindo com os cargos de “gestores”, mas estavam era anestesiando a “gestão”.
Cuidado com as modinhas. Não existe uma forma única de reestruturar múltiplas empresas. Cada organização é um organismo vivo e complexo, que precisa de pontos de controle. E para quem tem horror a essa palavra: “controle”, pense o seguinte: não é por que você mede a sua pressão arterial, que o medidor passa a mandar no seu coração!
A gestão deve ser compartilhada e não suprimida. Enquanto as equipes não possuem maturidade ou competência (técnica e emocional) para lidar com problemas complexos, a chefia deve ser um ponto de reforço de gestão e de construção de relações e visão empreendedora responsável.
Afinal de contas, é importante garantir que um cachorro tenha pelo menos um dono, né?
Obs. Minha empresa se chama Exboss porque tenho clareza da importância de reconstruir as relações de trabalho, sem submissão e sem exploração, mas também sem mimimi e sem blábláblá. Já pensou como será o futuro do trabalho com pessoas adultas, maduras e bem resolvidas? Mãos à obra!