Irresistible: o que o evento de Josh Bersin ensina sobre IA e o novo RH
A edição 2025 do encontro mostrou o aumento do uso de inteligência artificial na área e como ela pode revolucionar do recrutamento à aprendizagem.

Desde 2009, Josh Bersin – pensador, autor e palestrante com foco em recursos humanos, liderança e aprendizagem – tem sido uma fonte importante para acompanhar as mudanças no nosso mercado. Me impressiona sua capacidade de antecipar caminhos e estruturar modelos de maneira didática e aplicável. Seus relatórios auxiliam empresas e profissionais no difícil processo de compreender um mundo de trabalho em constante mudança.
Há algumas semanas, estive no Irresistible 2025, evento anual realizado pela The Josh Bersin Company. O nome é emprestado do último livro lançado por ele. Gosto muito do evento porque, além de tendências, o formato permite o contato com lideranças de grandes empresas e players do mercado para compartilhar práticas reais e aplicadas.
Nesta última versão, como em todos os eventos de RH do mundo, a temática principal foi o uso de inteligência artificial nos processos e práticas de pessoas. O tema já tinha sido prevalente em 2024, mas senti uma diferença importante este ano: o número de empresas e fornecedores que estão efetivamente aplicando IA aumentou muito.
Minha intenção é compartilhar um pouco do que vi por lá, sabendo que esse é um recorte moldado pelas trilhas que segui e, sobretudo, pela lente que acredito ser cada vez mais relevante para o RH no Brasil: aquela que une impacto real, senso de urgência e coragem para experimentar.
1. RH como protagonista da transformação com IA
Na maioria das empresas, a adoção de IA ainda depende de um consenso entre áreas como TI, Jurídico e Segurança. O RH, muitas vezes, fica à margem dessas conversas, à espera de regras, políticas e liberações. No Irresistible, vi exemplos que desafiam essa lógica. Um dos mais marcantes veio da Ericsson, na qual Vidya Krishnan, Chief Learning and Intelligence Officer (CLIO), explicou como a mudança de título – de CLO para CLIO – refletiu um novo mandato estratégico da área. Agora, o RH também lidera as estratégias de dados e inteligência que atravessam toda a organização.
Outro caso que reforçou essa postura ativa foi o da Amanda Sorrento, líder de RH na Moderna, que contou como unificaram os times de RH e Digital. Em vez de pensar em “como o RH usa tecnologia”, eles passaram a redesenhar o trabalho desde a origem, com pessoas, processos e tecnologia integrados desde o primeiro esboço. É uma inversão de lógica: não se trata mais de adaptar o RH à IA, mas de usar o RH para construir um novo jeito de trabalhar com ela.
2. Agentes de aprendizagem superpersonalizados e simulações imersivas
A NIIT, empresa global de soluções de aprendizagem, trouxe uma das apresentações mais impactantes do evento. Em vez de cursos padronizados e genéricos, eles mostraram simulações interativas conduzidas por avatares hiper-realistas, com scripts dinâmicos gerados por IA. Um dos exemplos mais impressionantes envolvia o treinamento de auditores: os participantes navegavam por um cenário com múltiplos personagens, documentos simulados e dados que podiam ou não esconder uma fraude. Tudo gerado e ajustado em tempo real.
Mais do que cenários sofisticados, o que chamou atenção foi a promessa de agentes de aprendizagem superpersonalizados: assistentes treinados para acompanhar o colaborador no seu contexto real de trabalho, respondendo a dúvidas, propondo conteúdos e monitorando a evolução com base em objetivos e gaps específicos. Para quem trabalha com educação corporativa, essa é uma virada de chave: o curso tradicional deixa de ser o centro do processo de aprendizado.
3. O surgimento do superworker
Josh Bersin trouxe o conceito de “superworker” como um novo arquétipo profissional: alguém que não apenas usa IA no dia a dia, mas multiplica sua capacidade de entrega, reinvenção e impacto. Diferente do hype sobre “substituição” de pessoas, o foco aqui está em potencializar o humano com apoio da tecnologia.
Durante uma mesa com lideranças da Cisco, Seagate e Moderna, ficou claro que essas empresas estão criando ambientes para que esse novo perfil floresça. Na Seagate, por exemplo, a líder de RH Patricia Frost contou como decidiu realocar verba de contratação de novos profissionais para adquirir licenças avançadas de IA para toda sua equipe, permitindo que cada colaborador explore, experimente e redefina suas metas a partir do uso dessas ferramentas. O investimento não foi só em tecnologia, mas em cultura: encontros regulares foram criados para que os times compartilhassem erros, acertos e aprendizados em relação ao uso de IA no trabalho real.
Essas organizações não estão apenas treinando pessoas para usar IA. Estão redesenhando o que significa “trabalhar bem” em um mundo com IA.
4. IA redefinindo recrutamento e arquitetura do trabalho
O caso do Fontainebleau Las Vegas, novo resort na Strip, foi uma aula prática sobre como a IA pode revolucionar o recrutamento. Com a missão de contratar 6,5 mil pessoas em apenas três meses, a empresa utilizou uma IA conversacional (Paradox) que reduziu o tempo de candidatura de 30 para 3 minutos. A assistente digital, chamada Morris, conduzia entrevistas iniciais, triava perfis e coletava dados relevantes, tudo isso com uma taxa de satisfação de 93% entre os candidatos.
O time esperava receber 80 mil candidaturas nos meses anteriores à abertura. No entanto, mais de 300 mil candidaturas chegaram – e a IA deu conta. Morris respondeu a todas, em mais de 30 idiomas, com interações imediatas. Um dado impressionante: 41% das comunicações ocorreram fora do horário comercial, e, mesmo assim, nenhum candidato foi perdido.
Mais do que velocidade, o processo também inovou na avaliação de fit cultural. Em vez de entrevistas tradicionais, a equipe organizou eventos presenciais com experiências imersivas, em que os candidatos eram observados em situações reais de atendimento e interação, permitindo uma leitura mais autêntica de comportamentos, atitudes e aderência aos valores da empresa. O resultado foi uma equipe formada em tempo recorde, com uma estrutura mais fluida (75% full-time, 25% sob demanda) e forte engajamento desde o dia zero.
Esse é um exemplo claro de como a IA pode ser um motor de inovação estrutural, e não apenas de eficiência.
5. Lideranças prontas para IA: conhecimento técnico e segurança psicológica
Se há uma barreira comum à adoção de IA nas empresas, ela não é técnica: é emocional. Pesquisas apresentadas no evento mostraram que o fator mais determinante para que equipes usem IA é a segurança psicológica. Em ambientes nos quais os times se sentem seguros para errar e aprender juntos, o uso de IA é até quatro vezes maior.
Na Seagate, Patricia Frost investiu em IA para todos, criando também espaços coletivos para discutir aprendizados. Na Moderna, Amanda Sorrento incentivou líderes a se tornar facilitadores da experimentação, conduzindo check-ins semanais com seus times sobre como estavam (ou não) utilizando IA.
O conhecimento técnico importa. Mas é a cultura que determina se a inovação vai acontecer ou travar.
6. Uma nova era para estratégias baseadas em habilidades
Durante muito tempo, ouvimos sobre a importância de estruturar a gestão de talentos a partir de habilidades (as chamadas skill-based organizations). Mas, na prática, poucas empresas conseguiram ir além de taxonomias genéricas e planilhas estáticas. Isso começou a mudar. No Irresistible 2025, uma das ideias mais discutidas foi a de skill sensing: a capacidade de identificar lacunas e oportunidades em tempo real, conectando dados internos, sinais de mercado e análise preditiva com o apoio da IA.
O skill sensing funciona como um radar contínuo. Ele aponta quais competências estão surgindo, quais estão perdendo relevância, quais são críticas para o negócio e onde existem talentos subutilizados dentro da empresa. Com isso, torna-se possível reconfigurar papéis, estimular a mobilidade horizontal e conectar pessoas a oportunidades reais, mesmo que elas não estejam explicitamente em busca disso.
Como destacou Josh Bersin no evento:
“Agora temos ferramentas para transformar competências de taxonomias estáticas em motores dinâmicos de talentos.”
Essa é, talvez, uma das promessas mais concretas que a IA traz para o campo de gestão de pessoas.
Meu olhar específico sobre aprendizagem
Embora todas essas tendências apontem para transformações estruturais em como recrutamos, desenvolvemos e lideramos, meu olhar ao longo do evento esteve especialmente voltado à área de aprendizagem. A pergunta que me acompanhou foi: qual é o novo papel do T&D em um mundo movido por IA?
Josh Bersin foi enfático ao afirmar que o papel do T&D precisa ir muito além da produção de conteúdos ou da gestão de catálogos de cursos. Em um contexto em que o conhecimento muda rápido demais, o diferencial está em integrar aprendizagem ao fluxo real do trabalho de forma responsiva, inteligente e personalizada. Como ele resumiu:
“Não se trata apenas de qualificação – trata-se de reestruturar o trabalho, e a área de T&D está no centro disso.”
É o que plataformas como a Sana estão começando a entregar: sistemas de conhecimento que combinam conteúdo, contexto e IA para responder, em tempo real, à dúvida que surge no meio da tarefa. Isso é bem mais do que levar as pessoas até o aprendizado: é fazer o aprendizado encontrar as pessoas, exatamente quando elas precisam.
Esse é o novo campo de atuação para quem trabalha com aprendizagem: desenhar ecossistemas vivos que sustentem a performance, a curiosidade e a evolução contínua da organização.
P.S. 1 – A equipe de Josh Bersin lançou recentemente um novo relatório sobre o futuro da aprendizagem, com dados, frameworks e casos citados no evento. Vale muito a leitura: The Learning & HR Tech Revolution
P.S. 2 – O Irresistible é um evento voltado exclusivamente para times de liderança em RH. De uma maneira geral, fornecedores não podem participar. Por isso, quero deixar aqui meu agradecimento especial ao time da Josh Bersin Company que permitiu minha participação, tanto pelo relacionamento de longa data quanto pelo interesse genuíno em seguir aprendendo. No ano que vem, em conjunto com eles, organizaremos um grupo de líderes brasileiros para viver essa experiência.