NR-1 contra os riscos psicossociais
Empresas que levam a sério a saúde emocional precisam revisar práticas de liderança, cuidar do clima, revisar processos e ampliar a escuta.

A atualização da NR-1, que torna obrigatório que as empresas avaliem e gerenciem os chamados riscos psicossociais, como estresse crônico, assédio, sobrecarga emocional e pressão por metas excessivas, segue um movimento que já está em curso em outros países. A União Europeia, por exemplo, desde os anos 2000, reconhece os riscos psicossociais como parte integrante das obrigações de segurança no trabalho. Na França, Suécia e Alemanha, já existem normas que obrigam as empresas a monitorar o impacto do ambiente organizacional na saúde mental dos colaboradores. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) também incluiu o bem-estar psicológico como componente essencial do “trabalho decente”, destacando que o sofrimento emocional no ambiente corporativo pode ser tão prejudicial quanto os riscos físicos. O Brasil, portanto, está se alinhando a essa tendência global — e talvez até um pouco atrasado.
Por muito tempo, segurança no trabalho foi sinônimo de proteção física. Falava-se de equipamentos, sinalizações, ergonomia e prevenção de acidentes. O mundo do trabalho, porém, mudou e os riscos também. Hoje, empresas estão sendo convocadas a olhar para algo mais sensível: o adoecimento emocional que nasce da pressão, da sobrecarga e do medo. A NR-1 atualizada exige que essas ameaças sejam consideradas no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), o documento que substitui o antigo PPRA e que agora deve contemplar não apenas os perigos físicos, químicos e ergonômicos, mas também os fatores emocionais e organizacionais que impactam a saúde mental dos trabalhadores.
São riscos ligados à forma como o trabalho é organizado, liderado e vivido pelas pessoas. Envolvem desde o estabelecimento de metas inalcançáveis e ambientes com comunicação violenta ou liderança autoritária, até situações de assédio moral ou sexual, falta de reconhecimento e isolamento social. Em um cenário em que transtornos mentais estão entre os principais motivos de afastamento pelo INSS, a inclusão formal desses fatores no radar da saúde ocupacional representa um avanço importante. Exige também uma virada de chave na atuação do RH e das lideranças.
A norma determina que esses riscos sejam identificados, prevenidos e monitorados com o mesmo nível de atenção dado aos demais riscos ocupacionais. Isso inclui tanto a análise técnica quanto a escuta ativa e o mapeamento da percepção dos colaboradores. O desafio é que, diferentemente dos riscos físicos, que são mensuráveis e visíveis, os psicossociais são subjetivos e, muitas vezes, silenciosos. E é aí que o RH se torna peça central: não apenas como executor de ações, mas como arquiteto de uma nova cultura organizacional.
Os líderes precisam agir
Empresas que levam a sério a saúde emocional dos seus colaboradores precisam, mais do que nunca, ir além da oferta de apoio psicológico. É preciso revisar práticas de liderança, repensar a forma como as metas são estabelecidas, cuidar do clima, capacitar gestores, revisar processos e ampliar a escuta. O clima organizacional passa a ser um indicador de risco. Culturas tóxicas, ambientes de medo e silenciamento, lideranças que minimizam sofrimento ou que se omitem diante de denúncias são fatores que entram na equação da segurança do trabalho.
E aqui, permito-me trazer minha visão como recrutadora. Todos os dias, vejo os impactos diretos do ambiente de trabalho na saúde mental das pessoas. Noto o cansaço acumulado, o desalento, os pedidos de desligamento que nascem de ambientes insustentáveis, as entrevistas de desligamento recheadas de frustração e o alto turnover que tem se estabelecido. Por isso, acredito que as empresas deveriam fazer mudanças internas não apenas por obrigação legal, mas pelo propósito, pela causa, pelo compromisso com a segurança psicológica e o pertencimento dos membros do time.
Como as empresas podem rever sua cultura
Tenho acompanhado o movimento de muitos RHs que estão usando esse momento como ponto de inflexão para rever não só as políticas formais, mas também a cultura do dia a dia. E aqui vale compartilhar algumas boas práticas que tenho visto no mercado. Empresas que estão avançando nesse tema têm investido em uma jornada de amadurecimento organizacional, incluindo:
- Canais de denúncia anônima com empresas terceirizadas e independentes da hierarquia interna.
- Revisão dos processos e das demandas de trabalho em prol da sustentabilidade emocional.
- Monitoramento dos indicadores de clima e absenteísmo com olhar preventivo.
- Indicadores integrados entre áreas (como RH, jurídico e saúde ocupacional).
- Dinâmicas de acolhimento em situações de conflito e sofrimento emocional.
- Revisão dos critérios de metas para torná-las mais realistas e sustentáveis.
- Campanhas internas permanentes sobre saúde mental e ética relacional.
- Treinamentos específicos para lideranças sobre riscos psicossociais.
- Treinamento das lideranças nos quesitos escuta e acolhimento.
- Definição e aplicação de medidas claras de responsabilização.
- Escuta ativa com ferramentas anônimas e seguras.
- Acolher as vítimas com sigilo e respeito.
A inclusão dos riscos psicossociais na NR-1 não é apenas uma mudança regulatória. É um convite para que as empresas olhem com mais atenção, empatia e responsabilidade para o impacto que exercem sobre a saúde emocional das pessoas. É hora de cuidar do invisível. É nítido o ganho de produtividade e de engajamento que uma cultura mais saudável gera. É urgente a construção de um ambiente em que as pessoas queiram e consigam permanecer.
Com a definição de um prazo para o início das ações práticas, não há mais espaço para procrastinar esse cuidado.