Saúde social: o elo invisível entre bem-estar, conexão e desempenho
Ninguém é uma ilha. O que pesquisas revelam sobre solidão no trabalho e como as organizações podem reconstruir laços genuínos.
Por muito tempo, falamos sobre saúde nas empresas a partir de duas dimensões principais: a física e a mental. Cuidar do corpo e da mente se tornou parte da agenda de bem-estar corporativo. Mas há uma terceira esfera, silenciosa e determinante, que sustenta as outras duas: a saúde social. Algo que se refere à qualidade das nossas relações, à sensação de pertencimento e à força dos vínculos que nos conectam aos outros – dentro e fora do trabalho.
Uma pesquisa realizada pelo Talenses Group, em parceria com a FGV-EAESP, com 325 profissionais de diferentes setores, mostra o tamanho do desafio. O estudo revelou que 88% dos entrevistados percebem piora na qualidade das relações e 92% associam vínculos frágeis ao agravamento da saúde mental. Quase metade dos participantes já enfrentou algum episódio de burnout ou sofrimento emocional e 87% reconhecem que a saúde social tem impacto direto na longevidade.
Os números reforçam o alerta da Organização Mundial da Saúde (OMS), que classifica o isolamento social como um problema de saúde pública capaz de aumentar em 50% o risco de demência e em quase 30% a chance de doenças cardíacas. A solidão, segundo a OMS, provoca cerca de 1 milhão de mortes por ano em todo o mundo. No contexto corporativo, seus efeitos aparecem de forma mais sutil, mas igualmente preocupante: queda de engajamento, rupturas de confiança, aumento do absenteísmo e perda de produtividade.
Nos grupos de foco da pesquisa, gestores de RH relataram que o trabalho remoto trouxe ganhos de flexibilidade, mas também provocou o que muitos chamaram de “atrofia social”: a perda gradual da habilidade de se conectar e de conviver com as diferenças. A fronteira entre vida pessoal e profissional ficou difusa, a convivência espontânea está cada vez mais rara e, com ela, diminuíram os espaços de troca e construção de pertencimento.
Ainda que 93% dos entrevistados reconheçam que o modelo de gestão influencia diretamente a saúde social, apenas 39% percebem ações concretas das empresas para mitigar o isolamento e fortalecer vínculos. E essa lacuna é reveladora. Mostra que as organizações têm consciência do problema, mas ainda carecem de repertório e prática para enfrentá-lo.
Um cuidado que precisa estar no dia a dia
A saúde social não pode ser reduzida a eventos de integração ou campanhas de engajamento. Ela se constrói nas interações cotidianas, na escuta genuína, na gestão que valoriza relações de confiança e no tempo dedicado a conversas que não são apenas sobre entregas. Quando só 44% dos entrevistados dizem ter espaço para conversas não relacionadas ao trabalho, é nítido que falta tempo e prioridade com relação ao tema.
O estudo apresenta outros recortes importantes. As mulheres aparecem como o grupo mais vulnerável, com 58% relatando burnout ou sofrimento mental, um índice que cai para 39% entre os homens. A Geração Z, que chega com novas expectativas de flexibilidade e autonomia, é a que mais manifesta sintomas de solidão e esgotamento emocional – 75% dos jovens disseram já ter vivido burnout. Essa combinação de fatores de gênero e geração impõe um desafio adicional às lideranças, que precisam equilibrar empatia, presença e consistência na gestão de equipes cada vez mais diversas e distribuídas.
Os dados também revelam um descompasso entre percepção e realidade. Mesmo diante de números altos de solidão e sofrimento, 58% dos respondentes afirmam estar satisfeitos com sua vida social. Esse aparente paradoxo pode refletir uma dificuldade emocional de reconhecer a própria fragilidade ou, talvez, o fato de que nos acostumamos a viver em ambientes em que vínculos superficiais substituem relações significativas.
Fica a dica para os líderes de empresas
Para as empresas, a saúde social não deve ser apenas uma questão de bem-estar, mas um indicador de sustentabilidade. Equipes com laços frágeis tendem a se desengajar mais rapidamente, enquanto ambientes em que as pessoas se sentem conectadas e seguras para compartilhar ideias produzem inovação, pertencimento e melhores resultados. Em um cenário em que a solidão se torna um novo risco ocupacional, a capacidade de cuidar das relações passa a ser uma nova competência de liderança.
Líderes preparados para promover saúde social reconhecem que pertencimento não se impõe por decreto, mas se cultiva nas pequenas interações diárias. São aqueles que reservam tempo para conversar, oferecem feedbacks honestos, estimulam a colaboração entre gerações e constroem um clima de confiança. São também os que entendem que o vínculo com o trabalho se sustenta quando as pessoas percebem coerência entre o discurso e a prática da empresa.
A pesquisa mostra que quanto mais alto o cargo, mais positiva é a percepção sobre o ambiente e a liderança. Esse espelhamento das bolhas de poder é um lembrete de que quem está no topo da pirâmide organizacional tende a ficar mais distantes do mal-estar daqueles algumas camadas abaixo. Cuidar da saúde social, portanto, exige que lideranças se aproximem das realidades de seus times, reconheçam desigualdades e assumam responsabilidade pelo impacto de suas decisões nas relações humanas.
Falar de saúde social é falar de cultura, de confiança e de como as empresas lidam com a vulnerabilidade. É compreender que o trabalho, mesmo mediado pela tecnologia, continua sendo um espaço de encontro e de construção de sentido. Em tempos em que as conexões digitais multiplicam contatos, mas enfraquecem vínculos, investir em relações reais pode ser o diferencial competitivo mais humano e mais duradouro.
Como diz a pesquisadora Kasley Killam, especialista em conexões humanas, “a saúde social é um recurso a ser cultivado de forma proativa e preventiva”. E reflexões como essa só reforçam em mim a certeza de que cuidar das relações é cuidar da sustentação da vida – dentro e fora das empresas.
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