Como as emoções afetam nossa capacidade de aprender
Conheça uma pequena bailarina que desistiu das aulas de dança por ter sido constrangida em frente às colegas. E, mais madura, voltou à arte.

Fiquei refletindo sobre essa questão após uma recente sessão de coaching com um cliente. O cliente chegou contrariado a uma de nossas sessões. Segundo ele, a empresa onde trabalha havia oferecido um treinamento de um dia em um hotel. Ele foi animado ao evento pois tanto o tema – inovação – quanto o local, um hotel com uma área externa linda, geraram altas expectativas de um dia diferente e interessante. Uma série de situações alterou seu humor: o atraso na saída da van dos executivos, a falta de clareza sobre os objetivos do dia e, ao chegar ao hotel, a descoberta de que todas as atividades aconteceriam dentro de uma sala, sem acesso à área externa.
Em nossa sessão, ao perguntar sobre seus aprendizados desse dia de treinamento, ele respondeu, cético, que não havia entendido “o motivo da empresa tirá-los do escritório um dia inteiro” e acrescentou que seu “celular estava bombando, com tantas coisas para fazer”, e ele ali, “preso naquela sala, sem entender o que era para ‘tirar’ daquela experiência”.
A emoção desse cliente, inicialmente positiva, alterou-se em virtude das situações vivenciadas, e o resultado foi que ele se fechou para a experiência.
Segundo Vitor da Fonseca, pesquisador renomado na área de aprendizagem, cognição e neuropsicologia, as emoções têm um impacto fundamental no aprendizado, influenciando tanto o desenvolvimento intelectual quanto o social e emocional dos indivíduos. As emoções seriam adaptativas, preparando e orientando comportamentos para experiências positivas ou negativas, afetando diretamente a capacidade de aprender.
Como as emoções podem afetar nossa capacidade de aprender?
Experiências primárias e secundárias
No livro Kindfulness, Atenção consciente e amável para o estresse, os autores Zuázquita e Hennessey explicam o fenômeno das experiências primárias e secundárias, e como essas experiências estão no cerne da distinção entre reagir e responder a um estímulo: “uma reação geralmente não é consciente, mas automática e habitual, enquanto uma resposta é consciente, escolhida e criativa”.
Quando algo acontece, como o horário combinado para a saída da van não ser respeitado, temos aí o que os autores chamam de experiência primária. O que costuma ocorrer com a maioria de nós na sequência de uma experiência como essa são pensamentos e julgamentos (“não respeitam o horário”, “fui ingênuo ao chegar na hora; poderia ter aproveitado para descansar um pouco mais” etc.) e sentimentos (irritação, raiva, frustração, decepção etc.). Esses pensamentos, julgamentos e sentimentos são a experiência secundária. São fomentados por nós, aumentando nosso sofrimento, escalando a situação inicial e gerando reações em vez de respostas conscientes e intencionais. Quando atribuímos significados negativos à experiência primária, como uma percepção de aspereza, rudeza ou descortesia, esse julgamento determina se alguém, algo ou alguma ação provocarão afastamento. Quando, por outro lado, atribuímos significados positivos à experiência primária, como uma percepção de amabilidade ou suavidade, esse julgamento nos atrai, permitindo que esse estímulo ganhe relevância emocional.
Nosso cérebro tem um sistema para avaliar os estímulos externos (experiências primárias) em várias dimensões, tais como agradabilidade, relevância (significado pessoal), potencial de enfrentamento (percepção de ter, ou não, ferramentas para o sucesso nessa empreitada) e compatibilidade (consigo mesmo, seus valores, sua identidade, ou com o padrão sociocultural), conforme descrito por inúmeros autores mapeados por John Schummann no artigo “A neurobiological perspective on affect and methodology in second language learning” (algo como “uma perspectiva neurobiológica sobre a emoção e metodologia na aprendizagem de uma segunda língua” em tradução livre).
Na prática é como se inconscientemente nós submetêssemos as experiências a um checklist para ver se vale a pena nos esforçarmos para aprender algo a partir delas. Assim, se as experiências nos atraem, demonstraremos curiosidade, nos aproximaremos e isso nos possibilitará aprender.
Muitas vezes nossas experiências secundárias, nossas reações emocionais, podem escalar de tal forma que não é mais possível aprender algo.
A ciranda da bailarina
Quando eu era pequena, fazia aulas de balé. Fui uma pequena e dedicada bailarina dos 7 aos 11 anos, e aí algo aconteceu que abalou profundamente meu desejo de seguir dançando. Nós estávamos ensaiando para a apresentação de final de ano que, como de costume, seria no teatro do Masp. A professora me chamou um dia para conversar e explicou que eu estava um pouco acima do peso e que era importante que eu cuidasse da alimentação para me preparar para a apresentação no teatro. Constrangida, expliquei que minha mãe cuidava da minha alimentação, mesmo assim eu havia percebido que estava engordando um pouco. Prometi que falaria com minha mãe sobre a preocupação da professora e terminei nossa conversa com uma súplica para que ela nunca mencionasse essa questão na frente de minhas colegas. Passados alguns dias, voltei para o ensaio e estava pronta para entrar para o solo quando ela falou em alto e bom som, na frente de todo o grupo, que se eu não emagrecesse não poderia fazer o solo no dia da apresentação. De fato, não fiz o solo. Na verdade, não dancei mais. Naquele exato momento saí da sala de balé e não voltei.
Se olharmos as dimensões do checklist, evidentemente que essa situação não passou nos crivos da agradabilidade (o constrangimento da exposição pública é algo realmente desagradável, e qualquer um que já tenha tido uma experiência assim vai entender), da relevância (qual era mesmo o problema de uma criança de 11 anos dançar o solo um pouco mais rechonchuda?), potencial de enfrentamento (eu era pequena, tinha pedido para a professora manter essa conversa entre nós e não tinha sido bem-sucedida; eu não sabia o que mais fazer) e compatibilidade (concluí que balé era para meninas magras, o que não parecia ser o meu caso).
No caso do meu cliente, que foi a necessidade de compreender o objetivo da intervenção de aprendizagem, o crivo da relevância, uma vez que não foi atendido, desencadeou uma reação em cadeia de experiências secundárias e impediu que o dia fosse útil para seu desenvolvimento. Entretanto, ao explorar essa situação durante a sessão de coaching, ele aprendeu algo sobre si mesmo que o empoderou: para ele a necessidade de propósitos bem estabelecidos e divulgados é fundamental. Sendo assim, cocriamos estratégias para que, em experiências futuras, ele possa ter essa necessidade atendida.
Refletir sobre nossas reações pode nos ajudar a ganhar consciência sobre as dimensões do checklist interno em que estamos aprovando ou reprovando as experiências que vivemos, expandindo o tempo entre estímulo e resposta e permitindo que planejemos estratégias mais funcionais para seguir aprendendo e evoluindo, mesmo a partir de experiências desagradáveis, mesmo que demore para chegarmos lá.
Assim como meu cliente descobriu a importância da clareza de propósitos para aprender, percebi que algumas barreiras emocionais podem ser quebradas ao longo do tempo. A menina de 11 anos que habita em mim sorri todas as quartas-feiras há quase três anos quando me junto a outras mulheres para dançar em nosso grupo de dança circular. Sem pressão, sem neura, sem preocupação com a autoimagem: nossas idades e nossos corpos não são obstáculo, mas veículo de nossa autoexpressão e alegria.