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Nanolearning: treinamentos em 2 minutos se popularizam nas empresas

Técnica de treinar funcionários com conteúdos rápidos ganha espaço em meio à falta de tempo e à escassez de atenção dos profissionais

Por Karina Sérgio Gomes
Atualizado em 27 jan 2023, 10h22 - Publicado em 7 out 2022, 07h57
Executivo de camisa branca, jeans e cinto acessa smartphone
 (Nordwood Themes/Unsplash/Divulgação)
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O

s métodos tradicionais de treinamento corporativo estão em xeque. Cursos longos com dinâmicas em grupo e coffee break deram lugar a conteúdos curtos e objetivos, numa tentativa de se adaptar aos anseios dos profissionais, principalmente dos mais jovens. Foi nesse cenário que surgiu o microlearning, antes da pandemia, com a proposta de transmitir conteúdo em até dez minutos — idealmente, entre dois e cinco minutos.

Mas no pós-pandemia, com profissionais de diferentes gerações enfrentando dificuldade para se dedicar aos estudos e manter o foco, outra técnica de aprendizagem contínua, ainda mais sumária, vem ganhando espaço nas empresas, o nanolearning. O nome já sugere o formato: são doses de conhecimento em áudio, texto, vídeo ou imagens que duram menos de cinco minutos — especialistas sugerem até dois minutos — para consumo nos intervalos do trabalho, em urgências ou no horário mais conveniente ao aluno.

Para Claudia Brum, consultora educacional do Sebrae São Paulo, o nanolearning é mais do que uma tendência, é uma necessidade. “Vivemos em um mundo em que as pessoas têm menos atenção e tempo. Cada vez mais, a gente tem de chegar ao ‘muito’ de pouco em pouco”, diz. Segundo pesquisas do psicólogo americano Larry Rosen, autor do livro The Distracted Mind (“A mente distraída”, numa tradução livre), a atual capacidade média de concentração das pessoas é de apenas três a cinco minutos. Outro estudo, da Microsoft, aponta uma realidade ainda mais desafiadora: com o avanço da utilização das mídias sociais, nossa atenção dura míseros oito segundos.

Mas essa técnica não serve para todos os casos. Geralmente, vale para reforço de um conteúdo já passado anteriormente. E é necessário adotar uma estratégia para aplicar treinamentos desse tipo. “É preciso construir uma jornada de aprendizagem de modo que, a cada dia, o funcionário tenha um objetivo a ser cumprido”, afirma. Também vale deixar “ganchos” para despertar o interesse do aluno em continuar a pesquisa sobre o assunto ou para estimular uma conversa com amigos e familiares. “Dessa forma, a pessoa segue trabalhando o conteúdo e multiplicando os minutos de aprendizagem. Você tem de abrir portas para que o aprendiz desenhe sua jornada particular, com indicação de conteúdos extras.”

Em outubro, o Sebrae deve lançar uma iniciativa de nanolearning para quem utiliza o Sebrae Móvel, van customizada para atendimento ao público. Os interessados vão participar de treinamentos em uma das unidades móveis e depois receberão pelo celular conteúdos em “pílulas” para continuar o aprendizado.

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Segundo o neurocientista Alexandre Rezende, professor de neurociência da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, para que alguém assimile conhecimento, ainda mais em períodos tão curtos, é preciso que o conteúdo produza engajamento. “Estamos em um momento de grau atencional muito baixo. O nanolearning surge da nossa incapacidade de concentração”, diz. “Por isso, é preciso passar uma informação que o cérebro entenda como significante e aplicável. Caso contrário, deixamos para lá.”

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E é importante que cada nanoconhecimento seja completo, com começo, meio e fim. Em outras palavras, não adianta dividir um vídeo ou um texto em pequenas partes. Se o aprendiz precisar esperar os próximos capítulos do treinamento para entender o conteúdo, o risco de perda de interesse pelo assunto será maior.

Repertório e repetição

Há uma frase atribuída ao filósofo chinês Confúcio que diz: “O que eu ouço eu esqueço. O que eu vejo eu lembro. Mas o que eu faço eu aprendo”. Pode-se dizer que a máxima no nanolearning segue esse conceito, o da aplicabilidade. “Colocar o conteúdo em prática, nem que seja conversando com alguém, favorece o fortalecimento das conexões sinápticas [necessárias para a transmissão e o processamento de informações entre os neurônios]”, afirma Alexandre. Uma forma de conseguir isso é escolher, para esse formato, treinamentos que estejam relacionados às funções do cargo exercido pelo aluno. Outra vantagem de oferecer treinamentos em pílulas diárias é a criação de um hábito de aprendizagem contínua.

Para a psiquiatra Mirela Mariani, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo, a técnica muda a antiga relação entre quem ensina e quem aprende. “Esse modelo não atua na troca entre pessoas. Quem aprende é responsável pelo direcionamento da aprendizagem e a vivência em ciclos curtos, e a interação acontece com as ferramentas tecnológicas”, afirma.

De acordo com a psiquiatra, ainda que a geração Z tenha nascido inserida em ambientes digitais, treinamentos em nanolearning podem não ser recomendados aos mais jovens. “A maturação total do nosso sistema nervoso só é alcançada aos 25, quando o córtex pré-frontal, responsável pelo sistema de atenção, memória e planejamento, está completo”, diz. “Por meio do ensino formal, em uma escola, esse jovem tem maior capacidade de retenção devido ao modelo de repetição do aprendizado. Se a pessoa não tiver um conhecimento prévio do conteúdo e repertório, pode ser que não consiga reter a informação.”

No entanto, em sua avaliação, quando o conteúdo é personalizado e aplicável a necessidades corporativas específicas, o nanolearning tem suas vantagens inclusive com esse público. Uma delas é a atualização dos conteúdos de forma mais dinâmica do que por meio de um curso de longa duração, que tende a ficar desatualizado em poucos anos. Outra é a possibilidade de mensurar o aprendizado com quizzes rápidos aplicados logo após a transmissão da dose de informação.

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Além de ser um conteúdo de fácil acesso, a transmissão rápida de dados pode facilitar a vida de gestores em situações em que é necessário treinar seus funcionários em pouco tempo e de forma precisa. Por exemplo, atualizá-los a respeito de uma lei recém-aprovada ou transmitir novos conhecimentos sobre mudanças de processos em meio a uma crise, como aconteceu no primeiro ano da pandemia de covid-19.

Da pandemia para o dia a dia

A rede de mercados de atacado e varejo Assaí, com mais de 60 mil colaboradores e lojas espalhadas em quase todos os estados do país, passou a adotar a prática em 2020. Até 2019, a empresa estava desenvolvendo totens computadorizados de treinamentos para oferecer conteúdos para funcionários sem mesa, que trabalham no atendimento e abastecimento das lojas e pontos de distribuição. Com o espalhamento do coronavírus, o Assaí montou, com uma equipe de médicos, um treinamento sobre as medidas de higiene e segurança que todos os funcionários precisavam adotar.

Impossibilitados de reunir um grande número de pessoas em uma sala, devido ao risco de contágio, o meio encontrado para distribuir esse conteúdo de maneira eficaz foi o WhatsApp. “A gente queria que as pessoas entendessem que treinar era essencial naquele momento de pandemia”, afirma Rosangela Fernandez, gerente de recursos humanos do Assaí Atacadista.

“Aproveitando o aplicativo a que todos tinham acesso e uma linguagem que as pessoas já conheciam do YouTube, criamos vídeos rápidos, com mensagens curtas que iam direto ao ponto.”
As informações em formato de nanolearning foram tão bem-aceitas que a empresa resolveu aprimorar a plataforma, criando, em 2021, a Maia, personagem que dá os treinamentos da universidade corporativa. “O avatar é uma mulher negra, porque 68% dos nossos funcionários se identificam como negros”, afirma Rosangela.

Por meio de um sistema de inteligência artificial e da ferramenta de learning bot, que “aprende” informações sobre o usuário, a Maia consegue direcionar os funcionários aos treinamentos mais relevantes disponíveis na universidade corporativa. Os materiais atualmente são mais abrangentes, trazendo temas como diversidade e cultura, além de conteúdos para a liderança. Em 2021, a plataforma registrou mais de 45 mil acessos. “A Maia é hoje uma multiplicadora da Universidade Assaí”, afirma Rosangela.

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Foco em baixa

Pesquisas mostram que a nossa capacidade de atenção está diminuindo e que, nesse contexto, treinamentos de poucos minutos ajudam a assimilar conhecimento de forma mais eficaz

* 8 segundos é o tempo médio da nossa capacidade de concentração — depois disso, a tendência é de dispersão. Em 2000, a duração era de 12 segundos¹

*20% é a porcentagem de aumento da retenção da atenção ao conteúdo com o nanolearning²

*58% dos funcionários teriam probabilidade maior de usar ferramentas de aprendizado online se o conteúdo tivesse o formato de lições curtas³

*48% seriam mais propensos a usar uma ferramenta de aprendizagem contínua se pudessem acessá-la via smartphone ou tablet. Para 39%, o tipo de dispositivo não faria diferença³

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Fontes: ¹Microsoft Corp., ²Dresden University of Technology, ³Softwareadvice.com

Manda um zap

A utilização de aplicativos de mensagens para a distribuição de conhecimento tem a ver com a democratização da ferramenta entre a população. Segundo levantamento da Fundação Getulio Vargas feito em 2022, há mais smartphones em uso no Brasil do que habitantes: são 242 milhões de aparelhos para 214 milhões de pessoas. E, de acordo com dados do Datafolha deste ano, 92% desses dispositivos têm um aplicativo em comum: o WhatsApp. “O chat é algo muito poderoso. Não é como um vídeo a que se assiste de forma passiva. A pessoa é estimulada a interagir e refletir sobre o que ela está respondendo”, afirma o empresário alemão Jan Krutzinna. Ele fundou, em 2018, a ChatClass, que começou com o ensino de inglês via WhatsApp e passou a oferecer também, em 2021, treinamentos distribuídos no app. “A vantagem do WhatsApp é que a maioria das pessoas no Brasil tem intimidade com o aplicativo.”

Um ponto forte do uso dessa ferramenta é a possibilidade de somar o nanolearning ao “bate-papo” automatizado, principalmente se há incentivo para que o funcionário faça as aulas durante o expediente. “Há uma tendência mundial chamada ‘learning in the flow of work’, ou ‘aprenda enquanto trabalha’. Porque é muito difícil, atualmente, parar os funcionários durante um dia todo para treiná-los”, diz Jan. “Precisamos otimizar o tempo — as coisas estão mais interligadas.”

A coordenadora de educação corporativa do Grupo GSH Corp, Patricia Lamachia Madke, que começou a trabalhar com a ChatClass no fim de julho de 2021, acredita que a disseminação do conteúdo via app de mensagens é o modelo ideal. “Queremos que os nossos colaboradores acessem os treinamentos nos horários que forem mais oportunos para eles. Assim conseguimos atingir o maior número possível de colaboradores”, afirma. A metodologia é usada para cargos de todos os níveis, e o fato de os treinamentos serem feitos via WhatsApp permite o acesso a funcionários de diferentes idades e formações.

O principal objetivo da companhia com o nanolearning é ajudar a disseminar a cultura da empresa, oferecendo aprendizado, por exemplo, a respeito do código de conduta, que requer alinhamento entre todos os funcionários. Mas são feitos também alguns cursos para cada área. A flexibilização trazida pela ferramenta tem ajudado o GSH Corp a aumentar a quantidade de treinamentos. “Antigamente, para oferecer um curso era preciso conseguir reunir um grupo, reservar uma sala. Hoje, disponibilizamos o treinamento por meio de um link, e as pessoas fazem no horário que conseguirem. Depois, verificamos quem fez e o nível de aprendizado por meio do dashboard [painel visual que serve para acompanhar indicadores]”, diz Patricia. “De uma maneira rápida, os colaboradores conseguem aprender e testar seus conhecimentos.”

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Com esse novo modelo, a área de treinamento tem conseguido uma taxa 50% maior de engajamento dos funcionários nas aulas. “Os conteúdos em forma de pílulas acabam sendo mais palatáveis”, afirma Patricia. “Para que as pessoas não desistam no meio, buscamos deixar os assuntos bem focados e ir direto ao ponto.”

O avanço das tecnologias de aprendizagem contínua é benéfico, mas deve vir acompanhado de igual evolução nas políticas de combate à produtividade tóxica, para que a dedicação a tarefas de trabalho fora do expediente não vire regra, e no atendimento à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. E, com o uso de aplicativos de mensagens, como o WhatsApp, é preciso cuidado extra (e bom senso) com a invasão de espaços e horários.

Motivo de estresse

Funcionários que usam tecnologia móvel para o trabalho fora do expediente relatam maiores níveis de estresse. Por isso, é preciso cuidado ao implementar práticas que invadam espaços pessoais, principalmente via WhatsApp

* 48% dos funcionários que usam frequentemente a tecnologia móvel para tarefas do trabalho fora do expediente se sentem estressados em grande parte do dia

*36% dos que nunca usam a tecnologia móvel para assuntos corporativos fora do trabalho apresentam quadros de estresse em grande parte do dia

Fonte: Gallup

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