Esta reportagem faz parte da edição 71 (dezembro/janeiro) de VOCÊ RH
Trabalho remoto não é novidade, e é fato que, para uma porção de setores e funções, não há mesmo necessidade de estar fisicamente na empresa para se relacionar e produzir bons resultados. O problema é o modo como estamos fazendo home office na pandemia. Por exemplo, em um estudo da Oracle em parceria com a empresa de consultoria e pesquisa de RH Workplace Intelligence, 42% dos respondentes disseram que, em casa, estão trabalhando até 40 horas a mais por mês (uma média de duas horas extras por dia) do que quando iam para o escritório.
Não é só por isso que os profissionais estão tão estressados — 44% se dizem mais esgotados do que na pré-pandemia, segundo uma pesquisa da Microsoft detalhada mais adiante. É verdade que, de toda a sobrecarga emocional que as pessoas estão recebendo neste momento, não é possível separar com exatidão o que se deve à dinâmica do trabalho e o que vem de fatores ligados à covid-19, como o medo de ficar doente e a perda de entes queridos.
Mas aspectos relacionados às atividades em home office, como a falta de interações presenciais e o excesso de reuniões por vídeo, certamente se somam para demandar esforços de adaptação do cérebro a uma nova rotina e novas formas de realizar as tarefas, afetando também o corpo, o comportamento e o nível de entrega ao trabalho.
Velho normal?
O excesso de vigilância por parte dos chefes tem sido uma insatisfação comum no expediente remoto e se dá de várias formas: obrigando todos a manter a câmera ligada nas conferências, marcando sucessivas reuniões por dia e até instalando dispositivos que monitoram a atividade do usuário no computador. Uma atitude que deveria ficar no “velho normal”, segundo os especialistas.
“Demonstra uma ilusão de controle sobre o subordinado, como se a presença física garantisse entrega de resultado. O trabalho remoto pede uma mudança de mentalidade, baseada na confiança, na autonomia, na autorresponsabilidade e na capacidade de autogestão”, diz Thaís Gameiro, neurocientista e sócia da consultoria Nêmesis Neurociência Organizacional.
Diante da possibilidade de o home office se tornar permanente em muitas organizações, o psicólogo Daniel Abs, professor na área de gestão de pessoas e relações de trabalho da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, chama a atenção para a urgência de repensar práticas e processos organizacionais a fim de impedir que seja dado um passo atrás na atenção à saúde mental.
“O cuidado precisa ser elemento central das estratégias de gestão. Os chefes não podem esquecer que, mais do que nunca, é difícil separar vida pessoal e profissional; a pessoa é uma só dentro e fora do trabalho. Estar atento ao relacionamento com a equipe e agir para facilitar a rotina de trabalho em casa devem ser medidas básicas de cuidado”, diz Daniel.
A seguir, mostramos por onde a sua empresa deve começar.
1. Videoconferências: menos é mais
Uma das principais reclamações de quem está trabalhando em casa é o excesso de reuniões por vídeo, muitas vezes sem necessidade e quando o assunto em questão poderia muito bem ser resolvido em um telefonema ou uma troca de e-mails.
Um estudo realizado entre abril e maio deste ano pela Microsoft com mais de 2.000 profissionais em regime de trabalho remoto em seis países comprovou o que já no início da pandemia ficou popular como “fadiga do Zoom”: o cansaço mental causado pelo tempo excessivo em reuniões por videochamada. A pesquisa utilizou um equipamento para monitorar a atividade cerebral de voluntários trabalhando e descobriu que o padrão de ondas cerebrais associadas a estresse e ansiedade foi mais alto durante videoconferências do que em tarefas sem essa interação, como escrever e-mails ou realizar outras atividades individualmente. Tem mais: ainda de acordo com a pesquisa, a capacidade de atenção diante da tela atinge um pico por volta de 30 a 40 minutos após o início da reunião, caindo bruscamente em seguida.
“Nas conversas virtuais em que só dá para ver o rosto da pessoa o cérebro precisa gastar mais energia na busca de sinais não verbais essenciais para estabelecer a comunicação, mas que são sutis online, como a linguagem corporal e o contato visual. Daí a sensação de fadiga mental”, diz a neuropsicóloga Adriana Fóz, mestre em ciências pelo Departamento de Psiquiatria da Unifesp.
Para piorar, reuniões e conversas mediadas pela tecnologia não têm a fluidez das presenciais – as ferramentas podem travar, o feedback não é imediato, o diálogo pode sair truncado e exigir que as mesmas informações sejam repetidas várias vezes, pedindo esforço extra do cérebro. “Pense nas funções cognitivas como os músculos do corpo: se você os exercita demais, eles entram em fadiga e o desempenho cai. Com a atenção é a mesma coisa”, diz Fabio Porto, neurologista comportamental do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.
Como resolver
• Limite a duração das reuniões
O máximo de 50 minutos é uma boa referência, e cuide para que haja objetividade. “Quanto mais denso for o tema da sessão, mais esforço cognitivo vai demandar dos participantes e, portanto, mais breve deve ser para que todos se mantenham focados”, sugere a neurocientista e professora Carla Tieppo, do Instituto Conectomus. Também é importante ser consciente ao agendar os encontros, respeitando a pausa para almoço e não marcando várias reuniões na sequência.
• Aposte no planejamento detalhado das entregas
Assim não será necessário realizar calls diárias para alinhamento de ideias ou feedback – algumas empresas já adotam um ou mais dias por semana sem reuniões. Essa estratégia também permite que os funcionários se organizem para conseguir se dedicar a tarefas que demandem foco e atenção.
• Diversifique as ferramentas
Não é necessário usar vídeo para tudo. Muitas resoluções podem ser firmadas por telefone, e-mail, mensagem de texto ou áudio. Aplicativos de gerenciamento de projetos, como Trello e Slack, ajudam a manter a equipe conectada poupando videoconferências.
2. Equipe: a nova aproximação
A conversa informal no café, a troca de ideias com o colega ao lado, a discussão pós-reunião que continua na hora do almoço, a radiopeão… Tudo isso deixou de existir para quem está em home office, para prejuízo dos negócios e do bem-estar dos empregados. Afinal, a convivência social engaja áreas do cérebro responsáveis pela linguagem e pela comunicação, e estimula emoções e competências como resolução de conflitos e tomadas de decisão. “As interações espontâneas são oportunidades de troca, formação de novos vínculos e colaboração. Sem elas, perde-se espaço para criatividade e inovação”, diz a neurocientista Thaís.
De acordo com a pesquisa já citada da Microsoft, a desconexão com o time foi considerada o segundo fator mais estressante do trabalho remoto – atrás apenas do medo de contrair a covid-19, no caso dos brasileiros entrevistados. Faz sentido. A privação de contato social altera os níveis de serotonina e dopamina no organismo, substâncias que entregam sensação de bem-estar e motivação.
Há, ainda, os obstáculos que podem impedir uma boa comunicação quando ela se dá exclusivamente via ferramentas digitais – pense em mal-entendidos, mensagens truncadas e potenciais conflitos em conversas por mensagem de texto, por exemplo -, fazendo o cérebro se esforçar mais para compreender e até refazer tarefas.
Como resolver
• Avalie a possibilidade de um regime híbrido de trabalho
Quando a volta for possível, desenhe um esquema que intercale o isolamento do home office com alguns dias no escritório físico e na companhia de colegas.
• Estimule atividades em equipe
Elas ajudam a aprofundar as relações, reforçar o trabalho de time e aumentar o engajamento. Momentos de descontração à distância, como happy hours, festas, jogos e competições virtuais, podem ser encorajados.
• Preste atenção em funcionários que vivem sozinhos
Essas pessoas e as que exercem funções que não envolviam muita comunicação podem se sentir mais isoladas no home office. Por isso, a troca com os gestores deve ser direta e frequente.
3. Pausas: não podem faltar
No escritório físico, os momentos informais de socialização também representam pausas necessárias para que o cérebro se autorregule entre tarefas e reuniões e continue funcionando com eficiência. São fundamentais, por exemplo, para normalizar a dinâmica do neurotransmissor acetilcolina, que atua no hipocampo, nos processos de atenção e memória, e também no córtex cerebral, responsável por funções como reflexão e resolução de problemas.
Muitos trabalhadores, no entanto, relatam que vêm emendando uma reunião virtual na outra, quando não entram em duas salas ao mesmo tempo e fazem o que podem para ninguém perceber. Quando veem, estão há horas diante da tela, sem levantar nem para beber água ou ir ao banheiro. Além de perderem capacidade de concentração, no final do dia sentem-se exaustos. “É mais fácil passar dez horas seguidas trabalhando no escritório porque o ambiente induz a fazer paradas frequentes. Em casa, é impossível se manter concentrado na tela por tantas horas seguidas”, afirma Thaís, da consultoria Nêmesis Neurociência Organizacional.
Como resolver
• Adote e estimule uma agenda de reuniões consciente
Esse calendário deve respeitar horários de início e fim das sessões, prevendo intervalos de pelo menos meia hora entre os encontros e obedecendo momentos críticos, como almoço e, se for o caso, jantar.
• Incentive a organização de uma rotina equilibrada
Isso significa a possibilidade de conciliar o trabalho com atividades prazerosas e sem relação com o emprego, como movimentar o corpo. Exercícios físicos liberam endorfinas e outras substâncias que aliviam o estresse e contribuem para a eficiência cerebral.
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