Esta reportagem faz parte da edição 74 (junho/julho) de VOCÊ RH
Em 2015, uma ex-funcionária do Google nos Estados Unidos, Erica Baker, seria a responsável por iniciar um movimento em massa em diversas empresas do mundo. Insatisfeita com a falta de transparência, ela criou uma planilha para que funcionários divulgassem seus salários na empresa. A iniciativa gerou uma série de outras planilhas preenchidas por funcionários de companhias como Microsoft, WeWork e organizações de mídia, muitas das quais continuam ativas até hoje — inclusive no Brasil.
O movimento denota um conflito que ainda parece longe de se resolver: de um lado, as pessoas querem ter acesso a informações de salário e remuneração. De outro, há relutância das empresas em abrir essas informações. E o problema segue atual. Em um estudo do Glassdoor, site que permite que usuários avaliem anonimamente empresas onde trabalham, oito em cada dez pessoas em busca de um emprego em 2020 preferiam vagas com pelo menos uma informação aproximada de salário. Mas mais da metade dos funcionários entrevistados pelo Glassdoor relatou não ter ideia de qual era o salário quando se candidatou para o último emprego.
No Brasil, a situação se repete. Em abril, das 50.019 vagas anunciadas na plataforma InfoJobs, por exemplo, 42% vieram com a frase “salário a combinar”. O restante, 58%, dividia-se entre vagas com salário ou com faixa salarial. Segundo Nathália Paes, responsável pelo desenvolvimento de negócios do InfoJobs, a maioria das oportunidades que abrem informação salarial costuma ser para níveis mais baixos, como júnior e pleno. “Ocultar o salário ainda é prática recorrente em grande parte das empresas, especialmente para cargos mais altos”, afirma.
O que parece estar por trás disso é o medo, sob várias formas. “Há o receio de colocar essa informação nas mãos dos concorrentes”, diz Erica Isomura, sócia e consultora da Corall, consultoria de RH. O risco é também o de perder os próprios funcionários para outras empresas, caso saibam que elas pagam melhor. A preocupação é, ainda, a segurança, levando-se em conta o contexto de países desiguais como o Brasil. “Algumas empresas avaliam que declarar valores dos cargos mais bem pagos pode colocar em risco os profissionais”, diz Erica.
Outro medo seria o de atrair candidatos puramente interessados no salário, e não na vaga em si. A ideia é que não declarar o valor pode chamar pessoas mais motivadas por outros fatores que não o financeiro, como cultura e propósito. É por isso que Maria Sartori, diretora de recrutamento da Robert Half, consultoria especializada em recrutamento e seleção, costuma recomendar aos clientes que não abram nem mesmo a faixa salarial. Ainda que essa seja, de fato, a questão que Maria Sartori mais ouve dos candidatos. “Divulgar essa informação pode desestimular o profissional a seguir no processo, mesmo antes de conhecer a vaga”, diz. “E, no final, é possível que ajustemos o valor de acordo com quem escolhemos.”
Para os candidatos, a história poderia ser outra. Em outra pesquisa do Glassdoor, de 2018, a principal reclamação dos candidatos em processos seletivos já era a falta de informações sobre benefícios e remuneração. Para 58% deles, ter mais informações claras e abertas seria o principal fator de melhoria da experiência do processo seletivo. A falta de transparência, na verdade, está por trás dos principais problemas nos processos seletivos.
Afinal, para os candidatos, o processo pode parecer um encontro às cegas: a empresa sabe tudo a respeito deles, mas a recíproca não é verdadeira. “Tem muita coisa mudando para tornar as empresas mais humanizadas e transparentes, mas continuam contratando e remunerando como antes”, diz Marcelo Cardoso, fundador da consultoria Chie. Vagas pouco claras, com processos confusos para os candidatos, são mais um sintoma desse problema, porque denotam um descaso com as expectativas das pessoas na outra ponta. “Não divulgar a remuneração, nesse caso, é só mais uma característica entre muitas de processos que pensam nas pessoas como meros recursos”, diz.
Mesmo a questão da estratégia ou da privacidade dos salários não seria um motivo forte o suficiente, para Marcelo. “As melhores empresas, aliás, têm como prática fazer pesquisa de salário justamente para pagar de forma coerente com o mercado”, diz. “Então, na verdade, as empresas sempre sabem ou devem saber quanto o concorrente paga.”
Para os candidatos, o salário não seria importante apenas pela questão financeira. “É comum que determinadas posições técnicas e de coordenação, por exemplo, possam ter salários que variam de 4.000 a 15.000 reais”, diz Denise Asnis, da Taqe, plataforma de recrutamento e seleção digital. O valor pode ajudar a ter uma ideia do próprio nível de senioridade de forma mais específica que o título do cargo. “O processo seletivo deveria ser visto como uma relação mais igual entre pares e deixando claro exatamente o que se espera para a vaga”, diz Denise. Outro argumento seria a igualdade: ter o salário aberto nas vagas reduziria disparidades entre gêneros ou mesmo entre cargos iguais na mesma empresa, por exemplo.
Menos efetividade
As empresas podem sair perdendo com a prática para além da insatisfação dos potenciais candidatos. “Ocultar o valor tem muitas consequências, até financeiras, para o RH”, diz Nathália Paes, do InfoJobs. O principal motivo é que isso tornaria os processos seletivos mais ineficientes: não abrir o salário costuma atrair muito mais candidatos para a vaga, segundo ela. “Mas isso não significa que eu tenha candidatos aderentes — quantidade não é qualidade.” É comum que no final, quando o salário é aberto, muitos desistam do processo, por não ser o valor que esperavam. O resultado: o RH é obrigado a refazer todo o processo. “Isso custa dinheiro e tempo do RH, além do prejuízo pelo fato de uma posição ficar sem ser preenchida.”
A solução para ter flexibilidade em relação a candidatos de diferentes níveis de senioridade, nesse caso, seria divulgar uma faixa salarial. No final, pode-se ajustar o valor de acordo com a pessoa escolhida. Tentar levar até o fim do processo aqueles candidatos cuja pretensão salarial é maior do que a empresa pretende oferecer, por outro lado, também pode dar errado. “Se você não deixa claro desde o início que não pode pagar muito próximo da pretensão do candidato, ele pode declinar no final”, diz Nathália. “E ainda deixar de se candidatar para vagas futuras porque ficou com uma má imagem da empresa.”
De fato, deixar os candidatos no escuro durante o processo seletivo pode pegar mal para a empresa. “Não divulgar nem ao menos uma faixa salarial é muito ruim, porque as pessoas ficam realmente cegas”, diz Erica Isomura, da Corall. “E para o valor da marca isso é prejudicial.” Para ela, mesmo que as organizações não divulguem um salário exato, o máximo de clareza possível é sempre o melhor. “Explicar bem como a empresa remunera pode fazer diminuir aquela sensação de leilão que muitos candidatos têm”, afirma. “Afinal, queremos que o processo seletivo seja uma escolha mútua.”
Dou-lhe uma, dou-lhe duas
O sentimento de participar de um leilão, aliás, é uma das reclamações frequentes das pessoas em plataformas como o LinkedIn ou o Facebook. Ele vem, principalmente, quando as empresas colocam “salário a combinar” ou exigem a pretensão salarial sem dar mais informações em contrapartida. A sensação transmitida é de que a organização está procurando quem ofereça mais por um salário menor. “Quando faz isso, o processo fica impreciso e mostra falta de clareza e segurança do que a empresa quer”, diz Erica.
Para fazer sentido, as práticas de recrutamento e seleção mais transparentes devem vir alinhadas com a cultura e os valores da companhia. “A forma como a empresa se porta em um recrutamento precisa ser coerente com o que ela é”, diz Denise, da Taqe. De nada adianta uma empresa querer se portar como uma organização aberta, transparente e pouco hierárquica no processo seletivo se essa não é a realidade interna. “O employer branding não pode ser só marketing”, afirma. Primeiro, porque atrair as pessoas por algo que não se é pode resultar em alto turnover e frustração. Segundo, porque a função da marca é justamente mostrar qual é a cultura da empresa e o que ela valoriza. “Se for uma companhia mais conservadora e processual, o melhor é deixar isso claro e atrair as pessoas certas, em vez de tentar vender outra coisa”, diz Denise.
O receio dos profissionais em processos seletivos é o de estar sendo manipulados. Por isso, trocam relatos nas redes sociais e não há como controlar o que é dito a respeito das empresas. Portanto, quanto mais transparentes e abertas, melhor. “A transparência é a
moeda do futuro”, diz Denise. “Não vai ter volta.”
A maior parte dos erros no processo seletivo está na falta de clareza. Saiba quais são os principais
Não dar feedback
Esta é provavelmente a principal dor do candidato: muitas vezes, ele sequer fica sabendo se o processo seletivo já acabou. Mesmo em etapas com grande número de concorrentes, deve-se enviar pelo menos uma mensagem automática avisando que o candidato não passou naquela fase. Já na etapa final, o feedback deve ser mais elaborado, mostrando qual competência pode ter faltado ou se foi problema de nervosismo, por exemplo.
Deixar de explicar quais são as etapas
A busca por um emprego sempre gera ansiedade e expectativa. Deixar claro quais são as etapas do processo seletivo — e, mais importante, os prazos de cada uma — é uma medida simples, mas que ajuda a tornar a experiência dos candidatos mais tranquila e agradável.
Descrições sem clareza
Anúncios com informações genéricas não ajudam ninguém: nem os candidatos saberão ao certo do que se trata a vaga, nem as empresas atrairão as pessoas de que precisam. Deve-se explicitar o nível de responsabilidade daquele cargo, o papel dele no dia a dia e o perfil esperado. Nesse caso, é bom evitar o uso de jargões internos ou de RH.
Desrespeitar o tempo do candidato
Atrasos nas entrevistas, mudanças abruptas de horário ou processos muito morosos aumentam a ansiedade dos participantes e passam a imagem de descaso por parte da empresa.
Vagas fantasmas
Manter vagas abertas depois de já terem sido preenchidas, seja para continuar captando currículos, seja por descuido, é uma prática que, além de pouco efetiva, só gera frustração dos candidatos em relação à empresa.
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