Empreendedores que saíram do mercado formal consideram voltar à CLT
Movimento, porém, não revela um fracasso do negócio próprio nem um triunfo da carteira assinada. Ele expõe condições estruturais frágeis e complexas do país.
O debate sobre trabalho no Brasil ganhou novos contornos nos últimos meses. Pesquisas encomendadas por centrais sindicais mostram que muitos trabalhadores que deixaram o emprego formal para empreender agora manifestam o desejo de retornar à CLT. Esse movimento não revela um fracasso do empreendedorismo nem um triunfo automático da formalização. Ele expõe, sobretudo, as condições estruturais do país: educação insuficiente, volatilidade econômica, desigualdade de oportunidades e a dificuldade de sustentar autonomia num mercado em rápida transformação.
Os dados chamam a atenção, mas precisam ser lidos com cuidado.
Economia de plataforma
O Brasil é hoje o país com o maior número de motoristas cadastrados na Uber no mundo, com cerca de 1,4 milhão de inscritos e a marca afirma que 5 milhões de brasileiros já geraram renda por meio de suas operações. Esses números mostram a dimensão da força de trabalho que circula hoje no capitalismo de plataforma.
Há ainda um elemento relevante, no aspecto educacional. O índice de analfabetismo funcional no país permanece em aproximadamente 29% da população entre 15 e 64 anos. Quase um terço dos adultos tem dificuldade relevante para interpretar textos simples, planejar finanças, elaborar contratos ou tomar decisões essenciais para gerir um pequeno negócio. Autonomia exige preparo e essa é uma condição que não pode ser ignorada.
Não é correto, portanto, sustentar que empreender ou atuar em plataformas seja pior que ter vínculo formal. A realidade é mais complexa. A maioria dos profissionais que migra da CLT para o empreendedorismo o faz por necessidade, não por convicção ou oportunidade. Em regra, são trabalhadores de baixa escolaridade e de remuneração no mercado formal. E empreender porque precisa raramente se traduz em mobilidade social, equilíbrio financeiro ou qualidade de vida.
Ao mesmo tempo, é ilusório imaginar que a existência de um vínculo formal garanta estabilidade para quem não tem acesso à educação adequada ou capacidade de se manter relevante num mercado dominado por tecnologia e, cada vez mais, pela inteligência artificial. Carteira assinada não imuniza ninguém contra os efeitos da falta de formação.
Autonomia versus estabilidade
Há também uma dimensão geracional que merece destaque. Gerações mais jovens valorizam autonomia, flexibilidade, propósito. Já as anteriores priorizavam previsibilidade e estabilidade. Mas autonomia não se sustenta apenas em desejo, ela depende de condições materiais, sociais e educacionais. Quando o ambiente econômico não está favorável, como agora, essa discrepância fica mais nítida.
Outra correlação relevante é o índice mais baixo de desemprego da série histórica do IBGE, que apresentamos em 2024. Isso não significa, necessariamente, criação expressiva de vagas formais, pois essa taxa é calculada com base no número de profissionais que estão ativamente atrás de um emprego CLT. Logo, em muitos casos, o que ocorre é a redução da busca por trabalho com registro, decorrente do aumento de trabalhadores que migraram para formas autônomas de renda – ler esse dado como sinal de saúde do mercado formal seria um equívoco.
A movimentação de retorno à CLT, portanto, não representa nostalgia de estabilidade perdida e nem derrota do sonho empreendedor. É um reflexo direto das fragilidades educacionais, das desigualdades estruturais e das transformações tecnológicas que reorganizam o mundo do trabalho. O fenômeno não deve ser visto como problema individual, mas como um fato social que exige resposta adequada do Estado, especialmente no campo legislativo.
A solução passa por educação sólida, políticas que garantam proteção social adequada para todos e pela ampliação das possibilidades de transição entre autonomia e formalidade. De um lado, a autonomia real não deveria ser privilégio de poucos; do outro, a estabilidade também não deveria ser ilusão para muitos. É nesse ponto que o país precisa avançar.
*Taciela Cordeiro Cylleno é Juíza Federal do Trabalho, titular da 9ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, presidente da AJUTRA e membro do Conselho Pedagógico da EJUD-RJ.
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