Vicky Bloch: demissões por WhatsApp não podem ser uma realidade
A justiça está validando desligamentos via aplicativos de mensagem, mas as empresas não devem permitir que essa essa prática se perpetue. Entenda por que
Este texto faz parte da edição 76 da VOCÊ RH
“A Justiça do Trabalho tem validado demissões feitas por meio de aplicativos de conversa, como o WhatsApp. As decisões ainda negam indenização por danos morais aos trabalhadores. Para os julgadores, o uso da ferramenta, por si só, não causa constrangimento ou humilhação e pode ser adotado pelos empregadores, especialmente em meio à pandemia de covid-19.”
Mergulhada em uma reflexão de caminhada de vida ao comemorar meus 70 anos de idade e 46 de vida profissional, deparei com essa notícia chocante publicada em um jornal de grande circulação, que me jogou numa volta ao passado. Eu me formei na década de 1970, mais precisamente em 1975. Década aquela que trazia como novidade na área de recursos humanos o início dos movimentos sindicais ainda sob forte repressão.
Também adentrava nas organizações o desenvolvimento de teorias e conceitos dos melhores professores do Sloan Institute — MIT sobre desenvolvimento organizacional (DO). Iniciou ali o que hoje chamamos de desenvolvimento de times de alta performance. Exemplo muito importante dessa época foi o Banco da Lavoura de Minas, que começou a criar em suas agências bancárias equipes de alta performance.
Já na década de 1980, aprendemos a lidar com protestos e greves. Negociação era o tema da moda. E foram introduzidas também as atividades que começavam a arranhar o tema soft skills: seleção de profissionais com aplicação de testes psicológicos, avaliações de desempenho e desenvolvimento de liderança.
Os anos 1990, por sua vez, revolucionaram as relações de trabalho. A globalização trouxe a necessidade de se reverem estruturas, negócios e, portanto, afetou os trabalhadores no que era a máxima “lealdade X segurança”. Pela primeira vez se falou de demissões em massa. Tivemos entre 1990 e 1995 cerca de 15 milhões de desempregados pelos números oficiais, que não computavam o subemprego.
É aqui que quero me colocar nessa história. Tive o privilégio de atuar diretamente no tema, tanto na educação dos dirigentes de empresas como na dos profissionais de RH sobre como tratar com dignidade os profissionais nesse momento. Além dos meus valores pessoais que me levavam a esse caminho, todas as pesquisas mostravam que as pessoas que tinham seu vínculo rompido com dignidade e eram apoiadas na retomada da vida produtiva voltavam a ser membros da sociedade com contribuições importantes. Aqui falo de operários a presidentes de empresa.
Passei 18 anos dedicada a esta atividade missionária: mostrar que demitir por fax, telefone, carta (lembre-se de que quando comecei não havia e-mail) era desrespeitoso. E muitos o faziam por não saberem como enfrentar o momento. Ajudei empresas em muitos processos de demissões complexos, como fechamentos de fábricas, e na construção de outras formas de demissão, como as grades de programas de demissão voluntária (PDVs).
Achei que eu e outros profissionais que tanto atuaram nessa frente nas últimas décadas havíamos deixado um legado nesse tema. Mas, quando vejo uma notícia como essa, de que demissões por aplicativos de conversa estão sendo largamente utilizadas por empregadores sem que antes tenha havido uma interação pessoal, fico muito frustrada. Não há como se considerar respeitosa uma demissão por escrito. Cabe a nós, que dedicamos nossa vida aos negócios, com responsabilidade sobre o tema de pessoas, rever o que é de direito à luz do que é humano.
* Coach e consultora de carreira para C-Level. Professora na FIA, no IBGC e conselheira de administração.
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