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A sombra do endividamento

Funcionários com problemas financeiros têm mais questões de saúde e não mantêm o foco no trabalho – decadência que reflete na produtividade da organização.

Por Alexandre Carvalho
Atualizado em 2 ago 2024, 15h02 - Publicado em 30 jul 2024, 17h28
Um objeto de porco de cofre quebrado, com pedaços em seu entorno. Há três moedas no entorno.
 (Colagem: Camila Leite (Imagens: Getty Images)/Reprodução)
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Com certeza você conhece alguém assim: mal o salário entra na conta, ele evapora. O dinheiro acaba antes do fim do mês, e a solução, muitas vezes, é recorrer a empréstimos com a família e amigos – pois o sujeito não tem mais crédito no mercado. E isso acontece não porque ele seja um gastão – para gastar é preciso ter grana, o que não é o caso aqui. O problema é que boa parte do salário dele vai direto para o pagamento de dívidas. 

Essa convicção de que você conhece uma pessoa com esse problema é porque a grande maioria sofre com isso. No país, 78,8% das famílias estão endividadas, como mostram os dados de junho da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic). E quase 30% de sua renda está comprometida com dívidas. 

Há casos piores: os superendividados, pessoas que se tornam inadimplentes porque não conseguem, ao mesmo tempo, pagar essas dívidas e dar conta das despesas pessoais. Estamos falando da escola dos filhos, da comida na mesa, dos gastos com farmácia… a vida como ela é. Cerca de 70 milhões de brasileiros estão nessa situação – que tem consequências para seu bem-estar e o dia a dia no trabalho. 

Segundo uma pesquisa encomendada pelo Serasa, 78% dos inadimplentes têm surtos de pensamentos negativos por causa de compromissos que já passaram do vencimento; 61% têm crises de ansiedade ao pensar nas dívidas; e 74% relatam dificuldade de concentração para realizar tarefas diárias – principalmente as atividades relacionadas ao trabalho. E isso, claro, é um transtorno para o profissional, mas também para a empresa. 

Um estudo britânico de 2021 apontou os riscos para a organização de ter um profissional sempre com a cabeça nas contas. Ele tem uma queda de 29 dias de produtividade no ano (é como se passasse um mês sem trabalhar para a empresa, porque está ocupado lidando com seus problemas financeiros). Essa pessoa também está sempre de olho em empregos que paguem mais, para melhorar sua situação, o que aumenta o turnover e os custos do negócio com recrutamento. Mais recrutamento, mais gente nova, mais custos também com treinamento. 

Esse endividado acaba sendo um problema para seu gestor e para o ambiente corporativo. Ele tem uma probabilidade 7,5 vezes maior de perder qualidade nos trabalhos diários, e 8,7 vezes maior de nem conseguir terminar as tarefas pelas quais é responsável. Ou seja, ele se torna um profissional pior. E acaba contaminando o ambiente também. 

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Tensão financeira

Ainda segundo o mesmo estudo, uma pessoa preocupada com suas dívidas tem um risco 6,5 vezes maior de ter conflitos de relacionamento com colegas e gestores. 

Esse comportamento está ligado a um conjunto de emoções chamado “tensão financeira”. Envolve culpa, vergonha, sensações de inadequação e fracasso. Sentimentos que afetam negativamente a autoconfiança e a autoestima do profissional. E ele pode querer descontar essa negatividade na empresa. Ou no chefe, ou no colega mais próximo.  

Como achar um endividado

Claro, um comportamento disfuncional de alguém da equipe pode ter motivos variados. Pode vir de problemas de relação na família ou mesmo por um descontentamento no trabalho. Mas o endividado emite alguns sinais que podem ser percebidos, principalmente pelas pessoas mais próximas.

Vários objetos ocupando uma tela vermelha. Há uma calculadora com botões soltos, um lápis quebrado ao meio e um par de mãos segurando uma carteira vazia. Diversos grafismos contornam as imagens.
(Colagem: Camila Leite (Imagens: Getty Images)/Reprodução)

Geralmente, ele hesita em almoçar com os colegas. Prefere economizar o vale-refeição para gastar com a família. Ele também evita atender chamadas no celular (pode deixar no silencioso o tempo todo) para fugir das ligações de cobrança. Está sempre com um cartão de crédito novo, porque o anterior já atingiu o limite de crédito – e ainda usa um cartão para pagar a fatura do outro. 

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Se ele chega a reclamar das dívidas com os colegas mais próximos e é questionado sobre quanto deve ao todo… não faz a menor ideia. E ele não está mentindo. Os superendividados vivem em negação desse estado, um mecanismo de defesa mental que acaba fazendo com que gaste o que não pode (como colocar a filha na natação quando mal tem dinheiro para pagar os custos dela na escola). 

Impactos na saúde

Todos esses sentimentos negativos vão se acumulando e derivam para problemas de saúde física e mental. Transtornos que vão afetar seu prazer de viver e sua alegria com o trabalho – e que não podem ser ignorados pela empresa. 

De acordo com a pesquisa National Debt Relief, dos Estados Unidos, profissionais com problemas financeiros perdem até 200 horas de sono por ano, olhando para o teto preocupados com suas dívidas. E a insônia nem é a maior das questões de saúde relacionadas ao endividamento. Segundo a Associação Americana de Psicologia, o estresse financeiro está associado a uma série de doenças e distúrbios mentais, como pressão alta, diabetes, transtornos alimentares, uso abusivo de álcool e drogas, depressão e até problemas cardíacos.  

E o pior é que essas pessoas provavelmente não vão buscar ajuda. Segundo o mesmo estudo, os muito endividados, por todo o conjunto de problemas acima, têm menos condições de cuidar de si mesmos e de procurar atividades que reduzam essa condição. Pelo contrário: dois em cada três respondentes da pesquisa disseram que pararam de fazer algo de que gostavam por conta do estresse financeiro. A falta de grana até transforma sua noção de férias. Afinal, a pessoa não tem dinheiro para viajar, para fazer passeios interessantes (que não sejam gratuitos), para comprar livros e todo tipo de consumo que se faz quando temos bastante tempo livre. 

Essa ausência de autocuidado inclui se alimentar mal, não ter ânimo para atividades físicas e preferir o consumo de bebidas e substâncias ilícitas como forma de relaxamento – justamente opções que o afastam temporariamente da realidade. 

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A decadência progressiva na saúde dos indivíduos tem consequências bem visíveis para a empresa: aumento do absenteísmo e dos custos com convênio médico. Lembrando: não estamos falando de um caso isolado na empresa. Só cerca de 20% das pessoas não têm dívidas, então pode apostar que há muita gente na equipe cuja tensão financeira individual é capaz de afetar o coletivo – e influenciar os resultados do negócio. 

Várias imagens ocupam uma tela verde. Há uma gaiola aberta ao centro, com um pássaro e uma moeda de um real ao lado. Na parte superior, da esquerda para a direita, há uma fenda de uma pilha de moedas e o desenho de uma fenda de porta.

Educação para a gestão de dívidas

É responsabilidade do RH e das lideranças, portanto, identificar os casos mais críticos e apoiá-los. Paralelamente, também podem promover uma série de iniciativas que tanto ajudem as pessoas a sair dessa areia movediça quanto evitem que elas entrem na bola de neve. Ações que terão um impacto positivo em tanta gente desesperada. 

Para o coletivo da empresa, o mais indicado é promover a educação financeira entre os funcionários. Uma iniciativa que precisa ter constância e contar com a adesão dos líderes. 

Um exemplo de informação que deveria chegar a todos: pessoas disciplinadas com dinheiro devem seguir um modelo de 50-30-20. Thiago Ramos, gerente da Serasa, explicou os números numa reportagem sobre superendividados na Você S/A: “Isso significa que 50% do seu dinheiro mensal deveria ir para gastos fixos, 30% para gastos eventuais, incluindo lazer, e 20% deveria ser guardado, para uso somente em caso de uma necessidade imprevista”.

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Essas informações também devem incluir educação para a gestão de dívidas. O funcionário deve saber, por exemplo, que o primeiro passo para sair do fundo do poço é ver a profundidade dele: colocar numa planilha todas as dívidas (sim, acabar com a negação), os gastos fixos e eventuais. Aí, sim, ele terá um ponto de partida para começar a fazer sacrifícios. Analisar o que pode cortar entre os gastos fixos e eventuais. Pois é, se mantiver o estilo de vida, nunca vai conseguir pagar as dívidas. 

O RH também pode procurar uma assessoria que ajude os interessados, orientando-os individualmente sobre como lidar com as dívidas. Esse profissional lhes mostraria quais débitos pagar primeiro, que programas do governo podem ajudá-los a melhorar a situação, como trocar empréstimos de juros altos por opções de juros menores. 

A chave é que os colaboradores percebam, de fato, que seus problemas financeiros têm impacto em sua performance no trabalho – a não ser que eles os encarem de frente. Quando a empresa os ajuda a sair dessa situação, promove uma transformação completa na vida do indivíduo, que vai da sua saúde física à sua felicidade no dia a dia. Além de tirar esse profissional do poço em que ele se meteu, a organização garante as melhores condições para uma conquista preciosa: recuperar o melhor das habilidades desse talento – que já foi um ativo valioso no escritório. 

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O RESGATE

Um bom programa de bem-estar financeiro que ajude profissionais endividados deve trazer as orientações abaixo.

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  • Como negociar com os credores.
  • Métodos para começar a pagar o que deve.
  • Como criar um plano de redução da dívida. 
  • As diferenças entre os débitos e quais devem ser priorizados.
  • Quais custos devem ser cortados.
  • Técnicas de diminuição do estresse.
  • Sugestões para o autocuidado. 
  • Como ter foco no trabalho apesar dos problemas pessoais. 

Este texto faz parte da edição 93 (agosto/setembro) da Você RH. Clique aqui para conferir outros conteúdos da revista impressa.

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