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Ana Carolina Souza

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Neurocientista e sócia da Nêmesis, empresa de educação corporativa na área de neurociência organizacional
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Como ter uma vida e carreira mais significativas segundo a neurociência

O número de trabalhadores que estão deixando seus empregos voluntariamente está cada vez maior em vários lugares do mundo

Por Ana Carolina Souza, neurocientista, empreendedora e fundadora da Nêmesis
Atualizado em 5 Maio 2022, 13h15 - Publicado em 28 abr 2022, 09h27
Uma mulher loira vestida de branco sorri enquanto segura um tablet na mão
 (Pexels/Andrea Piacquadio/Divulgação)
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eria possível viver um evento de tal magnitude como a pandemia de covid-19 e não se questionar a respeito da vida? Acredito fortemente que esse momento histórico que vivemos deu a todos muito o que pensar: “Quero cuidar mais da minha saúde”. “Gostaria de passar mais tempo junto àqueles que amo”. “Desejo uma carreira mais significativa”. Diferentes reflexões a respeito de como gostaríamos de viver a vida a partir de agora foram se tornando cada vez mais presentes e, por que não dizer, conscientes! Isso fez com que muitos de nós pensássemos, entre outras coisas, na nossa relação com o trabalho. “Faz sentido voltar ao escritório? Eu me identifico com esta empresa?” Independentemente da pergunta feita, para muitos, retornar ao seu antigo estilo de vida simplesmente foi algo que deixou de fazer sentido. O retorno ao trabalho presencial inclusive se tornou um marco, determinando o dia e a hora exatos em que voltaríamos ao “normal”, porém, como já era de se esperar, esse suposto retorno trouxe por si só novos desafios a serem enfrentados pelas organizações e não apenas o desafio de lidar com o vírus.

O movimento conhecido como “A Grande Resignação” é um bom exemplo do que estamos falando. Identificado inicialmente nos Estados Unidos, ele diz respeito a um número grande de trabalhadores que estão deixando seus empregos voluntariamente, em busca de melhores condições de trabalho e qualidade de vida.

Em pouco tempo, o fenômeno passou a ser observado também em diferentes lugares do mundo. No Brasil, um estudo feito pela consultoria Lagom Data, a pedido da Você S/A, mostrou que quase 500 mil trabalhadores vêm renunciando a seus empregos todos os meses, mesmo com o país enfrentando altas taxas de desemprego. Isso equivale ao dobro do que o registrado nos anos anteriores à pandemia, e tem feito com que os pedidos de demissão sejam responsáveis por uma rotatividade de aproximadamente 15% das vagas com carteira assinada. Considera-se que esse número possa ser maior, se levarmos em consideração os pedidos de demissão por comum acordo.

Em sua maioria, aqueles que estão aderindo ao movimento são profissionais jovens, com menos de 30 anos, que atuam no setor de serviços, mas isso não se restringe a eles e, ao que parece, essa história está só começando. Uma pesquisa da empresa de recrutamento Robert Half no Brasil mostrou que 49% dos 1.161 profissionais entrevistados afirmam que pretendem buscar novas oportunidades profissionais em 2022. O resultado é semelhante ao que vem sendo observado em outros estudos realizados globalmente e mostra que, hoje, mais do que nunca, as pessoas vêm repensando sua relação com o trabalho e fazendo novas escolhas a partir de circunstâncias e reflexões causadas pela pandemia.

O que faria tantas pessoas ao redor do mundo pedirem demissão em meio a uma crise econômica e sanitária de tal proporção como a que vivemos? Na verdade, os motivos são muitos, mas o que, em conjunto, esses resultados mostram é algo que já se sabe há algum tempo: as pessoas buscam bem mais do que uma recompensa material na sua relação com o trabalho. A palavra-chave aqui é engajamento, e vamos olhar para o tema a partir de uma perspectiva neurocientífica.

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As emoções como drivers motivacionais

Todo o nosso comportamento, inclusive a tomada de decisão, é naturalmente influenciado pelas nossas emoções, que por sua vez são coordenadas no cérebro a partir de dois grandes sistemas, os Sistemas Motivacionais. Esses sistemas são responsáveis por promover diversas respostas emocionais e são ativados em diferentes contextos. Normalmente, nas organizações falamos muito a respeito da necessidade de promover o engajamento dos colaboradores. Nesse caso, mesmo sem saber, estamos falando do Sistema Motivacional Apetitivo. Contextos, ambientes e estímulos considerados agradáveis e atraentes promovem a ativação desse sistema, gerando uma resposta de aproximação, ou seja, promovendo um engajamento positivo. É justamente através dessa ativação que nos sentimos motivados para fazer certas coisas, interagir com certas pessoas e, até mesmo, superar desafios, em busca de uma espécie de recompensa emocional.

Por outro lado, o resultado de uma perda de engajamento não é necessariamente o reflexo de um estado emocional neutro. Contextos, ambientes e estímulos considerados desagradáveis irão promover a ativação do Sistema Motivacional Defensivo, responsável por coordenar respostas de evitação e esquiva. A relação com um ambiente de trabalho considerado precário, injusto ou negativo de qualquer forma irá promover a ativação desse circuito no nosso cérebro, levando ao desengajamento. Em alguns casos, a resposta de evitação é tão forte que pode provocar o que estamos vendo hoje, pessoas voluntariamente deixando seus empregos, mesmo sem ter outro em vista.

Quais seriam as principais justificativas para o abandono voluntário dos empregos e, o mais importante, que necessidade emocional não foi atendida? Como disse antes, os motivos identificados para essa decisão são muitos, mas vamos destacar os principais abaixo:

  • Falta de reconhecimento
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Seja a partir de uma remuneração percebida como inadequada, seja pela sensação de estagnação na carreira, muitos desses trabalhadores não se sentem reconhecidos e valorizados pela organização em que atuam. Em termos motivacionais, uma remuneração considerada justa e compatível com a atuação de mercado dos colaboradores é considerada um elemento básico. Será muito difícil promover o engajamento dentro da organização se as equipes percebem que não são remuneradas adequadamente para a função que desempenham. No entanto, a partir de certo ponto, apenas a recompensa material não é mais suficiente para promover o engajamento dos colaboradores. É aí que entra em jogo a motivação intrínseca, composta por três fatores fundamentais na nossa relação com o trabalho: maestria, autonomia e propósito.

Hoje sabemos que um dos principais fatores associados à satisfação no trabalho é a oportunidade de se desenvolver, associada à “maestria”. Tradicionalmente, pensamos em progressões de carreira e promoções, mas a percepção de crescimento do indivíduo também é fortemente associada à oportunidade de aprender coisas novas, se sentir desafiado positivamente e ser reconhecido por sua dedicação e trajetória. Aqui, as práticas de feedback recorrente e a liderança coaching são bastante conhecidas dos gestores que trabalham bem esse pilar motivacional no seu dia a dia. O objetivo principal é evitar que as pessoas se sintam estagnadas. Pergunte aos seus colaboradores: Onde você gostaria de estar em 5 anos e qual o próximo passo para chegar lá? Seja um facilitador dessa caminhada e intermedie os desejos e as necessidades da empresa e da sua própria equipe.

  • Ausência de identificação com o propósito e valores da empresa

Somos animais sociais e o pertencimento importa muito. A quantidade e a qualidade das nossas relações impacta diretamente nossa longevidade e saúde, tamanha é a importância do processo de inclusão social para nossa espécie. Quando falamos a respeito de uma busca por propósito individual e da sensação de conexão com o propósito e os valores da própria organização, é sobre esse fenômeno que estamos discursando. Assim, não só a busca por melhores remunerações foi o estopim para o término de relacionamento com antigos empregadores, mas a falta de alinhamento com tais valores também. Esse fator foi ainda mais relevante em grupos jovens, que já não estão dispostos a “viver para o trabalho” e têm feito escolhas mais associadas ao estilo de vida que almejam, valorizando a realização pessoal.

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É fundamental ter clareza de que o propósito não é simplesmente um discurso de marca bonito, que funciona bem na comunicação, porém não é vivido na prática. A força das mensagens é passada pelas ações promovidas pela empresa e pelas lideranças, que devem estar alinhadas com esses valores e torná-los norteadores de suas atitudes cotidianas. O propósito organizacional é como um fio condutor, que serve de referência para construção e manutenção dessa cultura. Ao ser identificado e trabalhado com sucesso, permite autenticidade à organização e oferece naturalmente uma oportunidade de identificação e conexão com pessoas, dentro e fora da empresa.

Por parte da organização, é fundamental reconhecer e identificar seu propósito. Faz parte da identidade de cada empresa e, por isso, pode ser descoberto e trabalhado. A partir da identificação, precisamos compreender como tornar o propósito algo vivo na rotina da empresa, mostrando inclusive a cada colaborador como sua atuação é importante para ajudar a empresa a atingir seus objetivos e dar vida a esse propósito através de suas ações. Atribuir significado ao papel de cada colaborador e conectar sua visão com a da empresa também faz parte da atuação da liderança, que pode e deve ser treinada para exercitar esse papel.

  • Saúde e bem-estar, em primeiro lugar

Um terceiro fator crucial para o movimento de saída que estamos testemunhando nas empresas tem sido uma valorização do cuidado com a saúde e o bem-estar. Em determinado momento da pandemia, muitos profissionais optaram por deixar seus empregos por sentirem-se vulneráveis, assumindo riscos altos para sua saúde e a de seus familiares. No entanto, mesmo em ambientes onde o risco de contágio foi controlado, a busca por maior qualidade de vida e os cuidados com a saúde mental ganharam uma relevância cada vez maior com a pandemia, alavancados principalmente por um aumento progressivo nos níveis de estresse observados. Um relatório de tendências desenvolvido pela Microsoft mostrou inclusive que 53% dos colaboradores estão mais propensos hoje a priorizar sua saúde e bem-estar em relação ao trabalho do que antes da pandemia.

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Ambientes de trabalho que não priorizam a saúde mental de suas equipes, ou que atuam de forma superficial sobre o tema, sem mostrar um interesse genuíno em promover uma cultura com foco na promoção do bem-estar, sairão perdendo. “Quanto custa a sua saúde?” ou ” Até onde você está disposto a ir para manter seu emprego?” A busca por maior qualidade de vida e o surgimento de uma nova relação com o trabalho trouxeram força para essas discussões.

A necessidade de equilibrar melhor vida pessoal e profissional provocou conversas dentro das empresas sobre a criação de limites saudáveis, o desenvolvimento de habilidades como a inteligência emocional, a empatia e a valorização da flexibilidade como parte das estratégias organizacionais para manter a saúde e o engajamento de seus colaboradores. Por trás desse debate, temos como motivador central a busca por maior autonomia, que permite aos indivíduos maior liberdade para organizarem suas rotinas e demandas de trabalho de forma mais harmônica com outras necessidades e objetivos pessoais. O trabalho remoto, a comunicação assíncrona e o foco em resultados são todos fatores associados a esse movimento, que busca conciliar essas necessidades de forma mais customizada e eficiente, garantindo maior performance e qualidade de vida para líderes e suas equipes. Iniciativas que têm como objetivo promover bem-estar e felicidade não serão suficientes se não formos capazes também de lidar com o estresse da rotina.

Todos esses fatores estão relacionados entre si e são fundamentais para que haja um maior conhecimento sobre essa temática dentro das empresas, permitindo o desenvolvimento de iniciativas e programas mais eficientes a fim de promover o engajamento dos colaboradores, principalmente os mais jovens. Uma pesquisa recente feita pela Randstad com 35 mil pessoas em 34 países mostrou que 40% dos profissionais com idade entre 18 e 24 anos preferem ficar sem trabalho a permanecer infeliz no seu emprego. Essa porcentagem cai um pouco conforme a faixa etária aumenta, com 28% para quem tem de 45 a 54 anos, mas, ainda assim, mostra a importância de as empresas desenvolverem novas estratégias, capazes de atender as necessidades emocionais de suas equipes.

É claro que não podemos simplificar a discussão e ignorar o fato de que muitas pessoas não têm essa opção. Para a grande maioria da população, há uma dependência dos empregos para sobrevivência econômica. Mesmo assim, para essas pessoas, seu engajamento estará comprometido, ainda que não cheguem a deixar seus empregos. Muitos farão suas atividades por obrigação, vivendo muitas vezes uma rotina de procrastinação, absenteísmo ou problemas de saúde. Por outro lado, esse debate também deixa claro que as pessoas esperam bem mais na sua relação com o trabalho e que as empresas que forem capazes de atender a essas novas demandas terão um diferencial garantido no mercado!

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Além de uma boa remuneração, os trabalhadores esperam que suas empresas ofereçam mais flexibilidade, um senso de propósito e um ambiente mais saudável. Esses fatores relacionais serão cada vez mais decisivos nos processos de atração e retenção de talentos, principalmente quando pensamos no desafio que será de agora em diante trabalhar a sucessão dentro das empresas.

As pessoas buscam um bom emprego e uma vida bem vivida, e a melhor forma de se ter uma vida e uma carreira mais significativas é justamente olhando para esses caminhos como complementares, e não excludentes. A resposta para esse cenário tão desafiador reside nas emoções e na valorização dos aspectos humanos dentro do ambiente de trabalho.

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