A alta performance pode estar matando a cultura da sua empresa
O lema "trabalhe enquanto eles dormem" nunca esteve mais errado. Entenda por que a produtividade tóxica compromete o futuro das organizações.

O mito do “trabalhe enquanto eles dormem” seduziu por tempo demais. Vendido como o segredo do sucesso, esse mantra ecoa em corredores corporativos e mentes ambiciosas, criando uma legião de profissionais que sacrificam o sono, a saúde e a vida pessoal em nome de uma produtividade implacável.
Mas a que custo? Tenho visto de perto o preço dessa cultura: ela está adoecendo as equipes e, ironicamente, minando a performance que tanto almeja.
A verdade está nos dados. Um estudo da Mercer, o Global Talent Trends, revela um cenário alarmante: a exaustão e o burnout são preocupações críticas para a força de trabalho.
De acordo com o Ministério da Previdência Social, apenas em 2024 foram 472 mil afastamentos de trabalho por transtornos mentais como depressão, ansiedade e burnout. Os números flutuam com o passar dos anos, mas a tendência é clara e consistente.
Vemos um contingente massivo de colaboradores lutando contra a ansiedade e a depressão, um reflexo direto dos ambientes que glorificam o excesso e ignoram os limites humanos.
A pandemia apenas intensificou essa realidade: o trabalho remoto borrou as fronteiras entre o profissional e o pessoal, e a cultura de “estar sempre disponível” se consolidou por meio de um crescimento exponencial de reuniões virtuais. (Depois da pandemia, elas aumentaram quase 200%, segundo a Microsoft).
Produtividade tóxica
Essa busca incessante pelo desempenho e pela performance cria a “produtividade tóxica”: um sistema que não apenas falha em gerar os resultados sustentáveis que promete, mas que ativamente os sabota. Uma pesquisa da Harvard Business Review, por exemplo, mostrou que colaboradores sobrecarregados podem ter sua eficiência reduzida em até 30%.
O resultado? Uma espiral de alta rotatividade, moral em declínio e a perda de talentos valiosos que não toleram mais ambientes com foco excessivo em metas e ausência de segurança psicológica.
O erro fundamental está em confundir presença com performance, e atividade com resultado. Um gestor que envia e-mails às 2h da manhã não está demonstrando comprometimento, mas sim modelando um comportamento insustentável que sua equipe se sentirá pressionada a seguir.
Como solucionar o problema
A solução é trabalhar com mais inteligência e, acima de tudo, mais humanidade. E a transformação começa pela liderança.
Pesquisas publicadas na American Psychological Association mostram que o bem-estar da equipe está diretamente ligado ao do líder. Gestores que cuidam da própria saúde mental e promovem um ambiente de equilíbrio são capazes de gerar níveis significativamente maiores de engajamento e desempenho. Eles substituem a vigilância pela confiança e o controle pelo empoderamento.
Aí entra o poder da autonomia. Um estudo da Harvard Business Review reforça: equipes com maior liberdade para tomar decisões e gerenciar suas próprias tarefas são mais satisfeitas, 20% mais produtivas e têm uma probabilidade 25% maior de atingir e superar suas metas.
Quando confiamos em nossos talentos para executar seu trabalho da melhor forma, sem a necessidade de microgerenciamento, abrimos espaço para a inovação, a criatividade e um senso de propósito que o esgotamento jamais permitirá florescer.
O futuro do trabalho é saudável
Está na hora de aposentar o culto ao herói exausto. As empresas do futuro não serão aquelas que extraem mais horas de seus funcionários, mas as que cultivam uma cultura de bem-estar, respeito e confiança.
A verdadeira alta performance nasce do equilíbrio, não do burnout. Ela é o resultado de uma liderança empática, de equipes autônomas e de um propósito compartilhado que inspira as pessoas a darem o seu melhor, de forma saudável e sustentável.
O futuro do trabalho não é sobre o quão tarde dormimos, mas sobre o quão bem e realizados nos sentimos ao final do dia.