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Sócia da ScienceConsulting e professora do Insper nas disciplinas de Estratégia de Negócios, Pessoas e Liderança.
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Escassez de talentos: líderes terão que trabalhar sem equipes no futuro?

O Brasil e o mundo já enfrentavam uma crise de mão de obra e de educação que se intensificou com a pandemia da covid-19. Entenda quais são os impactos

Por Luciana Lima, colunista de VOCÊ RH
28 jul 2021, 08h00

Em março de 2021, o Banco Mundial informou que a América Latina está enfrentando a pior crise na área de educação já vista, com consequências graves e duradouras para toda uma geração. O vice-presidente do Banco Mundial para a América Latina e o Caribe se referiu às crianças e ao potencial a ser desenvolvido em termos de capital humano, essencial para a manutenção da competitividade nacional futura.

Mais recentemente, em julho, um novo relatório defende que a crise econômica oriunda da pandemia repercutirá por mais nove anos no mercado de trabalho. Ou seja, além de termos problemas com as crianças, teremos também com os adultos.

Definitivamente, essa não é uma preocupação recente, há anos que estudos evidenciam a necessidade de que medidas mais enérgicas no que tange o desenvolvimento educacional do brasileiro. Observe que em 2014 – sete anos atrás – a BCG já havia divulgado um relatório sobre a crise global de mão de obra. Neste estudo, o Brasil, em 2020, já teria uma carência de até 8,5 milhões de trabalhadores, tendo esse número aumentado em quase cinco vezes até 2030.

Falta de qualificação

O que isso significa? Será que não teremos profissionais para contratar? Não, pelo contrário, teremos muitos profissionais disponíveis no mercado de trabalho! Contudo, poucos minimamente qualificados, ou seja, aqueles que não sejam analfabetos funcionais e, pouquíssimos altamente qualificados. Esse tipo de configuração do mercado de trabalho já vinha dando indícios pré pandemia e teve a situação agravada, imensamente, durante a própria. Mas o que me chama a atenção? Há pouca preocupação, ou quase nenhuma, com essa temática dentro das organizações, pelo menos das que operam no Brasil.

Se você imagina que esse problema já é suficientemente tratado pelas ONGs, pelas Fundações e por ações sociais das empresas, eu quero te dar uma notícia: isso valerá de muito pouco! Simplesmente, porque, apesar de certo esforço e investimento já realizado, mesmo em condições “normais”, o problema só foi se agravando ao longo dos anos, mesmo na ausência da covid19.

Acho importante especificar de que tipo de problema estou comentando. Para que tenhamos um profissional qualificado – profissionalmente – faz se necessário que ele tenha desenvolvido, ao longo da sua trajetória de vida, e principalmente, em sua primeira infância e adolescência funções cognitivas e executivas. Você deve estar se perguntando, mas o que é isso? Essas duas funções, caros leitores, são conceitos que todos que possuem algum tipo de responsabilidade sobre o desenvolvimento de um ser humano deveria entender, simplesmente por um motivo básico, o desempenho, seja ele qual for, depende de tais funções.

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Então, por exemplo, se você é pai/mãe deve entender de tais funções e de como promove-las o desenvolvimento de seu filho, isso não pode ser deixado para os professores, uma vez que, se você não entende disso você pode impactar, negativamente, as funções desenvolvidas no ambiente escolar. Se você é gestor, cabe a mesma colocação, como você espera melhorar o desempenho dos membros do seu time, sem conhecer, minimamente, a origem e funcionamento das principais funções que impactam nos resultados da execução das atividades?

Entende-se por funções cognitivas, de uma maneira simples, a nossa capacidade de alocar atenção em alguma atividade, de perceber o contexto, de memorizarmos fatos e nos expressarmos oralmente, em geral, envolve o que chamamos no senso comum de “raciocinar”. Já as funções executivas, em geral, estão relacionadas com a sustentação da atenção, o controle da impulsividade, a flexibilidade de alternar as tarefas sem perder o foco, a capacidade de desenvolver uma atividade de forma sequencial e inibir pensamentos que não são úteis em determinado momento. Tais funções podem ser de baixo nível, ou seja, as bem básicas, que costumam nascer conosco pois estão ligadas a nossa sobrevivência e também de alto nível que são necessárias para a realização de tarefas complexas.

Em suma, o problema de baixa qualificação não se limita ao fato de o indivíduo não ter uma “profissão”, é bem pior que isso, ele não tem a capacidade de ser envolvido em atividades complexas … penso que agora tenha chamado a sua atenção para o tamanho do problema que temos! Ele pode até ter uma graduação, mas ao se deparar com uma atividade no ambiente profissional que exija dele ativar seu conjunto de funções cognitivas e executivas, ele não consegue performar, não porque ele não quer, mas simplesmente porque ele não possui tais funções desenvolvidas. E será essa a composição massiva dos profissionais do mercado de trabalho no Brasil, até porque não nos esqueçamos que a parcela da população que possui condições (ou que possuía antes da pandemia) de fazer uso de um sistema educacional capaz de dar conta do desenvolvimento de tais funções, é extremamente limitada.

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Quem sofrerá com a falta de qualificação?

O fato é que esse problema tem dois alvos, bastante específicos. Aqueles que, no dia a dia, “sentirão na pele”, seus efeitos. O primeiro é você, líder. Sabe aquela vaga que você precisa fechar? Você não conseguirá. Sabe aquele profissional que gostaria de demitir para contratar alguém que apresente mais desempenho? Então, você não poderá demiti-lo, porque não terá alternativas disponíveis. Sabe aquele membro do time que faz a diferença e que você não pode perdê-lo de jeito algum? Pois é, você o perderá para alguma empresa internacional que o levará para fora do país, porque a crise é global e não apenas local!

O segundo é você que se aventurou a ler essa matéria. Sim, você consumidor de produtos e serviços, que paga seus impostos. Escassez de mão de obra qualificada significa, no seu caso, aumento do chamado “custo Brasil”, uma vez que essa variável impacta negativamente na produtividade das empresas, consequentemente, aumentando seu custo, e refletindo de forma “doída” no seu bolso. Como se isso não bastasse, você espera sempre, minimamente, ser bem atendido, certo? Pois bem, esqueça isso, um profissional pouco qualificado, nos termos já discutidos, não terá como ter um bom desempenho.

Não vou nem tocar na questão da transformação digital, porque estamos discutindo o básico do básico: como garantir que os índices de analfabetos funcionais diminuam? Como fazer com que a evasão escolar pós pandêmica diminua? Como garantir que as formações em nível superior, de fato, promovam algum nível de qualificação profissional? Como promover o desenvolvimento de funções cognitivas e executivas nos diversos contextos, uma vez que é possível desenvolve-las tardiamente, contudo com mais investimento de recursos.

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Talvez você deva estar me perguntando: “Mas Luciana, sério que além de produzir ainda temos que lidar com analfabetismo, evasão escolar, etc ?!” Pois é. Se você acredita que educação não deva passar a fazer parte do negócio, seja ele qual for, se prepare. É possível que a crise no Brasil seja ainda pior do que o Banco Mundial vem descrevendo.

Não vejo alternativas diferentes das que envolvam todos – sim todos – em múltiplos níveis. Desde a sua atuação como educador dos profissionais que trabalham em sua residência, até o desenvolvimento de competências voltadas para o papel de educador para além das posições de liderança. Para estes, alias, faz se necessário repensar, profundamente, que tipo de competências, de fato, fariam diferença no atual contexto de baixa qualificação. Isso porque, há tempo que escolas de negócios vem sofrendo críticas com relação a sua abordagem e conteúdo, apresentando dados de baixa eficácia no que tange suas atuações como educadores e desenvolvedores de profissionais. Exemplo disso são os baixos índices de engajamento mapeados pela Gallup.

O RH está pensando nisso?

E a pergunta que não quer calar: de que forma as políticas e práticas de gestão de pessoas estão sendo pensadas para dar conta desse desafio? Como realizar um planejamento estratégico com perfis que serão escassos no mercado de trabalho? Como ajustar o programa de trainees e estagiários para que tais públicos sejam beneficiados em sua formação e não apenas depois que são aprovados nas seleções?

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Como lidar com fontes de recrutamento que excluem instituições tidas como “fracas de formação”, até que ponto essas não merecem algum tipo de intervenção por parte dos recrutadores? Que tal o desenho de cargo incluir o envolvimento com projetos educacionais, com indicadores, mensuração e bonificação? Como pensar em educar via processo seletivo?

Na ausência de alternativas no mercado de trabalho, o perfil será flexibilizado e maior investimento deverá ser feito no desenvolvimento do trabalhador. Por outro lado, quem participou do processo seletivo deve ter algum tipo de investimento ali mesmo, o seu candidato preterido hoje, poderá ser o requerido de amanhã. O pensamento é coletivo e social e não individual.

Gerir pessoas não deve ter como objetivo apenas o negócio, mas a construção da sociedade na qual o capital humano será um valor construído e compartilhado por todos que dela dependem.

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Assinatura de Luciana Lima
(Arte/VOCÊ RH)
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