Esgotamento no topo da empresa: Heróis cansam. Líderes também
Lideranças foram treinadas para não demonstrar cansaço, não hesitar, não pedir ajuda, mas a realidade atual exige outro paradigma. Entenda.

O esgotamento das lideranças não é um desvio individual, é sintoma de uma cultura corporativa que ainda exige perfeição e nega a humanidade de quem ocupa posições de liderança. Um estudo da Harvard Business Review escancara esta realidade revelando que 96% dos líderes relataram altos níveis de estresse, e 33% disseram estar cronicamente esgotados. Os números revelam o custo de um modelo tóxico, que romantiza a disponibilidade total, cobra presença constante e sufoca o equilíbrio entre trabalho e vida. Não se trata de burnout ou falta de habilidade, mas de uma pressão contínua e silenciosa para nunca parar, nunca falhar, nunca pedir ajuda.
Por trás dos cargos de liderança, existem pessoas formadas para parecerem emocionalmente firmes, tecnicamente eficientes e fisicamente incansáveis. Décadas de cultura organizacional ensinaram que vulnerabilidade é sinônimo de fraqueza e, assim, nasceu o mito do líder infalível. Esse ideal, no entanto, já não sustenta os desafios do presente. Para que a liderança seja de fato mais saudável e sustentável, é preciso coragem para romper com velhos padrões e cultivar novas formas de se relacionar, mais conscientes, mais humanas, mais reais.
Lideranças foram treinadas para não demonstrar cansaço, não hesitar, não pedir ajuda, mas a realidade atual exige outro paradigma: normalizar pausas, abrir espaço para emoções e desconfortos, valorizar relações verdadeiras no cotidiano. Em pleno 2025, ainda é necessário reafirmar o que nunca deveria ter sido esquecido: líderes são, antes de tudo, pessoas. Sentem, erram, aprendem e precisam de apoio.
Às vezes, o que mais cansa não é o excesso de trabalho, é a falta de espaço para simplesmente ser. Para sentir medo sem parecer frágil. Para dizer “não estou bem” sem medo de julgamento. Para exercer a liderança e manter a humanidade.
Escritórios saudáveis
O desafio cultural é construir ambientes onde isso seja reconhecido como maturidade, e não como falha. Ambientes em que o autocuidado e a colaboração sejam pilares da estratégia. E, para isso, o exemplo importa. Se uma liderança nunca diz “não sei” ou “não consigo”, reforça a ideia de que mostrar vulnerabilidade é arriscado. A mudança começará quando esta mesma liderança reconhecer seus próprios limites e assumir que pedir ajuda é, na verdade, um sinal de inteligência.
Transformar essa lógica exige ação simbólica e prática. No campo simbólico, a alta gestão precisa incorporar em seus discursos e comportamentos a coragem de ser imperfeita. Na prática, é urgente estruturar rotinas que legitimem a troca: grupos de apoio, mentorias reversas, rodas de conversa e escutas qualificadas. Quando isso acontece, pedir ajuda deixa de ser exceção e se transforma em cultura.
O preparo das lideranças também precisa ser revisto. Mais do que treinamentos sobre “como liderar em tempos de crise” e uma agenda cheia de reuniões, o que os líderes precisam é de momentos de mergulho profundo para se escutar de verdade, questionar certezas e acolher as próprias vulnerabilidades. Ampliar o autoconhecimento, revisitar crenças antigas e fortalecer habilidades socioemocionais deixou de ser um diferencial; passou a ser uma urgência.
Investir em jornadas que ajudem a nomear sentimentos, reconhecer limites e construir recursos internos para liderar com mais consciência é, hoje, o único caminho possível para que a liderança não adoeça por dentro enquanto tenta sustentar tudo por fora.
O novo líder
A figura do líder salvador, que responde a tudo e carrega o time nas costas, já não cabe no contexto atual. A nova liderança inspira pela presença, não pelo heroísmo. Começa no cuidado consigo, na coragem de admitir que não dá conta, na construção de uma rotina com pausas verdadeiras, escuta sensível e escolhas que respeitem o corpo, o tempo e os próprios limites.
A inspiração vem da autenticidade. Demonstrar vulnerabilidade com responsabilidade muda tudo: conversas que importam acontecem, conexões se aprofundam e os vínculos se fortalecem. É na autenticidade que o pertencimento acontece de forma genuína e a colaboração ganha vida e propósito. Nós não nos conectamos com processos. Nos conectamos com causas. Essa mudança de consciência pede um novo jeito de liderar.
Felizmente, o modelo de liderança “forte”, baseado em rigidez, autoridade e controle, está ficando para trás. Em seu lugar, emerge o líder corajoso, que se mostra imperfeito, aprende com os outros e toma decisões difíceis com humanidade. A liderança do futuro será feita de escuta, empatia, presença e abertura para múltiplas perspectivas. Não haverá mais espaço para o “solucionador de tudo”, nem para “líderes apaixonados pela própria voz”.
A escuta ativa, nesse processo, é uma das ferramentas mais potentes; contudo, uma das menos utilizadas. Em tempos de sobrecarga, pressão e automatização, escutar virou um ato quase revolucionário. Mas é pela escuta que vínculos se constroem, ideias ganham formas e os conflitos se transformam. Quando as pessoas se sentem ouvidas, o sentimento de pertencimento cresce, florescendo a confiança, o engajamento e o equilíbrio emocional das equipes.
É urgente reconhecer que o burnout de líderes não é apenas resultado de excesso de trabalho, mas também consequência de uma solidão estrutural, de expectativas irreais e da falta de espaço para ser humano em um cargo que, ironicamente, existe para servir humanos. A Organização Mundial da Saúde define burnout como exaustão crônica, desconexão emocional e queda de desempenho. Em meio a isso, muitos líderes, pressionados por três visões: a de não saber, não sentir e não precisar, seguem em silêncio.
Cuidar das equipes começa por cuidar de quem lidera, e isso exige uma redefinição profunda do que é liderar. Liderar com consciência não é ter todas as respostas, é sustentar o desconforto, encarar conversas difíceis e, acima de tudo, saber quando parar. O futuro da liderança é humano. Porque, sim, heróis cansam. Líderes também.