A IA está transformando o mercado – mas os profissionais continuam decisivos
A ascensão dessa tecnologia implica na redefinição de tarefas e prioridades. Veja como empresas e pessoas podem manter (e ganhar) relevância nesse cenário.

Fala-se todos os dias que a inteligência artificial (IA) vai extinguir profissões. Paralelamente, as empresas que desenvolvem esses algoritmos oferecem pacotes salariais que lembram o mercado de futebol europeu para atrair engenheiros de ponta. OpenAI, Google e xAI pagam até US$ 20 milhões por ano – sem contar bônus milionários de retenção – para menos de mil especialistas capazes de treinar modelos de linguagem de última geração. A disputa não para: a Meta acenou com bônus de entrada de US$ 100 milhões para “roubar” pesquisadores rivais.
Como explicar esse aparente paradoxo? Se a IA realmente substitui empregos, por que as empresas que a desenvolvem investem tanto em pessoas? A resposta revela algo fundamental para profissionais de RH e lideranças estratégicas: não estamos vivendo uma extinção generalizada de empregos, mas sim uma profunda redistribuição de valor no mercado de trabalho.
Essa dinâmica pode ser comparada à janela de transferências no futebol europeu, onde craques disputados mudam de time a preços astronômicos. Há uma escassez crítica de talentos capazes de dominar as fronteiras técnicas da IA generativa – menos de mil especialistas no mundo dominam o desenvolvimento de large language models. Diante de uma oferta tão limitada e uma demanda crescente em escala global, os salários disparam.
Essa valorização também é impulsionada pela pressão dos investidores. Cada trimestre sem avanço em IA pode significar bilhões de dólares em perdas de valor de mercado para as big techs. Nesse contexto, pagar cifras dignas da Champions League para um engenheiro que acelera a entrega de um novo produto não é uma despesa: é um investimento estratégico, com retorno exponencial. Automatizar tarefas operacionais pode gerar uma economia incremental, mas criar um modelo capaz de abrir um novo mercado pode multiplicar receitas.
Além disso, contar com um Messi no time não traz apenas competência técnica – reforça a imagem da empresa como referência em inovação, o que atrai ainda mais talentos e clientes. A marca empregadora se fortalece, alimentando o ciclo virtuoso de reputação e competitividade.
Ao mesmo tempo, o restante do mercado enfrenta desafios reais. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 25% dos empregos estão potencialmente expostos à transformação provocada pela IA generativa. No entanto, a própria OIT destaca que, na maioria dos casos, essa exposição implica em uma reconfiguração de tarefas – não necessariamente na eliminação de cargos. É como se estivéssemos mudando posições em vez de tirar jogadores do campo.
Enquanto isso, o mercado tradicional de tecnologia sofre abalos: só no primeiro semestre de 2025, mais de 74 mil profissionais foram demitidos, segundo o site Layoffs.fyi. As demissões se concentram principalmente em cargos de suporte, vendas e engenharia de produto tradicional. Em contrapartida, os laboratórios privados de IA continuam contratando especialistas com pacotes que ultrapassam US$ 10 milhões ao ano.
A mensagem é clara: não estamos vivendo uma substituição homogênea. Estamos presenciando uma drástica reconfiguração do valor profissional. Quem domina competências técnicas raras e estratégicas está capturando orçamentos que antes financiavam equipes inteiras.
Ascensão da IA: o que fazer?
Para os departamentos de RH e para os executivos que desejam manter suas equipes relevantes e produtivas nesse novo cenário, o momento exige ação estratégica. Isso começa com o mapeamento detalhado de funções expostas à automação e daquelas que exigem julgamento crítico, criatividade e empatia – atributos que seguem sendo profundamente humanos.
Redesenhar cargos com base nesse entendimento é essencial. Um bom ponto de partida é adotar uma lógica de job crafting inteligente, distribuindo as tarefas de forma que cerca de 70% possam ser potencializadas por ferramentas de IA, enquanto os outros 30% permaneçam sob domínio de habilidades humanas insubstituíveis, como negociação, estratégia e storytelling. Essa combinação fortalece o engajamento, a produtividade e a empregabilidade.
No nível individual, o profissional que consegue demonstrar claramente o valor que agrega – seja em aumento de receita, redução de custos ou mitigação de riscos – tem maior poder de negociação, mesmo fora das grandes empresas de tecnologia. A diferenciação, hoje, está menos no título do cargo e mais na clareza do impacto gerado.
Também é preciso ampliar as habilidades de “jogo coletivo”. Soft skills como colaboração multidisciplinar, visão de negócio e comunicação empática são o entrosamento que define o desempenho de um time – e, em muitos casos, são o diferencial que falta a um técnico brilhante, mas isolado.
E quando mudanças forem inevitáveis, como em processos de desligamento, a forma como a empresa conduz essas transições importa – e muito. Programas de outplacement, recolocação e requalificação não apenas preservam a reputação organizacional mas também reduzem os impactos negativos nas redes sociais, fortalecendo o vínculo com quem fica.
Segue o jogo
A história mostra que toda revolução tecnológica cria novos papéis em campo, mesmo que encerre antigos. A IA não é exceção. Se empresas que estão na vanguarda dessa revolução continuam pagando valores de elite para atrair e reter pessoas, é sinal de que o jogo ainda está em andamento e os humanos continuam sendo peças decisivas.
No final das contas, a pergunta mais importante não é se você será substituído por um algoritmo. A verdadeira pergunta é: você está treinando hoje para assistir ao jogo da arquibancada ou para entrar em campo como titular?
A decisão – e o próximo toque na bola – segue nos seus pés.