Como tornar mais atraente a volta ao presencial
Para reverter descontentamentos, é preciso mais do que VR: os funcionários querem escuta ativa, novos benefícios e escritórios mais próximos e acolhedores.

Marcos Silva quase desistiu do emprego de analista de folha do Trust Group, empresa de logística e comércio exterior. Acostumado ao home office, ele topou o cargo no início de 2021, quando todos os funcionários da empresa ainda trabalhavam remotamente. Mas a cena começou a mudar em agosto daquele ano: ele teria de ir duas vezes por semana ao escritório. Poucos meses depois, teria de ir todos os dias. E o caminho era longo. De casa, em Balneário Camboriú, até a matriz da empresa, numa zona industrial de Itajaí, ele levava uma hora e meia. Com três filhos pequenos, seu novo modelo de trabalho sobrecarregava a esposa. Não sobrava tempo para levar as crianças à escola ou ao médico. Não restava outra alternativa, a não ser procurar outro emprego.
Não foi só Marcos que encarou os perrengues do retorno ao presencial – nos últimos três anos, milhares de funcionários retornaram ao esquema pré-pandemia: tempo integral no escritório. Segundo mostra o relatório de Tendências em Gestão de Pessoas, do Great Place to Work, o presencial voltou gradualmente a ser o queridinho das empresas. E, ao que tudo indica, deve voltar a ser o novo (velho) normal.
Essa tendência de retorno fica bem nítida na pesquisa anual da GPTW. Em 2022, quando o mundo ainda apostava que o híbrido tinha vindo para ficar, 50% das empresas optavam por essa forma de trabalho, enquanto 40% adotavam o presencial. No ano seguinte, a cena mudou, e houve quase um empate técnico, com pequena vitória para o time presencial: 46% vs 44%.
Aí chegou 2024 para acabar de vez com a ilusão de quem sonhava em viver só trabalhando de casa – 51% das empresas afirmaram adotar a forma presencial todos os dias, enquanto outros 41% estão no híbrido e 9% no remoto.

Não é um movimento só nacional – o Brasil segue tendências globais. Segundo um estudo da McKinsey, realizado com a população americana, a proporção de trabalhadores majoritariamente presenciais (com máximo de um dia de home office) passou de 34% para 68%, entre 2023 e 2024. Os híbridos caíram de 22% para 14%.
“Nós vemos um pêndulo. Sai do 100% remoto e vai para o meio do caminho. Em 2022, os estudos diziam que o futuro do trabalho seria híbrido. A gente cravava isso”, comenta Daniela Diniz, diretora de conteúdo e relações institucionais do GPTW. “No final de 2023 e início de 2024, ninguém mais lembra de Covid, a pandemia, todo mundo com quatro, cinco doses de vacina. Então 2024 simboliza o retorno mais massivo, quando as grandes empresas do exterior exigem a volta ao escritório.”
Lá fora, o X, antigo Twitter, foi uma das primeiras grandes empresas a puxar o bonde do retorno. Elon Musk havia acabado de adquirir a rede social, no fim de 2022, quando acabou com o trabalho remoto. Ou os funcionários topavam, ou aceitavam a demissão. A Amazon seguiu o mesmo caminho. Em setembro do ano passado, cobrou o retorno de seus funcionários – sem qualquer opção de flexibilidade.
Outras big techs escolheram o caminho híbrido. Desde abril de 2022, quem trabalha na Microsoft precisa passar ao menos metade do tempo no escritório. Em agosto daquele mesmo ano, a Apple também cobrou de seus colaboradores que trabalhassem ao menos três dias da semana no prédio da empresa – o mesmo aconteceu com a Meta, dona do Facebook, em 2023. O Google foi o retardatário entre elas: somente em janeiro deste ano cobrou o retorno híbrido de seus funcionários.
Por que tiraram meu home office?
Quase ninguém estava preparado para o trabalho remoto quando a pandemia tomou o mundo – muito menos as lideranças. Ao olhar dos líderes, principalmente os mais velhos, era difícil mensurar a produtividade sem ver o funcionário diariamente. Havia um problema nítido de comunicação e confiança.
“A questão é a segurança dos gestores, das organizações, principalmente das lideranças. O que percebemos claramente é que há um despreparo dos nossos líderes de forma geral. No presencial já era desafiador, então, quando eles se depararam com a realidade do remoto, não sabiam como entregar, mostrar a produtividade do time. E não estavam preparados para fazer isso remotamente”, explica Édio Bertoldi, vice-presidente do conselho deliberativo da ABRH Brasil.

A experiência com o trabalho remoto trouxe queixas em comum aos gestores: dificuldade em transmitir a cultura da empresa aos funcionários – essa é uma das principais justificativas para o retorno ao presencial, tanto em companhias gringas quanto em brasileiras.
“A gente começou a perceber que as pessoas estavam perdendo a cultura da empresa. Não só pela pandemia, mas pela entrada dessa nova geração”, diz Grazieli Paulo, CFO do Trust Group. “Eu sou 40+, tenho um nível de comprometimento diferente com o trabalho. Então criamos campanhas de cultura bem forte pós-pandemia para reforçar realmente quem somos, o que fazemos, quais são os nossos valores, o que nos move.”
À consultoria Mercer Brasil, responsável por pesquisas anuais sobre trabalho flexível e remoto, 365 profissionais de RH disseram o que motiva o fim do home office. A maioria deles (76%) não confia na produtividade dos colaboradores, e 61% dizem que os gestores não aceitam o modelo remoto. Pouco mais da metade relata dificuldades em acompanhar profissionais mais jovens e culpa a cultura organizacional como sendo o maior impeditivo. Eles também reclamam do excesso de reuniões do modelo híbrido ou remoto.
Há vantagens no trabalho presencial que o remoto não alcança – mesmo se os encontros acontecerem poucas vezes na semana. Um estudo de 2024, das universidades de Essex e Chicago, acompanhou 48 mil funcionários de uma empresa de TI. E descobriu: quem trabalha em regime híbrido gera menos ideias inovadoras do que colegas 100% presenciais; os remotos apresentaram ideias de qualidade inferior comparadas às do escritório.
A explicação dos pesquisadores é simples. Os encontros casuais nos corredores, ou nos cafés e almoços, acabam gerando novas ideias e insights sobre o trabalho. Enquanto, obviamente, em casa essas trocas espontâneas simplesmente não acontecem.
Só que isso também tem um custo. Dezenas de estudos mostram que os colaboradores se sentem mais confortáveis com os dias fora do escritório. E a pandemia mudou a visão deles. O home office proporcionou uma degustação da autonomia de tempo, da flexibilidade de horários – e transformou a forma como eles avaliam os benefícios e os prós e contras de aceitar um emprego. Ou permanecer nele. Se o trabalho remoto foi um desafio para as empresas, para os trabalhadores foi um respiro.
Muito além de dinheiro
A volta do Trust Group ao trabalho presencial foi “traumática”. “A gente começou a viver os problemas do retorno. Outras empresas ainda ofereciam home office e nós começamos a perder muitos funcionários. Houve um turnover muito alto”, relata Grazieli.
Na capital paulista, Kelly Malaquias, HRBP (Human Resources Business Partner, ou parceiro de negócios de recursos humanos) da Swile Brasil, empresa francesa de benefícios corporativos, também suou frio quando voltou ao presencial. Ela levava mais de duas horas para chegar ao escritório e outras duas para voltar para casa. “Quando voltamos, me deu um frio na barriga, lembrei-me do trânsito, do tempo gasto no deslocamento. Várias vezes eu pensei ‘não é essa a vida que eu quero para mim’”, conta.
Dificuldades na contratação para o presencial
Não foi só o Trust Group que enfrentou dificuldades em reter seus talentos com o retorno ao escritório. Ou apenas a Swile que causou desconforto, ao menos no primeiro momento, em seus funcionários. Segundo dados do GPTW, 70% das companhias que exigem presença total têm dificuldade para contratar – o mesmo só acontece com pouco mais da metade de empresas híbridas e menos de 40% de remotas. “Esse retorno obrigatório pode impactar negativamente a satisfação dos colaboradores, o turnover e o engajamento”, diz o relatório.
A razão é um tanto óbvia – e pesquisas comprovam: o home office aumentou o bem-estar entre os funcionários, reduziu o burnout e o tempo gasto nos deslocamentos, e fez com que eles tivessem mais tempo e cuidado com a saúde.
Essa mudança alterou a visão e os desejos dos profissionais. Antes da pandemia, quase não se ouvia dizer sobre benefícios como o Gympass ou Total Pass, que oferecem opções de atividades físicas aos colaboradores. Segundo o Planeta Firma, estudo anual da Swile sobre benefícios, de 2021 para cá, houve um aumento de 80% nos benefícios de descontos em academias.
E não foi só isso. Se vão precisar ir para o escritório, que, ao menos, recebam incentivos para isso: o oferecimento de auxílio-combustível disparou 200%. O “benefício flexível”, que permite o pagamento para várias despesas, como farmácia e mercado, foi outro que se popularizou após a pandemia: crescimento de 50%.
É aqui que aparecem os papéis fundamentais do RH e das lideranças: comunicação e diálogo – entender quais as necessidades de seus colaboradores e repassar com clareza as motivações do retorno.

“O RH foi um dos grandes pilares de sustentação na pandemia. Ele criou a área de relações de desenvolvimento, entendendo esse novo papel de preparar as lideranças e a gestão para esse processo de volta também”, diz Édio Bertoldi. Já Daniela Diniz aponta: “Se você tem o RH vendendo o retorno, afirmando a cultura legal da empresa, e uma liderança que diz ‘quero todo mundo aqui para controlar’, não vai funcionar! O importante sempre é a gestão de pessoas. E quem faz a gestão na ponta e na prática é a liderança”.
Bem-vindos de volta – de verdade!
Kelly Malaquias respirou aliviada no retorno. A Swile Brasil havia atendido ao pedido de seus funcionários: o escritório migrara da Faria Lima para a Avenida Paulista, uma localização bem fácil de chegar. O tempo de deslocamento dela reduziu para 50 minutos. “Vou de transporte público e aproveito para colocar minhas leituras em dia, que era um dos meus objetivos este ano”, comemora.
A mudança não pode nunca se dar sem diálogo – e sem uma consulta aberta aos colaboradores. “Tenho visto muitas rodas de conversa, comitês multifuncionais com pessoas de todas as áreas participando das decisões. Não pode mais ser uma coisa imposta de cima para baixo, sem abertura para diálogo”, confirma Isis Borge, headhunter e sócia do Talenses Group.
“Fizemos muita pesquisa interna! Vimos que a questão do deslocamento era um ponto importante. E o auxílio à terapia também. Por isso, negociamos com as empresas, aumentamos o valor do reembolso. Fizemos uma revisitação para que os colaboradores sintam que estamos olhando para a jornada deles, para torná-la atrativa”, confirma Josiane Lima, diretora de pessoas da Swile.

Marcos Silva, do Trust Group, teve a mesma surpresa. Com a rejeição ao retorno presencial, a empresa catarinense assistiu às demissões voluntárias, sem saber qual rumo tomar. Percebeu que a distância era um dos principais desmotivadores. Decidiu, então, aumentar as salas disponíveis em outro escritório, mais central, com vista para o rio Itajaí-Açu, e convocar mais funcionários para trabalharem lá.
A vida ficou bem mais fácil. Marcos passou a levar apenas 20 minutos para chegar ao escritório. Desistiu da demissão e, em poucos meses, recebeu uma promoção: virou coordenador de Gente e Gestão.
Tanto a Swile quanto o Trust Group não mudaram apenas o endereço. Ambas as empresas tiveram suas salas reformadas, com áreas de descanso, as paredes foram derrubadas, não há mais divisórias entre as mesas, e um design decorativo todo voltado para o bem-estar. Essas medidas são as mais mencionadas pelas empresas quando falam, em 2025, de mudanças no escritório para atrair e manter funcionários engajados.
E a jornada parece ter se tornado, de fato, mais atraente. Não adianta negar: a pandemia mudou a forma como as pessoas se relacionam com o trabalho. Ou as empresas escutam seus funcionários e se adaptam, ou vão perder seus talentos para a concorrência. Espaços reformados, rotinas mais leves, novos benefícios, escuta ativa e clareza de propósitos não são bônus: são o mínimo. Porque, se o trabalho mudou, a gestão também precisa mudar. E, quando há diálogo real, até o crachá pode voltar a ser um convite — não uma imposição.
7 práticas para tornar o presencial atraente
Confira ações que não apenas facilitam o retorno ao escritório, como também fortalecem a relação entre colaborador e empresa, contribuindo para uma cultura organizacional mais humana, engajada e de alta performance.
1. Criação de um ambiente acolhedor e funcional
Escritórios com áreas de descompressão, ergonomia e decoração humanizada favorecem o retorno mais desejável.
2. Flexibilidade de horários
Permitir autonomia sobre a jornada — como horários flexíveis — respeita diferentes estilos de trabalho.
3. Reforço do propósito e da cultura organizacional
Usar o retorno ao escritório para reconectar times à cultura organizacional cria uma experiência mais significativa.
4. Programas de bem-estar e saúde mental
Oferecer meditação, apoio psicológico ou campanhas de autocuidado mostra que a empresa se importa com o colaborador.
5. Comunicação transparente e escuta ativa
Ouvir as opiniões do colaborador, adaptando planos e explicando os motivos da volta é essencial para evitar resistências.
- Incentivo à colaboração e à convivência
Realizar encontros informais, almoços em grupo e dinâmicas de integração pode resgatar o prazer de estar no escritório.
7. Se possível, facilitar os deslocamentos
Migrar a sede para regiões com maior acesso de transporte público diminui o tempo de ir e vir.