“Se as empresas não prepararem sua força de trabalho, vão sumir”
Esta é a percepção de Kelly Palmer, especialista em educação. A americana acredita que o aprendizado contínuo precisa estar no radar das companhias
Esta reportagem faz parte da VOCÊ RH 71 (dezembro / janeiro)
A educação foi um dos setores que mais precisaram — e continuam precisando — se reinventar por causa da pandemia. A crise da covid-19 acelerou tendências da área, e as aulas online se tornaram padrão, inclusive nos treinamentos corporativos. Todas essas mudanças vieram para ficar. É nisso que acredita Kelly Palmer, chefe de aprendizagem da Degreed, empresa de educação digital, e autora do livro The Expertise Economy (“A economia da expertise”, em tradução livre, sem edição no Brasil). Especialista em educação e palestrante sobre o tema, ela já atuou em empresas como LinkedIn e Yahoo. Em entrevista para VOCÊ RH, a americana explica por que investir em aprendizado não é uma alternativa, é sobrevivência. Sem isso, empresas e profissionais não conseguirão se manter relevantes e se manter no mercado nas próximas décadas.
Para montar seu propósito, a Degreed se inspirou na fala do ex-presidente americano J.F. Kennedy sobre levar o homem à Lua, quando disse que os Estados Unidos estavam fazendo aquilo “não por ser fácil, mas justamente por ser difícil”. Com isso em mente, quão desafiador é implementar um modelo educacional corporativo hoje?
Quando eu entrei na área de aprendizagem, vi que as coisas não estavam muito avançadas e que, na verdade, eram até um pouco antiquadas. As pessoas ainda pensam que aprender é estar em uma sala de aula e ouvir — voltando à época da escola. Sempre que perguntava aos outros o que tinham aprendido recentemente, eles diziam que não sabiam — a não ser que tivessem entrado há pouco numa sala de aula. Mas estamos o tempo todo aprendendo. Acredito que existem empresas que ainda estão presas ao modelo antigo de aprendizagem e pensamento. E elas vão levar um pouco mais de tempo para mudar, apesar de a pandemia ter acelerado a preocupação sobre isso.
Os desafios da educação corporativa estão evoluindo?
Ainda vejo problemas em ultrapassar a compreensão de que a aprendizagem ocorre apenas da maneira tradicional, em aulas e leituras. E muito dessa dificuldade tem a ver com a percepção da liderança: se a chefia acredita que isso é aprendizagem, fica difícil criar uma estratégia diferente. Mas, depois que as empresas entendem que é preciso transformar o modo como os funcionários aprendem, o próximo passo é ajudá-los a desenvolver novas habilidades. E a parte difícil é identificar em qual etapa da aprendizagem de competências as pessoas estão — é preciso medir como estão progredindo, se estão aprendendo skills do futuro. No RH, por exemplo, vemos a necessidade de trabalhar mais com dados e people analytics. São conhecimentos que estão se tornando populares, mas poucas pessoas da área os possuem.
Falamos muito sobre o futuro do trabalho, mas a pandemia nos fez perceber que o futuro está mais próximo do que imaginávamos. Quais foram as principais mudanças que a crise trouxe?
Nós estamos vivendo numa nova realidade e há assuntos importantes para pensar agora, como trabalho e aprendizado remotos — temas que mudarão a cultura das companhias. Muitas empresas e líderes têm incentivado as discussões sobre essas questões. Estávamos resistindo a experimentar coisas novas, e a pandemia nos forçou a entrar nessas novas situações. Um exemplo é o home office: depois de alguns meses, quem nunca havia nem considerado trabalhar à distância estava amando. Outro exemplo é a educação: muitos se surpreenderam ao perceber que podiam aprender online e em casa.
Ainda discutindo o futuro, como prever habilidades que estarão em alta em um mundo de transformações tão velozes?
No passado, a área de RH era muito prescritiva sobre o que e como aprender, mas agora nós queremos que as pessoas tenham protagonismo em seu processo educacional. Mas elas continuam buscando um guia — tanto que uma das perguntas que mais ouço é: “Estou sobrecarregado, em que devo focar agora?”. No caso das empresas, é necessário entender a estratégia da companhia e quais serão as habilidades necessárias. Sabemos que as competências mudam muito, então devemos identificar de três a cinco que são prioritárias em cada setor. Marketing, dados e storytelling são importantes, por exemplo.
Os líderes devem auxiliar nesse processo?
Não importa quantos programas de aprendizado o RH está criando se os líderes não dão apoio e não se envolvem. Eles devem dar direcionamento, mostrando quais habilidades serão muito importantes. Mas é preciso olhar no nível individual também, pensando na própria carreira. Então, se pergunte: quais são as competências que passaram a ser exigidas de você ou que serão necessárias para mudar de área ou de emprego? Importante lembrar que algumas delas você pode tirar de suas experiências profissionais — e que muitas são humanas e únicas, não serão substituídas por inteligências artificiais. É o caso da comunicação, da empatia, da inteligência emocional e da curiosidade.
Qual é o impacto econômico de uma força de trabalho despreparada?
Uma empresa em que trabalhei por muitos anos ficou complacente diante das mudanças. Como resultado, não conseguiu permanecer no mercado e teve que vender sua operação. E essa será a realidade de muitas companhias. Acredito que 50% desaparecerão nos próximos dez anos, como explico em meu livro. Se as empresas não prepararem sua força de trabalho, vão sumir do mercado. Se, por exemplo, o Walmart não treinasse os funcionários em vendas online, perderiam participação no mercado e poderiam deixar de existir na próxima década.
Como você descreveria um profissional que é um aprendiz constante?
No mundo Vuca não temos opção. Se você, como indivíduo, quer permanecer competitivo, significa que quer aprender o tempo todo. Antes costumávamos ir para a universidade, estudar por quatro anos, pegar o diploma, e isso seria o suficiente para toda a carreira. Hoje é comum que jovens recém-formados já comecem a se preocupar com as próximas habilidades que terão de aprender. Aprendizagem contínua significa que o que aprendemos antes não vai nos direcionar para o resto da vida. Não é mais possível ser passivo sobre a educação; temos que assumir o desafio e nos perguntar o que mais podemos aprender. Se as pessoas precisarem desenvolver apenas uma habilidade, meu conselho é buscar pela curiosidade de aprender coisas novas o tempo todo.
Você teve alguma experiência pessoal que a ajudou a perceber que o processo de aprendizagem nas empresas precisa mudar?
Quando estava no início de carreira, era responsável pelo desenvolvimento de produtos, e meu chefe pediu para eu entrar em um novo projeto. Estávamos comprando uma nova empresa, e eu teria que integrá-la em nossos negócios. Fiquei um pouco surpresa no início, não me sentia capaz e fiquei pensando que não tinha as habilidades necessárias. Mas meu gestor acreditou em mim, acreditou que eu aprenderia fazendo o trabalho. E eu aprendi. Tanto que esse se tornou meu trabalho integral por quatro anos. Se um líder dá a um funcionário novas tarefas e responsabilidades, é maravilhoso ver quantas novas competências ele tem o potencial de desenvolver e o que consegue aprender. Às vezes, isso se transforma em uma nova carreira, como foi o meu caso.