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Empresas repensam práticas de avaliação de desempenho

Líderes e liderados concordam em um aspecto: ninguém gosta das conversas anuais de performance. Entenda por que eles estão certos

Por Letícia Furlan
Atualizado em 19 abr 2023, 15h04 - Publicado em 7 abr 2023, 08h42
Daniel usa terno e camisa e está de pé, de braços cruzados
Daniel Scuzzarello, diretor-presidente para a Siemens Software na América do Sul: conversas de desenvolvimento focadas em pontos fortes (Caio Cestari/Nura Films/Divulgação)
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E

xistem vários problemas com as avaliações de desempenho tradicionais. O primeiro deles é que a análise costuma olhar para o passado, geralmente os seis ou 12 meses anteriores ao famigerado feedback. E o processo termina, quando muito, com o líder sugerindo um curso qualquer de “desenvolvimento” a quem está do outro lado da mesa — e bora chamar o próximo da fila. Essa metodologia pode até ter feito sentido décadas atrás, quando a gestão era mais focada na melhoria de processos, não de pessoas.

Mas hoje essa mentalidade se mostra ineficaz diante da velocidade das mudanças e dos novos anseios dos profissionais. O olhar agora deve ser para a frente, e não para trás. “A principal falha da liderança é não compreender que as conversas não precisam ser anuais ou semestrais, e sim constantes”, diz Paulo Almeida, pesquisador e professor de gestão da Fundação Dom Cabral.

Há também a questão da curva forçada, popularizada no fim dos anos 1970. Esse modelo segue parâmetros fixos de performance: alguns da equipe devem necessariamente estar abaixo da média, a maioria “atende as expectativas”, e poucos superam a nota 3 — a esse grupo de notáveis é direcionado todo o esforço de aceleração de carreira e reconhecimento. Ao resto, o resto. “É preciso dar mais chances para todos melhorarem, em vez de simplesmente premiar os destaques e colocá-los para serem admirados pelos que têm desempenho inferior”, diz Vitor Silverio, gerente sênior de parcerias estratégicas da Robert Half.

Em um caso que ficou famoso em 2016, um ex-funcionário do Yahoo processou a empresa alegando que a liderança manipulava o sistema de classificação, especificando a porcentagem de pessoas que deveriam ser avaliadas com baixo desempenho. E isso teria levado à sua demissão.

Com tantas experiências ruins ligadas ao período de análise anual ou semestral, é de se esperar que esse momento seja temido pela maioria — e que esteja sendo revisto pelas empresas.

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Competição individual

Na consultoria Deloitte, as mudanças na forma de avaliar o desempenho começaram em 2019. Por lá, os funcionários são incentivados a solicitar feedbacks com frequência, em qualquer período do ano, e os líderes recebem orientações formais da equipe de RH para deixar o canal aberto para trocas diárias e informais, chamadas de check-ins.
Além disso, há os snapshots, feedbacks formais curtos que podem acontecer a pedido do gestor ou do liderado, a qualquer tempo. O interessado solicita em um sistema online a liberação de um questionário com apenas quatro perguntas: “Considerando o escopo de trabalho e as expectativas para o cargo, o profissional entregou uma contribuição de alta qualidade?”, “Baseado na performance do profissional, eu quero sempre essa pessoa no meu time?”, “O funcionário tem risco de baixa performance?” e “Ele está operando no próximo nível [ou seja, com o desempenho acima do esperado]?”.

Gráfico Dá pra Melhorar
(VOCÊ RH/VOCÊ RH)

O modelo substituiu o antigo ritual de 12 questões feitas uma vez ao ano. “Antes, gastávamos horas com avaliações de três, quatro páginas e com pouco resultado”, afirma Daniela Plesnik, diretora de talentos da Deloitte. “Atualmente, trabalhamos com a premissa ‘fale com a pessoa, não fale da pessoa’.”

Até a metade de 2022, dos 7 mil funcionários da Deloitte no Brasil, 60% disseram ter feito check-ins ao menos uma vez por semana. Do total de empregados, ao menos 83% formalizaram esse feedback. Em 72% dos casos de solicitação de snapshots, os líderes responderam as avaliações em até 14 dias. “Nesse processo, o funcionário é comparado apenas com ele mesmo, não há competição entre os pares nem ranking”, afirma Daniela. “Antigamente, quando havia essa diferenciação, muitos ficavam desmotivados e havia até casos de quem pedisse para ir embora, porque muitas vezes a comparação era feita de forma injusta, entre pessoas de maturidades diferentes, por exemplo.”

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Feitas várias vezes ao ano, as análises geram um indicador que ajuda nas decisões sobre promoções, desenvolvimento e demissões. A intenção é que ninguém deixe a empresa de forma inesperada por causa de performance. Se isso ocorre, é sinal de que não havia transparência — muito menos frequência — nas avaliações de desempenho.

Os líderes na Deloitte têm acesso a um formulário diferente, com seis perguntas que devem ser respondidas pelos liderados. O objetivo é que o resultado traga informações relevantes sobre como a equipe vê o gestor. “O processo é totalmente anônimo e só pode ocorrer se três ou mais pessoas da equipe responderem”, afirma Daniela. A avaliação também é voluntária — acontece apenas se os líderes pedirem. E eles têm pedido. Em 2022, 94% solicitaram feedback de suas equipes.

Foco no crescimento

Na Siemens Software, o RH vem reforçando o preparo das lideranças para que os feedbacks sejam funcionais. Até 2020, as avaliações de desempenho eram baseadas em matrizes como o nine box, em que os funcionários são classificados em nove perfis predeterminados. As conversas eram anuais — atualmente, os papos, chamados de growth talks, ou conversas de crescimento, acontecem a qualquer momento.

As talks abordam quatro pilares: expectativas, perspectivas de crescimento, crescimento contínuo e reconhecimento contínuo. “Queremos que o reconhecimento e a promoção dos funcionários possam se dar não apenas em uma janela preestabelecida pelo RH”, afirma Naira Barros, gerente de recursos humanos para a Siemens Software na América do Sul.

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Gráfico DR Frequente
(VOCÊ RH/VOCÊ RH)

Os líderes são incentivados a participar de treinamentos em temas como comunicação não violenta, feedback e diversidade. Apesar de não obrigatórias, as trilhas são estratégicas. “Entendemos que não adianta promover alguém apenas pelas suas competências técnicas e colocar todo um time sob sua gestão”, diz Daniel Scuzzarello, diretor-presidente para a Siemens Software na América do Sul. “Essa pessoa tem que se desenvolver em termos humanos para conseguir apoiar os demais funcionários.”

A vez dos pontos fortes

Para as growth talks, a Siemens apostou em novas ferramentas, como a Strengthscope, por meio da qual os funcionários conseguem identificar quais são suas fortalezas. A plataforma, reconhecida pela Sociedade Britânica de Psicologia, permite que os profissionais registrem seus pontos fortes, acompanhem o avanço no desenvolvimento dessas competências e analisem como podem chegar mais longe. “Quando você baseia seu crescimento naquilo em que você é melhor, tudo fica muito mais fluido”, afirma Naira.

Antes de passar a usar a ferramenta, a empresa fez uma análise para identificar pontos fortes que diferenciavam os profissionais de alto desempenho dos de baixo desempenho. Os resultados permitiram direcionar o roteiro das conversas, que passaram a ser baseadas nas competências que cada profissional já possuía — e em como aprimorá-las. “Antigamente tínhamos apenas dois campos nos formulários de avaliação de desempenho: um de ‘o que’ o funcionário realizou e outro de ‘como’ fez isso”, diz Naira. “Nesse modelo, as respostas eram limitadas e geralmente dadas de forma muito genérica, sem levar em consideração a individualidade de cada profissional.” Para a executiva, se os funcionários recebem as mesmas metas e observações que seus colegas que exercem a mesma função, eles acabam se desmotivando.

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Além da nova avaliação, a Siemens passou a contar com um recurso online para que cada funcionário possa pedir feedback ao gestor ao final de um projeto ou quando sentir necessidade.

Personalização

Com a individualização e o aumento da frequência dos feedbacks, o RH da companhia consegue acompanhar melhor quais são as expectativas de carreira dos funcionários.

Afinal, nem todos têm o objetivo de chegar a postos de liderança — muitos querem permanecer em uma área técnica ou ter mais tempo para a vida pessoal. E isso não faz deles profissionais menos qualificados. “É mais do que uma avaliação. É um processo de construção de futuro conduzido pelo funcionário com o gestor”, afirma Daniel. Para Vitor, da Robert Half, empresas que conseguem enxergar os propósitos dos profissionais de maneira empática, respeitando o significado do sucesso para cada um, têm funcionários mais felizes.

Infográfico Os três fundamentos
(VOCÊ RH/VOCÊ RH)
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