Ergonomia: como não destruir seu corpo no escritório
Passar o dia sentado é o novo cigarro. Sentado da forma errada, então, o risco à saúde fica muito maior. Saiba como evitar dores na coluna e nos braços de tanto trabalhar numa posição incômoda.

Não era moleza ser digitador no Brasil durante os anos 1980. No auge da transformação digital, esses profissionais faziam 18 mil toques a cada 60 minutos, em jornadas de trabalho que iam de seis a oito horas. E, claro, adoeciam. Tanto que a área de informática foi o foco principal na edição da Norma Regulamentadora n° 17 (que estabelece parâmetros para a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores), feita em 1990. O motivo: a tenossinovite, uma inflamação na bainha dos tendões que causa dificuldade de movimento das articulações, inchaço e muita dor. Ela aparece geralmente em mãos e punhos de profissionais que fazem muitos movimentos repetitivos, como pianistas, atletas, dentistas e artesãos. A tenossinovite ficou conhecida como “o mal dos digitadores”. Dados da época diziam que 30% desses trabalhadores brasileiros tiveram o problema, e muitos foram afastados ou demitidos por não conseguirem mais acompanhar o ritmo da atividade.
Entre as mudanças estabelecidas pela medida, havia um limite de 8 mil toques por hora, garantia de 10 minutos de repouso para cada 10 minutos trabalhados, veto a avaliações de desempenho, entre outras. Nos meses seguintes à efetivação da nova norma, empresas de todo o Brasil começaram a mudar mesas, cadeiras, balcões e computadores visando a algo que ia além da tenossinovite: uma melhor ergonomia para todos.
Mas hoje, 35 anos depois da nova NR-17, colaboradores continuam sofrendo: 68% dos brasileiros sentem dor física frequentemente devido ao trabalho, sendo “dores na coluna” a líder das causas.
Isso porque as falhas nos escritórios persistem. É o que vamos ver a seguir.
O que é ergonomicamente ideal?
A ergonomia é preocupada em compreender as interações entre humanos e outros elementos de um sistema, com o objetivo de otimizar o bem-estar e o desempenho de um trabalhador. Formalmente, ela é dividida em três domínios: física, cognitiva e organizacional. À sua maneira, todos eles são relevantes na hora de avaliar um ambiente de trabalho.
Quando se fala em ergonomia, as pessoas costumam pensar na parte física. Ela se preocupa com as características anatômicas, fisiológicas e biomecânicas humanas. Vai ditar sobre posturas, movimentos repetitivos, layout do local de trabalho, segurança e saúde física.
A ergonomia física é, idealmente, uma ciência adaptativa. Se ela diz respeito às interações dos corpos humanos com o ambiente de trabalho, não pode ser rígida e ter valores inflexíveis. Nós não somos manequins com tamanhos padronizados de fábrica; cada um tem um tipo de corpo diferente com proporções distintas. O RH precisa estar ciente disso na hora de instruir os colaboradores e de pensar no escritório.
“O posto de trabalho tem de estar adaptado ao profissional. Ou seja, não existe um padrão ideal para todos. Existe para aquele trabalhador”, afirma Clóvis Paroni, médico do trabalho e fundador da Paromed, assessoria especializada em saúde e segurança ocupacional. “É por isso que a cadeira ergonomicamente correta tem mais opções de ajustes para coluna, para altura, inclinação do assento, apoio do braço, e assim por diante.”

O Dr. Clóvis lembra que, apesar de não haver um guia universal de ergonomia, existem, sim, diretrizes e recomendações que podem nortear a missão ergonômica do RH.
Na hora de montar a mesa de trabalho ideal no escritório, a melhor amiga do RH é a NBR 13966 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Oficialmente, ela trata das especificidades de mesas de escritório, e estabelece as dimensões ideais desse móvel.
Por exemplo, uma mesa precisa ter, no mínimo, 72 cm e, no máximo, 75 cm. A largura, pelo menos 80 cm; já a profundidade, de 60 cm até, no máximo, 1,1 metro.
Quem vai se sentar precisa ter, no mínimo, 45 cm de profundidade livre para os joelhos, 57 cm para os pés, 66 cm de altura livre sob o tampo da mesa e 60 cm de largura livre para as pernas. Muitos escritórios gostam de economizar espaço enfiando gavetas e caixas de documentos debaixo das mesas, mas isso pode restringir a movimentação do colaborador.
Sobre o que está em cima da mesa, os equipamentos dos colaboradores precisam estar em sua área de alcance, ranqueados pelo grau de utilização. Ferramentas de uso constante, como telefones, mouse e teclados, devem estar próximas o suficiente para que o profissional não precise esticar o braço para alcançá-las. Equipamentos de uso eventual, como agendas e canetas, podem estar um pouco mais afastados.
Algo que todos os especialistas concordam é que o colaborador precisa de mouse e teclados independentes. Ou seja, nada de notebook. Ou melhor, se ele usar um notebook, a máquina tem de estar em um suporte, com mouse e teclado independentes acoplados.
A tela do monitor precisa estar centralizada diante do profissional e do teclado, e mantida a uma distância de, aproximadamente, 60 cm (ou um braço de distância). A parte superior da tela também tem de ficar na altura dos olhos.
Teclado e mouse devem ser posicionados suficientemente longe da borda para que o colaborador consiga apoiar o antebraço sobre a mesa enquanto usa o equipamento. A recomendação é de periféricos sem fio.
Sua Majestade ergonômica: a cadeira
A cadeira e a postura do colaborador são figurinhas carimbadas na conversa sobre ergonomia. Já rolou um spoiler na fala do Dr. Clóvis: ergonomicamente, a melhor cadeira vai ter opções de ajuste para coluna, a altura, o encosto etc.
“Assim, você vai poder se sentar em ângulos mais neutros de trabalho, exercendo menor esforço muscular”, afirma a professora Andrea Gonçalves Pinto, docente do curso de Ergonomia da Unicamp. Cada um tem um tamanho e tipo de tronco diferentes, e você precisa se ajustar dentro do seu posto de trabalho.
As recomendações para a postura em uma cadeira são estas: você precisa manter seu corpo o mais neutro possível. Regule a altura da cadeira de modo que seus joelhos fiquem levemente inclinados para baixo e com seus pés apoiados no chão. Caso você seja muito baixinho para isso, exija um apoio de pés apropriado. A altura da cadeira também precisa manter seus cotovelos em um ângulo reto, e seus ombros, relaxados. Posicione o seu teclado e o mouse para manter essa posição neutra.
“O que a gente normalmente vê nos ambientes corporativos é que as pessoas tendem a trabalhar com o cotovelo estendido em cima da mesa. Isso acaba gerando uma tensão maior na região escapular. Porque você fica com os ombros abertos e os cotovelos estendidos, o que provoca uma tensão que você não percebe”, alerta Andrea.
Também é preciso ficar atento à posição do punho. Na hora de digitar, ele não pode estar estendido ou flexionado. O posicionamento ideal é aquele que permite menor angulação das articulações e menor esforço muscular.
Seu tronco tem de ficar apoiado no encosto da cadeira, com um ângulo de 100 graus em relação às suas pernas. “Você precisa usar esse encosto para poder relaxar sua musculatura paravertebral”, aconselha Andrea.
A nossa coluna tem uma curvatura natural. O encosto da cadeira não é reto justamente para que ele preencha essa curva, sustente seus músculos lombares e seja confortável para a sua coluna.
Claro, a maior dica para que um colaborador possa evitar dores por passar muito tempo sentado é… não passar muito tempo sentado.
Entre as vértebras da sua coluna existem amortecedores chamados de discos intervertebrais. Ficar sentado comprime muito mais esses discos do que ficar em pé. Isso pode ser um agravante para dores na coluna e condições como a hérnia de disco. Além disso, passar muito tempo sentado prejudica a circulação do fluxo sanguíneo, já que diminui a vascularização da musculatura. Pausas para andar precisam ser uma diretriz de ergonomia.
“O colaborador tem de caminhar. Precisa ir ao banheiro, beber uma água, fazer uma ginástica laboral… Se não tiver isso, há de ter uma regra: bateu tanto tempo, levanta, dá uma volta, e senta de novo”, aconselha o Dr. Clóvis.

Como o RH pode ajudar?
“O RH precisa criar canais de escuta ativa pelos quais os colaboradores possam pontuar as dificuldades ou pontos de melhoria e participar desse processo de solução”, afirma a ergonomista Thais Capeletti.
“A ergonomia é sempre participativa”, diz Andrea. “Ela é o estudo do trabalho, mas as pessoas que trabalham precisam participar dessa avaliação e também das próprias melhorias propostas a partir desse conhecimento.”
O esforço conjunto do RH e de um ergonomista só vai estar concluído quando acontecer essa transformação. “Não adianta nada a gente falar, estudar e mostrar o que está acontecendo se nada mudar”, argumenta Andrea.
Além da dança das cadeiras
Lá no começo do texto, eu disse que a ergonomia é dividida em três domínios: física, cognitiva e organizacional. Essas categorias são mais didáticas do que práticas. No dia a dia do trabalho, não tem nada separado, tudo acontece ao mesmo tempo.
Cadeiras e mesas são só uma pequena parte da ergonomia. Se o objetivo dela é entender a interação do ser humano com o ambiente, aspectos organizacionais e cognitivos também são extremamente importantes. O RH precisa oferecer boas condições para que as pessoas possam trabalhar sem adoecer, incluindo essas duas frentes.
Fora da questão física, um escritório pode ser ergonomicamente ruim se ele é estressante, não tem comunicação clara, se os colaboradores não se sentem valorizados, se a carga de esforço mental é alta demais, se os gestores são arrogantes, se os computadores não funcionam direito, se o trabalho em equipe é difícil…
“Um ambiente saudável significa pessoas saudáveis, e pessoas saudáveis são mais produtivas. Um colaborador que tem melhores condições de trabalho vai ser mais produtivo, mais criativo, vai estar mais feliz e motivado. Quando esse ambiente te cansa, te adoece, você perde qualquer motivação que tinha antes”, afirma a professora Andrea Gonçalves Pinto. “É nessa perspectiva que o RH tem de pensar. Não é só no mobiliário.”
Este texto é parte da edição número 99 (agosto e setembro) da Você RH impressa, que chegará às bancas no dia 1º de agosto. Acompanhe nosso site e nossas redes sociais para não perder o lançamento!