Empresas devem ir além dos questionários para se adaptar à nova NR-1
É fundamental observar o trabalho cotidiano, envolver os funcionários na identificação dos riscos psicossociais e construir soluções junto com eles.

A atualização da NR-1 representa um avanço no reconhecimento de que os fatores de risco psicossociais estão relacionados diretamente à organização do trabalho. Com a proximidade da vigência, porém, observamos algumas mudanças de percurso.
Primeiro, um início educativo, sem aplicação de penalidades. Depois, o adiamento completo da exigibilidade para 2026. Isso foi um alívio para muitas empresas, mas os esforços não podem ser paralisados: é o momento de revermos como abordamos a saúde mental no trabalho.
O caminho mais comum para atender à norma tem sido a aplicação de questionários padronizados, como SRQ 20, DASS e COPSOQ. São instrumentos importantes e validados, que funcionam como um “mapa de calor” do sofrimento. A partir desses dados, surgem muitos planos de ação bem-intencionados, mas que não resolvem as causas do sofrimento psíquico.
Ao diagnosticar, por exemplo, um alto risco de sobrecarga, é comum delegar ao gestor a responsabilidade de elaborar um plano de ação, sem compreender as causas organizacionais que estão gerando esse cenário. Elas podem envolver metas individuais competitivas, rankings com curvas forçadas, equipes desfalcadas ou processos disfuncionais que geram retrabalho e lentidão. Tudo isso contribui para a sobrecarga, mas dificilmente aparece em um formulário.
Segundo o próprio Guia de Gestão de Riscos Psicossociais do Ministério do Trabalho, a caracterização desses riscos deve ser feita por meio de metodologias qualitativas, como entrevistas e grupos focais. Isso significa ir além dos números: é preciso escutar as pessoas, observar o trabalho cotidiano, envolver os trabalhadores na identificação das causas e na construção das soluções.
O conceito de ergonomia mental
Assim como a ergonomia osteomuscular adapta cadeiras, mesas e equipamentos para reduzir o sofrimento físico, a “ergonomia mental” adapta metas, processos, critérios de avaliação e diversas políticas para reduzir o sofrimento psíquico. Ela investiga o trabalho como ele realmente acontece, com suas contradições, exigências silenciosas e regras, para entender o impacto na saúde mental dos trabalhadores. E isso é positivo para o trabalhador e para a empresa.
A participação dos colaboradores é essencial. Um estudo de ergonomia mental parte da escuta ativa do que essas pessoas vivenciam no dia a dia. Não apenas o que dizem literalmente, mas o que revelam em seus afetos, contradições e sofrimentos. Para isso, antes de qualquer medição, é necessário garantir segurança psicológica. Sem um ambiente de confiança, onde os trabalhadores possam relatar o que realmente vivem, qualquer método terá resultados enviesados.
Na prática, a análise psicossocial pela ergonomia mental pode começar com projetos-piloto em áreas específicas, revendo modelos de avaliação, feedback, metas e mecanismos de reconhecimento. A partir dos resultados em produtividade, engajamento, absenteísmo e afastamentos com esse projeto-piloto, a demonstração encoraja a mudança em outras áreas da organização e traz maior embasamento para o investimento em saúde mental.
De modo geral, o adiamento da vigência da NR-1 não deve ser tratado como um alívio. É um convite para sair do piloto automático e começar a usar essa norma como uma porta de entrada para mudar, de fato, o mundo do trabalho.
As empresas que aproveitarem essa janela para realizar mudanças estruturais vão colher mais do que conformidade legal. Vão colher times mais saudáveis, processos mais produtivos e organizações mais sustentáveis. Todos saem ganhando.
*André Fusco é médico, psicanalista e consultor em saúde mental para empresas.