O Setembro Amarelo não pode ser apenas publicidade corporativa
41% dos profissionais vivem altos níveis de estresse, e muitas empresas ainda romantizam o esgotamento. Veja como usar a campanha para mudar essa realidade.
O Setembro Amarelo nos lembra como é urgente falar sobre saúde mental. Mas até que ponto essa reflexão se mantém no cotidiano das empresas?
Afirmações recorrentes no mundo corporativo, como “todo mundo tem burnout” ou “depressão é normal”, revelam que estamos normalizando o sofrimento psíquico nas organizações. Por isso, o Setembro Amarelo precisa ser mais que uma campanha sazonal: deve ser um convite para repensarmos a maneira como lidamos com a saúde mental no trabalho.
O Setembro Amarelo nasceu como uma campanha fundamental de conscientização sobre prevenção ao suicídio e cuidado com a saúde mental. O mês existe para trazer visibilidade ao tema, mobilizar conversas e romper silêncios.
Nas empresas, ainda é comum ver a pauta apenas nesse período, por meio de palestras rápidas, posts em redes sociais e ações pontuais. Mas a saúde mental não pode ser tratada como agenda sazonal. Quando restringimos a reflexão dessa maneira, reforçamos a ideia de que cuidar da mente é uma exceção, não uma parte da rotina.
O problema se torna ainda mais grave quando o discurso do “todo mundo tem burnout” ganha espaço, porque ele banaliza o sofrimento e abre caminho para a “meritocracia da exaustão”: a crença de que quem trabalha mais horas e entrega apesar do esgotamento é mais comprometido.
Burnout não é engajamento, é alerta
O burnout não deve ser interpretado como medalha de dedicação. Ele é o sinal mais claro de que o sistema de trabalho está falhando. Que as estratégias de alta performance não estão bem construídas. Transformar a exaustão em métrica de eficiência é perigoso para o futuro das organizações.
Como ressalto aos profissionais que treinamos, equipes de alta performance não se definem pelo excesso de esforço ou pelo ritmo acelerado, mas justamente pelo contrário. Uma equipe de alta performance é aquela que trabalha melhor. Que gasta menos energia para alcançar resultados de excelência, atua de forma integrada e coesa, reduz o retrabalho e faz o trabalho fluir com mais assertividade. Com isso, o estresse diminui e os resultados positivos se tornam sustentáveis.
O estresse é a regra
Segundo a Gallup, 41% dos profissionais vivem altos níveis de estresse – um dado que revela o tamanho do problema. Não se trata de exceções, mas de um padrão global. O esgotamento é coletivo, e só pode ser enfrentado com respostas igualmente coletivas: redes de apoio, fortalecimento da segurança psicológica e práticas de aprendizagem que sustentem o bem-estar.
No recorte nacional a situação também é alarmante. O levantamento usa como base os dados de uma pesquisa global anual da Gallup, que ouve milhares de trabalhadores de 160 países, presencialmente ou por telefone, sobre como se sentem em relação a suas vidas e ao trabalho. O Brasil é o quarto país com trabalhadores mais tristes e com raiva na América Latina, diz estudo.
Exaustão coletiva: lideranças e equipe no mesmo barco
O esgotamento deixou de ser exceção e passou a fazer parte do cotidiano de muitas equipes. Em contextos onde prazos são irreais e a pressão nunca cessa, o corpo e a mente das pessoas passam a operar em estado constante de urgência.
E há um ponto frequentemente esquecido: lideranças também estão adoecendo. Pressionadas por resultados, elas acabam reproduzindo o mesmo modelo de sobrecarga que sofrem, sem espaço para reconhecer vulnerabilidades. Pensar saúde mental neste Setembro Amarelo pode ser um convite para romper esse ciclo.
Agir sobre saúde mental no meio corporativo, portanto, não é somente olhar para indivíduos. É reconhecer que estamos diante de um fenômeno sistêmico e coletivo, que exige corresponsabilidade de empresas e lideranças.
A diferença entre acolher e banalizar
Acolher significa reconhecer o sofrimento, dar espaço de escuta e agir de forma concreta para mudar a cultura. Relativizar é dizer que “todo mundo passa por isso” e seguir sem mudança. Quando escolhemos o segundo caminho, estamos apenas reforçando a normalização da exaustão.
É importante destacar: ações corporativas de acolhimento não substituem o tratamento individual. O cuidado clínico deve ser sempre indicado e conduzido por profissionais de saúde mental. Às organizações, cabe criar condições de apoio, segurança psicológica e caminhos para que colaboradoras(es) possam acessar ajuda especializada quando necessário.
O verdadeiro acolhimento nasce da escuta sem julgamento e do compromisso coletivo de agir. É nesse espaço que práticas como team building e trilhas de desenvolvimento de lideranças se tornam fundamentais para transformar discurso em cultura.
Segurança psicológica: o alicerce da saúde mental
Segundo Amy Edmondson, professora de liderança e gestão na Harvard Business School, segurança psicológica é “um entendimento comum entre os membros do grupo de que é seguro assumir riscos interpessoais”, sem medo de punições ou retaliações.
A segurança psicológica é o alicerce de equipes saudáveis. Quando ela falta, o medo dita as regras, e o silêncio se torna a resposta mais segura.
Ambientes assim criam colaboradores exaustos, que trabalham em constante estado de autoproteção. A consequência é perda de inovação, criatividade e engajamento.
Construir equipes com segurança psicológica exige ações concretas: tratar erros como oportunidade de aprendizagem, valorizar a diversidade de ideias, incentivar pedidos de ajuda e cultivar suporte mútuo.
Liderança acolhedora e vulnerável
Não podemos esperar que lideranças cuidem de suas equipes se elas mesmas não têm espaço para expressar fragilidades. O Setembro Amarelo deve ser também um lembrete de que lideranças precisam ser cuidadas.
Quando uma liderança compartilha seus limites, ela abre espaço para que a equipe faça o mesmo. Esse exemplo é poderoso e essencial para criar culturas de confiança.
Lideranças que demonstram vulnerabilidade contribuem para ambientes mais humanos. Ferramentas como mentoring e coaching, aplicadas de forma séria e ética, ajudam a expandir a inteligência emocional e a consolidar uma cultura de acolhimento real.
Setembro Amarelo não pode ser publicidade
É preciso mais do que pintar campanhas de amarelo, distribuir brindes ou promover happy hours que nada têm a ver com saúde mental. Atividades que não geram diálogo real, acolhimento ou fortalecimento da confiança acabam apenas reforçando a lógica da performance vazia.
Isso significa investir em práticas que realmente sustentem a segurança psicológica das equipes, como iniciativas de team building capazes de fortalecer vínculos e criar ambientes de confiança.
Empresas que querem de fato prevenir o adoecimento precisam criar estruturas consistentes, e contínuas, de cuidado, que apoiem a saúde mental de equipes e lideranças durante todo o ano.
Do Setembro Amarelo à prática contínua
Utilizemos, então, o Setembro Amarelo como mola propulsora para a urgência da cultura do cuidado. Se a exaustão coletiva é um fenômeno permanente, as respostas também precisam ser contínuas.
Nós sabemos: o desafio não é simples. Ele exige coragem e toca em estruturas tradicionais e sensíveis.
Mas é passada a hora de remodelar as culturas de trabalho. Isso demanda intenção, consistência e a disposição de sustentar práticas de saúde mental, inteligência emocional e segurança psicológica como parte da estratégia organizacional, e não como ações pontuais.
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