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Saúde mental é lei. Mas isso não é suficiente: as regras do jogo precisam mudar

As empresas continuarão adoecendo os profissionais enquanto não revisarem metas de produtividade, políticas de remuneração e afins.

Por André Fusco, em colaboração especial com a Você RH*
9 abr 2025, 12h59
Foto de fileira de fósforos frescos com cabeças vermelhas, um queimou e mostra somente algum fumo, conceito da sobrecarga.
 (fermate/Getty Images)
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Não é exagero dizer que estamos diante de uma crise de saúde mental. Em 2024, foram 470 mil afastamentos por ansiedade e depressão, segundo o Ministério da Previdência Social. É o maior número em 10 anos. 

Esse tema, cada vez mais presente no mercado de trabalho, também está ganhando mais espaço na legislação.

A partir de maio, gerenciar riscos psicossociais nas empresas será obrigatório, conforme a nova NR-1. E o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental, criado pela Lei nº 14.831 de março de 2024, vai reconhecer o compromisso das empresas com o bem-estar dos colaboradores – o que certamente é um diferencial competitivo. 

Mas, afinal, o que significa ser uma empresa comprometida com o bem-estar?

Do ponto de vista legal, a certificação criada pelo governo federal se apoia em três pilares: promoção da saúde mental, bem-estar dos colaboradores e transparência na prestação de contas.

1. Promoção da saúde mental

As empresas certificadas devem implementar ações estruturadas para garantir o acesso a recursos psicológicos e psiquiátricos, capacitação das lideranças e campanhas de conscientização. Isso inclui:

  • Programas contínuos de suporte psicológico, com atendimento especializado e canais de apoio emocional;
  • Campanhas educativas para sensibilizar os colaboradores sobre a importância da saúde mental;
  • Treinamentos e workshops para gestores, capacitando-os a identificar sinais de sofrimento mental e apoiar suas equipes;
  • Políticas de combate à discriminação e ao assédio, que garantam um ambiente de trabalho seguro, respeitoso e inclusivo.
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2. Bem-estar dos colaboradores

A saúde mental está diretamente ligada à qualidade de vida. As empresas desempenham um papel fundamental ao:

  • Assegurar um ambiente de trabalho seguro, física e emocionalmente;
  • Incentivar o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, por meio de políticas de flexibilidade e descanso adequado;
  • Estimular a prática de atividades físicas e momentos de lazer;
  • Promover a alimentação saudável dentro e fora do ambiente corporativo;

Fomentar uma cultura de comunicação aberta, onde os colaboradores se sintam ouvidos e valorizados.

3. Transparência e prestação de contas

Para garantir a credibilidade da certificação, as empresas precisam demonstrar seu compromisso com a saúde mental por meio de:

  • Divulgação clara e periódica das iniciativas adotadas;
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  • Canais de denúncia e feedback para que os funcionários possam relatar problemas e sugerir melhorias;
  • Estabelecimento de metas e indicadores para monitorar o impacto das ações e realizar ajustes sempre que necessário.

O desafio estrutural

A certificação enfatiza o autocuidado e o suporte individual, deixando de lado questões estruturais mais amplas. Entre os pilares que explicamos anteriormente, somente o primeiro faz menção à necessidade de realizar mudanças mais profundas.

O verdadeiro desafio é ter coragem para avançar nessa discussão e abordar questões como modelos de avaliação, metas de produtividade, carga horária, remuneração e outras regras organizacionais que impactam diretamente na saúde mental dos trabalhadores. A regulamentação pode fortalecer esse movimento, mas cabe às empresas ir além.

O estudo Global Human Capital Trends 2024, da Deloitte, destaca que a sustentabilidade humana deixou de ser um diferencial e se tornou uma exigência estratégica nas empresas, fundamental para obter melhores resultados financeiros e gerar impacto positivo na sociedade. 

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Ou seja: investir no bem-estar dos colaboradores não deve ser uma iniciativa isolada, mas um pilar central do crescimento dos negócios.

Ampliando a discussão

Campanhas de conscientização, pausas no dia a dia, benefícios corporativos e treinamentos são bem-vindos, mas não podemos parar por aí.

O foco excessivo no autocuidado pode levar à responsabilização da vítima: quando um colaborador adoece e se afasta do trabalho, a pergunta geralmente é “como podemos garantir um melhor equilíbrio entre vida pessoal e profissional?”. Esse é um questionamento válido, mas insuficiente: ele se baseia na ideia equivocada de que a vida pessoal é necessariamente positiva e a profissional, negativa.

Outro equívoco comum é responsabilizar exclusivamente os gestores. A liderança é frequentemente cobrada por resultados em um modelo de gestão que foi imposto a ela. Um gestor pode reconhecer que sua equipe está adoecida, mas ainda assim precisa bater metas inatingíveis e adotar políticas injustas ou incompatíveis com a realidade do trabalho.

Já vimos esse cenário antes com a Lesão por Esforço Repetitivo (LER/DORT). No início, a culpa recaía sobre o indivíduo. Só quando a classificação foi reconhecida pelo INSS, as empresas começaram a investir em ginástica laboral – e só depois em ergonomia. Ainda houve resistência para implementar cadeiras ergonômicas e outras adaptações, mas, com o tempo, isso se tornou prática comum.

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No caso da saúde mental, estamos na “fase da ginástica laboral”. O tema está sendo reconhecido e regulamentado, mas a raiz do problema – a forma como o trabalho é organizado – ainda não é questionada.

A grande ironia é que todos seríamos mais produtivos se o trabalho fosse estruturado de forma mais saudável.

As regras precisam mudar

Se um profissional está submetido a um modelo de gestão que o adoece, nenhuma medida de autocuidado será suficiente para compensar esse desgaste. A longo prazo, a situação se torna insustentável.

A psicodinâmica do trabalho busca compreender o que torna o ambiente profissional saudável, sem responsabilizar apenas o indivíduo. Em vez de julgar colaboradores e líderes, precisamos debater as condições de trabalho. 

Por isso, convido CEOs, líderes e profissionais de RH a adotarem um novo olhar sobre bem-estar, baseado no conceito de “ergonomia mental”, que reconhece a organização do trabalho como um fator determinante no processo de adoecimento.

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Precisamos questionar as regras e valores que perpetuam esse ciclo. Afinal, além de impactar o ambiente de trabalho, essas regras moldam a sociedade como um todo.

O caminho para um trabalho saudável passa por:

  • Substituir a cultura de competição pela colaboração;
  • Permitir o desenvolvimento técnico e a evolução pessoal dos profissionais, dosando controle e autonomia de forma saudável. Mais importante que controlar, é confiar e apoiar;
  • Redefinir metas para gerar valor para a sociedade, não apenas para obter resultados financeiros;
  • Construir regras institucionais visando construir ambientes de troca e reconhecimento;
  • Criar canais de apoio para quando um profissional tem queda de performance. Ninguém quer ser incompetente: o primeiro sintoma de doença no trabalho é queda de performance.

A pandemia de adoecimento mental não tem um único culpado. Ninguém busca, intencionalmente, adoecer os outros. Mas a saúde mental é responsabilidade de todos nós.

Ganhar um certificado pode ser um avanço, mas a verdadeira mudança só acontecerá quando as empresas tiverem coragem de questionar as regras do jogo. Estamos preparados para isso?

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*André Fusco é médico-psicanalista graduado pela Universidade de São Paulo (USP). Hoje, atua como consultor de saúde mental para empresas.

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