O que os talentos líquidos nos ensinam
A liquidez é a marca registrada dos profissionais que prezam a mobilidade - e não necessariamente para cima
Em tempos de múltiplas telas, always on, economia colaborativa e estruturas enxutas com alto empoderamento não cabe mais reclamar das pessoas que têm pressa de avançar na carreira. Nós criticamos a velocidade e altas expectativas delas, mas nos “esquecemos” disso diante do novo aplicativo sensacional, da tecnologia revolucionária ou da campanha super emocionante criada em tempo recorde e sob alta pressão. Um profissional “apressado” e “ambicioso” pode ter o timing perfeito para quebrar paradigmas e mudar a vida de milhões.
Vivemos em uma era de talentos líquidos. A liquidez é a marca registrada dos profissionais que prezam a mobilidade – e não necessariamente para cima. Eles querem ter a liberdade de se mover por diferentes áreas da empresa, por diferentes empresas de um grupo, por vários países e eventualmente até terminam o ciclo de desenvolvimento em uma função que sequer imaginavam no início da carreira. O foco é aprender mais, ter experiências diversificadas, conhecer mais gente e, assim, incrementar a bagagem de vida profissional e pessoal. Sempre com um senso de causa e muito alinhamento com os valores pessoais.
Saber atrair e reter talentos líquidos é tão imperativo quanto desafiador. As gerações mais novas já vêm com o chip da liquidez e não concebem um mundo – corporativo ou não – com decisões verticais, excesso de burocracia, falta de diálogo ou transparência. Em um clima organizacional restritivo, tudo o que as pessoas – especialmente as mais jovens – vão desejar é sair correndo e bater na porta de organizações que – pelo menos aparentemente – tenham uma cultura organizacional ágil, inovadora e participativa, onde as competências de empreendedorismo possam ser livremente exercidas e estruturadamente desenvolvidas. Por isso, a pergunta de um milhão de dólares é: como criar um ambiente de trabalho no qual a liquidez turbine habilidades e talentos, em vez de ser vista como um problema?
Um dos primeiros passos é pensar na estratégia de comunicação da própria empresa. Como embalar uma mensagem institucional que efetivamente apresente aspectos importantes da cultura e sejam capazes de atingir e atrair os candidatos certos? Talentos líquidos precisam se identificar com a empresa onde vão trabalhar, ter afinidade com seus valores, se inspirar em suas lideranças e casos de sucesso. Outro passo importante – e de certa forma doloroso – é não temer a mobilidade. Possibilitar (melhor, estimular!) que o profissional mude de departamento, função ou de empresa dentro do grupo ou ainda de país é sempre melhor do que perdê-lo para o mercado.
O acompanhamento do desempenho, seguido de feedback (estruturado e frequente) e reconhecimento adequado (financeiro e motivacional), também é fundamental. Talentos líquidos querem saber se estão investindo energia no lugar certo. Querem, ainda, ter o tempo todo um senso de justiça, confiança na organização e líderes inspiradores que sirvam de modelos tanto nos aspectos ligados à estratégia de negócios quanto de inteligência emocional.
Mais do que apoiar a trajetória do talento líquido, é essencial antever a mudança que ele pode sonhar. Programas que identifiquem a fundo o perfil do profissional, seus potenciais, resultados e aspirações, e cruzem essas informações com oportunidades e necessidades da companhia, são a base para atuar “preventivamente”, individualizando as ações de desenvolvimento e promovendo a mobilidade. Esse conhecimento detalhado sobre cada talento permite saber até onde ele pode chegar e quanto tempo pretende permanecer onde está – um dado estratégico tanto para a carreira da pessoa quanto para a empresa.
Encarar a empresa inteira – ou mesmo um grupo — como um grande organograma a ser explorado também é uma ideia em linha com a liquidez. Ao ter conhecimento detalhado de todas as áreas com todas as funções e níveis, bem como dos caminhos para chegar nesses postos, o profissional amplia imensamente seu horizonte e confiança na organização. Esse “mapa” das oportunidades legitima o desejo de mudança e confere previsibilidade ao processo, além de reforçar o protagonismo em relação ao desenho e efetividade da própria carreira.
Mesmo em um ambiente bastante favorável à liquidez, os desafios não cessam. Cada profissional deslocado exige a atração de outro, se possível ainda melhor. São necessárias regras para o jogo, para não desestruturar a empresa com tantas mudanças. A pressa desmedida para mudar – de cargo, país etc – exige uma conscientização de que o desenvolvimento profissional envolve etapas e aprendizado. Talentos líquidos ensinam, acima de tudo, que a impermanência veio para ficar.
* Claudio Neszlinger é CTO da Dentsu Aegis Network Brasil