“Você foi encolhido ao tamanho de uma moeda de 5 centavos e jogado dentro de um liquidificador. Sua massa foi reduzida de maneira que sua densidade é a mesma de sempre. As lâminas entrarão em movimento em 60 segundos. O que você faz?” Essa questão, aplicada durante uma entrevista de emprego no Google, nos Estados Unidos, virou um exemplo de como as empresas têm procurado reinventar na última década seus processos seletivos com o objetivo de avaliar mais do que competências técnicas dos candidatos.
São desafios em que a exatidão da resposta final quase nunca importa — o que vale é o caminho percorrido até lá. “Perguntas que fogem do comum são ferramentas que ajudam a avaliar aspectos como criatividade, raciocínio lógico e reação a uma situação inesperada”, afirma Patrícia Tourinho, gerente executiva de recursos humanos da consultoria de recrutamento Michael Page. Mas é preciso saber quando, como e por que usar a técnica para não transformá-la em mais um modismo corporativo de ares descolados e efeito nulo.
O PROPÓSITO
A pedido de VOCÊ RH, o Love Mondays, site brasileiro no qual os profissionais avaliam seus atuais e ex-empregadores, identificou as perguntas mais inusitadas realizadas em processos seletivos no país. Entre os destaques estão as que pedem um número impossível de ser calculado com precisão no momento da entrevista, como “Quantos lanches o McDonald’s vende por dia no Brasil?”
Em casos como esse, o RH pode avaliar de que forma o respondente estrutura a resolução do desafio. “É possível observar se o entrevistado é capaz de dividir um grande problema em partes menores e usar o bom senso para chegar a saídas coerentes”, diz Luciana Caletti, cofundadora e CEO do Love Mondays, que já adotou em alguns processos a questão “Quantos posts são publicados por dia no Facebook?” Segundo Luciana, um caminho adequado para decifrar o enigma seria partir do número da população mundial e estimar a porcentagem de pessoas com acesso à internet e a parcela desse grupo que participa da rede social. “Depois, dá para se basear em quantos posts o próprio profissional, os amigos e os parentes costumam fazer por dia e calcular uma média individual, que deverá ser multiplicada pelo número estimado de usuários do Facebook”, afirma.
É de esperar que candidatos escolados nos métodos de seleção, daqueles que chegam prontos para discorrer sobre seus maiores defeitos, logo incorporem ao repertório essas estruturas coesas de raciocínio. “Tem gente que se prepara durante meses para esse tipo de entrevista”, afirma Luciana. Mas nem sempre uma questão que beira o bizarro pretende fazer aflorar a capacidade lógica de quem está do outro lado da mesa. “Já aconteceu de perguntarmos ‘quanto pesa uma girafa?’ e o candidato responder simplesmente que não fazia ideia, demonstrando, inconscientemente, que prefere permanecer na zona de conforto”, afirma Viviane Cândido, especialista em RH do Vagas, site de oportunidades de emprego.
Raciocínio, disposição para assumir riscos, capacidade de inovar. Uma questão singular deve carregar nas entrelinhas um propósito claro que investigue no outro as competências que a companhia busca. “Para determinadas posições, como finanças e engenharia, o pensamento lógico complexo é mais requisitado. Para outras, esses desafios podem não fazer sentido”, afirma Guilherme Malfi, gerente especialista em gestão de pessoas da Talenses, consultoria de recrutamento de executivos. Nesses casos, seria mais adequado apostar nas case interviews, que propõem uma situação estranha, mas vinculada à realidade da empresa. Por exemplo, perguntar “nossa empresa teria lucro investindo em uma operação no Chile?” caso a vaga seja para um cargo de gestão de mercado.
A gigante industrial GE prefere usar essa forma mais aderente ao dia a dia. “As perguntas diferentes são aplicadas na resolução de casos ou em grupos de avaliação, quando o candidato deve mostrar de que forma chegou à solução de um problema e compartilhar seu mapa mental lógico. Assim, conseguimos observar como ele elegeu prioridades, como elencou as soluções e quais opções descartou”, afirma Nicolle Wallentin, diretora de aquisição de talentos da GE para a América Latina. “A profundidade que esperamos na resposta depende do nível de experiência do entrevistado.”
A CONTRAPARTIDA
Na TMF Group Brasil, multinacional fornecedora de serviços de back office, desafios irreverentes são aplicados em algumas entrevistas e para cargos estratégicos. “São posições que exigem mais habilidades multidisciplinares do que as vagas para funções de analista ou especialista”, diz Sonia Reitermann, diretora de RH. Uma das questões já propostas pela empresa é: “Quantos cabeleireiros existem em São Paulo?” Além de observar se o candidato é capaz de fazer estimativas com base na população da cidade e no percentual de homens e mulheres na região, a companhia coloca à prova não só a habilidade de comunicação como também a desenvoltura e o jogo de cintura do participante.
O recrutamento que permite ao entrevistado se mostrar mais — e ao RH escapar do gesso — pode fornecer alguns recursos para a triagem de mentes brilhantes. “Mas, se a seleção valoriza pessoas altamente criativas e autônomas e a empresa não oferece um ambiente em que elas possam sair do trivial e ter liberdade para atuar, em pouco tempo os novos funcionários ficarão frustrados”, diz Viviane Cândido, do Vagas. E aí o processo inovador vai se mostrar mais um daqueles velhos geradores de perda de tempo e dinheiro. Porque profissionais acima da média têm expectativas acima da média.
É preciso saber o que fazer com um talento que, além de extremamente preparado, reflete de forma fenomenal sobre quantas vacas existem no Canadá.
Na medida
Para funcionar, a inclusão de desafios de lógica e criatividade no recrutamento deve seguir alguns preceitos:
1. Planeje esses desafios para etapas mais avançadas do processo, quando as habilidades técnicas e as competências básicas do candidato já foram identificadas.
2. Deixe o entrevistado à vontade. Estar na condição de avaliado já o coloca sob pressão.
3. Tenha clareza sobre o que a empresa pretende avaliar durante a resposta e veja se as qualidades testadas realmente serão aplicadas posteriormente no desempenho da função.
Fontes: Patrícia Tourinho, da Michael Page; Luciana Caletti, da Love Mondays; Viviane Cândido, do Vagas.com; Guilherme Malfi, da Talenses; e Sonia Reitermann, da TMF Group