Como a neurociência pode ajudar nos processos de assessment
Medições cerebrais combinadas a jogos e dinâmicas poderiam ser aplicadas em conselhos gestores, grupos de alta performance e até mesmo políticos
ma divisão fundamental na área de recursos humanos é a que se dá entre seleção e assessment. Seleção profissional, como o nome diz, serve para a redução de uma amostra a outra menor; em geral, seu foco recai sobre a contratação. Já o assessment procura mapear características estilísticas, sociorrelacionais e de personalidade de uma amostra, no intuito de conhecê-las melhor e permitir que cada um se conheça também. Em geral, os assessments são voltados para quem já está conectado a alguma instituição.
Uma ferramenta de seleção que cumpre o que promete deve ser capaz de elencar as pessoas, a partir de critérios claros, com alta coerência de teste/reteste. Ela também deve ter validade ecológica, o que na prática significa estar alinhada às tarefas demandas no cargo e seus resultados devem traduzir a importância relativa de cada uma das dimensões preconizadas para a função. Provinhas de lógica não tem valor na seleção efetiva do comercial e assim por diante.
Já os instrumentos de assessment devem partir de teses sobre como as dimensões da personalidade ou do estilo manifestam-se, para então derivar maneiras eficientes de capturá-las. Essa, pelo menos, é a teoria. Na prática, ferramentas de assessment são usadas em processos seletivos, sob a máxima de que determinadas subjetividades são mais interessantes para as empresas do que outras, o que gera fenômenos bizarros como o de que, no LinkedIn, todo mundo é extrovertido, prefere grupos à individualidade e tem como maior defeito o perfeccionismo.
Experiência do ExpoFavela
Eu me aproximei do tema desenvolvendo simuladores 3D para seleção, mas, hoje, ando muito envolvido com assessment, que é uma área quase tão carente quanto aquela. Foi com isso em mente que mergulhei de cabeça no projeto do ExpoFavela. Ele é uma espécie de feira de negócios, misturada com workshop para o empreendedorismo de favela, movimento social e mais um monte de outras coisas, que foi idealizada pelo Celso Athaíde com alguns outros amigos. O Instituto Locomotiva é uma das empresas por trás desta composição.
Como sócio da Locomotiva e entusiasta da causa, mergulhei na elaboração do processo seletivo dos participantes de um projeto e, num segundo momento, no assessment dos inscritos. Foi esta segunda parte que me motivou a escrever este artigo.
Os selecionados eram todos high achievers, de alto QI, com ideias excepcionais, grande capacidade de comunicação e tudo mais que você pode imaginar quando aplicamos uma peneira pela qual passam 20.000 e só ficam 10.
O desafio que isso cria é maior do que pode parecer: como lançar luz sobre aspectos que compõem a ultra-essencialidade em um grupo de pessoas excepcionais? Trata-se de desafio análogo ao da criação de um assessment capaz de flagrar as nuances que diferenciam CEOs arrolados em uma amostra do topo do ranking da B3.
Eu e a Brenda Miura, neurocientista da Locomotiva, optamos pelo seguinte: usar uma combinação de eletroencefalografia (EEG), variabilidade cardíaca e rastreamento ocular, em associação com uma bateria de dilemas e dinâmicas sobre estilo pessoal para gerar perfis que falassem ao mesmo tempo sobre os aspectos conceituais e estilísticos, quanto os aspectos energéticos de cada um, nas esferas consciente e inconsciente.
Para isso, circunscrevemos um recorte desde a literatura especializada que utilizei na minha livre-docência (EPM-UNIFESP), a qual tem como objeto central os interesses e preferências e, como paradigma metodológico mais importante, a teoria dos jogos.
A partir deste recorte, compusemos uma bateria usando tarefas que vim criando ou adaptando para usar com neurociências, nestes últimos quinze anos, a qual testamos numa amostra para ter algumas normas. Daí saiu a bateria de assessment do ExpoFavela.
Algumas estratégias de mensuração foram combinadas aos dilemas (jogos) e dinâmicas de estilo. Os participantes foram expostos a tipologias narrativas de sucesso, baseadas em trajetórias distintas: uma pautada pelo esforço extremo e a outra em criatividade e senso de oportunidade.
Enquanto os participantes mergulhavam nessas narrativas, captávamos ondas cerebrais e variabilidade cardíaca (subsequentemente processadas usando IA), que nos permitiam saber o perfil narrativo mais atraente para cada e, em termos profundos, suas ressonâncias viscerais.
O mesmo princípio foi aplicado em outras duas dinâmicas e o resultado foi usado para gerar um índice do “Tipo Empreendedor”, exclusivo para cada um.
A variabilidade cardíaca se diferencia do EEG porque depende de alterações fisiológicas autonômicas (simpático/parassimpático), ou seja, é menos sutil e mais alinhada a uma fenomenologia dos impactos duradouros. Ela foi usada sozinha em dinâmicas que falavam do medo de falhar e outros medos profundos. Estas dinâmicas revelaram-se das mais valiosas, já que medos são tabus, especialmente em situações como esta.
Já o rastreamento ocular serviu para a gente aplicar o chamado paradigma da escolha forçada, que é aquele em que o participante é obrigado a escolher entre opções, superando estados de incerteza cristalizados em plano declarativo.
Neste caso, a escolha não era explícita, mas assumida em função do tempo de fixação nos estímulos: quanto maior o tempo de fixação, mais o estímulo teria chamado a atenção, sendo assim “escolhido”, de maneira tácita. Isso serviu para comparar imagens de riqueza e fama, entre outras.
Finalmente, combinamos EEG e variabilidade cardíaca novamente, para gerar um índice energético, relativo ao tônus em seu aspecto mais vital, o que também incluiu uma bateria de testes que envolvia questões do tipo: “você está mais para maratona ou para corrida de cem metros?”.
Considerações finais
Eu já fiz dezenas, ou talvez centenas, de experimentos neurocientíficos, mas ainda não tinha conduzido uma bateria de assessment neste formato. Minha percepção é que vale a pena, desde que a situação justifique o esforço. Mesmo tendo um bom parque de equipamentos, equipe, know-how e tudo mais, tivemos que suar a camisa para gerar os resultados no passo do evento, o que não seria muito diferente numa situação empresarial qualquer.
Isso me faz pensar que essa é uma abordagem interessante para ser aplicada em conselhos gestores, grupos de alta performance e políticos (adoraria fazer um assessment destes nos presidenciáveis). Para situações mais convencionais, uma boa ferramenta digital dá conta do recado.
Quer ter acesso a todos os conteúdos exclusivos de VOCÊ RH? É só clicar aqui para ser nosso assinante