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João Roncati

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João Roncati é especialista em mudança organizacional, cultura e estratégia e CEO da consultoria People+Strategy
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Nativos digitais têm mais dificuldade com o trabalho remoto, diz pesquisa

Pandemia exacerbou inseguranças pessoais, e 56% dos entrevistados relataram grande dificuldade para manter a rotina equilibrada

Por João Roncati, colunista de VOCÊ RH
Atualizado em 13 jun 2022, 09h19 - Publicado em 31 Maio 2022, 06h48
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    ntre o início de 2020 e dezembro de 2021, fomos forçados a reconstruir o espaço de trabalho e a nossa relação com a rotina, multiplicando a atuação à distância e forçando uma revisão da relação individual com o emprego e entre as pessoas.

    Em consequência, a produtividade foi impactada, em geral para melhor, o que foi surpreendente. Mas nem todos os segmentos ou estratos reagiram da mesma forma. Curiosamente, os maiores ganhos foram sentidos nas gerações mais maduras — os nativos digitais ficaram para trás.

    Os nativos digitais e sua turma

    É fundamental entendermos quem são — e se existem — os nativos digitais e o que os diferencia das demais gerações. Quando olhamos um conjunto significativo de artigos, postagens e palestras, encontramos uma exaltação aos “nativos digitais” em relação à habilidade diferenciada em aprender, absorver e utilizar dispositivos e softwares, ampliando em muito a digitalização do cotidiano e a própria utilização dos gadgets.

    Antes de mais nada, precisamos considerar que o conceito de geração é sociológico e caracterizado por espaços temporais. Naturalmente, são associados a eventos históricos marcantes e, portanto, com impactos na estrutura social e de trabalho. Assim, facilmente as gerações são descritas por algumas características. Essa forma de ver e que deveria enriquecer a discussão acaba, na verdade, empobrecendo-a, pois alguns autores (jornalísticos ou não), ao tentar enaltecer algumas dessas características, acabam por gerar caricaturas um pouco apelativas. Exemplo é ver a geração millennium ou Y descrita como combativa ou questionadora, quando na verdade é uma característica comum aos jovens ao longo de toda a história da humanidade.

    Quem é a geração Y? É a geração também identificada como millennial e sucede a geração X, nascida entre os meados da década de 1980 e os meados da década de 1990. Seu contato com a tecnologia já foi a de acesso cotidiano, nas mãos dos pais ou em ambientes comuns. Ganhou impulso com a multiplicação e facilitação de aquisição dos smartphones e o grande desejo de utilização de tablets. Essa geração viu nascer o streaming, a TV a cabo acessível.

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    A geração Z (ou pós-millennials), por sua vez, abrange os nascidos entre meados dos anos 1990 até 2010. É conhecida como nativa digital, a primeira que cresceu com celulares, acessando à internet, compartilhando arquivos. Desde sempre desenvolveram coordenação motora. É a geração que substitui a maior parte das brincadeiras individuais e coletivas pelos jogos e interações, aos quais teve acesso a partir de consoles e celulares ou, nas áreas de menor poder econômico, nas antigas lan houses.

    Essa geração foi tocada e beneficiada pelo acesso coletivo e rápido, internet acessível e de melhor qualidade, em que a virtualização já passava a fazer parte de seu cotidiano. Esse grupo abriu mão da TV aberta e substituiu a TV a cabo pelos canais de streaming. O mesmo ocorreu para o acesso às músicas, que herdou da Gen Y. É a geração dos eventos curtos, da pressa, da opinião rápida e da exposição em ambientes como Tik Tok e Reels.

    Daí chegou a pandemia…

    Início de 2020, desenhou-se um cenário inesperado. Por causa da necessidade de isolamento imediato, fomos lançados todos para o trabalho remoto. A despeito de discutirmos frequentemente as possibilidades do trabalho à distância e do home office, e da previsão feita em cenários ou por futurologistas de que essa seria uma modalidade dominante a partir do século 21, em sua maioria, profissionais não estavam acostumados a trabalhar à distância nem em home office (importante ressaltar que não são a mesma coisa). Mais do que isso, compartilhava-se uma grande desconfiança sobre a capacidade individual dos trabalhadores de assumirem a responsabilidade de manutenção da disciplina e produtividade de seu trabalho.

    A expectativa era de que os nativos digitais — ou as gerações Y, no trabalho, e Z, na escola ou iniciando no emprego — facilmente se adaptariam. Mas o que se viu não foi exatamente isso. Em muitas situações, ocorreu o contrário quando comparados com a geração X.

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    O trabalho remoto, lançado e restrito ao espaço da casa das pessoas (também por isso a confusão com o home office), uma vez que ambientes de co-working também foram fechados, trouxe mudanças:

    1. Exigibilidade do uso de ferramentas de comunicação à distância por imagem, gerando a necessidade de aprendê-las e se adaptar a delas
    2. Necessidade de estabelecer uma rotina de muitas reuniões para alinhamento e discussão de temas do trabalho
    3. Ganho de tempo de deslocamento, em geral rapidamente ocupado com reuniões
    4. Invasão e deslocamento da jornada de trabalho para antes e depois do horário comercial
    5. Extinção da convivência nos espaços comuns e de descontração das empresas, como as áreas para café ou refeições, entre outras.

    Nesse contexto, e de uma forma geral, a produtividade subiu, e muito! A pesquisa Novas Formas de Trabalhar traz um aumento na percepção de que a produtividade no trabalho remoto é maior do que no presencial. Mais de 58% dos respondentes da pesquisa afirmaram ser mais produtivos ou significativamente mais produtivos em home office. Em 2020, esse índice ficou em torno de 44%.

    Considerando somente a opção “significativamente mais produtivo”, as mulheres tiveram uma proporção de respostas de 29,1% contra 18,1% entre os homens.

    Entre profissionais em postos de gerência e/ou liderança, apenas 13% das respostas apontam para patamares menores ou significativamente menores de produtividade no trabalho remoto. Entre profissionais de nível hierárquico mais elevado, essa proporção atingiu 22,4%.

    Assim, há uma visão bastante generalizada de aumento da produtividade, que contribuiu muito com uma maior objetividade nas reuniões, a soma dos tempos de deslocamento à jornada útil e o acesso à tecnologia e internet de boa qualidade.

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    Curiosamente, os nativos digitais mostraram mais dificuldade para se adaptar ou mesmo para ampliar a sua produtividade. Em muitos casos, registrou-se uma queda da produtividade relativamente aos profissionais mais seniores ou de forma absoluta.

    Nativos digitais não voaram…

    O fato de tantos jovens não apresentarem um salto em produtividade isoladamente ou comparados aos profissionais mais velhos foi contraintuitivo. E chamou a atenção de pesquisadores, que saíram a campo para entender o porquê.

    Um estudo do Centro de Inovação da FGV-EAESP jogou luz em questões sensíveis: para a maioria dos entrevistados, o período de pandemia exacerbou as inseguranças pessoais, e ainda não está tudo bem: 56% dos participantes relataram que a grande dificuldade dessa experiência (de trabalho remoto, ou melhor, em casa) é justamente manter a rotina equilibrada. Esse desafio é mais evidente entre aqueles que nunca haviam tido uma experiência prévia de trabalho em casa, como é o caso de 32,5% dos entrevistados. Boa parte (40,7%) teve alguma experiência anterior ao menos em um dia da semana (entre 1% e 20% do tempo).

    O que mais chamou a atenção na pesquisa foi que a geração Z acha difícil:

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    Em síntese: a despeito de muito debate e discussão ao redor do tema, pouca gente havia vivenciado de fato o trabalho remoto ou em casa. E o cenário social, tomado pelo tema de uma doença mortal, exacerbou a insegurança pessoal de muitos aspectos, desde a manutenção do emprego até a própria saúde.

    A geração X voou!

    Na outra ponta da pirâmide, os Baby Boomers, nascidos entre 1940 e 1960, e a geração X, sua sucessora, lidaram melhor com o home office. Perguntados sobre as dificuldades, eles responderam que eram:

    Nesse contexto, a facilidade de manuseio da tecnologia cotidiana se mostrou uma questão menos importante. Contaram muito mais a experiência pessoal, a vivência e a capacidade de resiliência para reconstruir a rotina de trabalho.

    Profissionais mais jovens são carentes de referenciais. E, sem a convivência, ficaram carentes de profissionais que serviriam de modelo, de inspiração para a construção do seu próprio perfil de líder ou profissional.

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    E agora?

    Bom, essencialmente, o que as pesquisas têm mostrado reforça a ideia de que situações complexas pedem respostas complexas. É necessário abandonar atalhos e generalizações. Categorizações e ideais gerais podem ser úteis para construir manchetes e vender artigos de uma página, mas não servem para estabelecer boas práticas de gestão ou da mobilização humana no longo prazo.

    A tecnologia é acessível a todas as faixas etárias. Pressupor que os mais jovens, porque usam seus smartphones como extensão do corpo, sabem utilizá-la da melhor forma é um erro grosseiro e provocado pela superficialidade.

    Estas análises também levarão a muitas reflexões sobre a cultura organizacional. Basicamente: é possível construir, consolidar uma cultura sem a convivência? A minha opinião é de que não, mas nem a resposta pode ser tão simples, nem este é o fórum para desdobrá-la.

    Importantíssimo saber que os nativos digitais foram excessivamente exaltados, como foram as startups como modelos de negócios. De tempos em tempos, procuramos modelos simples e quase milagrosos que nos permitam resolver a maior parte dos problemas organizacionais e da sociedade. Infelizmente, nunca foram encontrados, e, ao depender dos princípios científicos e da minha opinião, nunca serão.

    Uma revisão bibliográfica publicada na revista Higher Education Academy de 2011, do Reino Unido, já concluía que não há evidências para afirmar que existem diferenças entre os nativos digitais e as gerações passadas. Mesmo não sendo o primeiro artigo sobre o assunto, ganhou repercussão com a teoria de que as escolas e universidades que estão modificando a sua forma de ensino e até as políticas educacionais que são implementadas com base nesse diferencial dos nativos digitais estão apoiadas em uma ilusão.

    Esses estudos não impedem a discussão de que escolas, de forma geral, são as instituições da nossa sociedade que menos mudaram no último século, e seus modelos de atuação vêm se tornando anacrônicos e defasados. A questão é que o ponto de partida não devem ser os nativos digitais, mas melhorar muito as metodologias de ensino, deixar de utilizar a autoridade como guia do aprendizado e da necessária disciplina (também inerente e útil ao desenvolvimento e à ciência) e incluir o diálogo e a reflexão como elementos cotidianos e fundamentais no cultivo de cidadãos preocupados com a sustentabilidade deste planeta.

    É possível concluir, com base nas pesquisas, que possivelmente a classificação de “nativos digitais” como uma geração contenha elementos de equívoco. Estamos tentando caracterizar um grupo pelo uso intenso, e muitas vezes prejudicial, de tecnologia de acesso e redes sociais. É isso de que precisamos para a manutenção e desenvolvimento de nossas organizações e da sociedade?

    Melhor será observarmos em detalhe o potencial (inerente ao ser humano!) desses jovens e suas necessidades no seu processo de desenvolvimento e maturação, enquanto cidadãos e, consequentemente, profissionais. Olhá-los a partir de uma hábito, que pode não ser positivo, é inverter a ótica: não é uma das características dessa geração que define a sua capacidade ou que trará a sua melhor contribuição.

    Precisamos olhá-los sob a perspectiva dos propósitos que garantirão a sustentabilidade coletiva e das necessárias competências para realizá-los. Nossos jovens precisam de referenciais, e é responsabilidade da geração X e dos Baby boomers constituí-las, adaptá-las e criar o contexto para que as gerações Y e Z ocupem seu papel, com orgulho, respeito e visão de longo prazo. “Delargar” a construção do futuro porque somamos “mundo digital” com uso de celular é simplório, irresponsável e leniente.

    A experiência e a capacidade de realização, dentro desses princípios, não é algo que se absorva apenas pelo desejo, mas é fruto da vivência, da reflexão e do debate inclusivo contínuo. Exige tempo e energia focados.

    Cenários internacionais têm sido continuamente e de forma crescente, voláteis. Precisamos de senso de dever, coragem e compaixão para dar continuidade à grande construção humana e convidar esses jovens a serem melhores do que conseguimos ser — e nossos sucessores.


    [1] Tiago Dias, Tab Ubol, Maio/2020

    [2] Tiago Dias, Tab Ubol, Maio/2020

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