O poder destrutivo de um líder narcisista
O naufrágio do submersível Titan expôs os malefícios de um chefe com um padrão persistente de grandiosidade. Saiba como lidar com isso.
eus criou o homem a sua imagem e semelhança, diz a Bíblia. E parece que os líderes narcisistas levam isso ao pé da letra. Esse artigo não se trata do esforço que fazemos para tentarmos sermos seres humanos – e profissionais – melhores, mas sim sobre aqueles que acreditam que são deuses e agem como tal.
Todos nós possuímos uma gradação de comportamentos narcísicos, mas meu foco são aqueles que demonstram alto grau de tais traços.
Cá entre nós, eu duvido que você já não tenha se deixado seduzir, em algum momento, por um líder que considerava brilhante, genial, fora da curva, autoconfiante, popular, fascinante, incentivador, mobilizador, assertivo, entusiasta, competente, agradável… E por aí vai.
Essa temática veio à tona com a implosão do submersível Titan, em junho de 2023, e dos relatos sobre o CEO da OceanGate, Stockton Rush.
Um ponto de atenção: usarei o caso para discutir comportamentos narcísicos, contudo, não é possível afirmar que ele tenha sido, de fato, um líder narcisista sem um processo sério de pesquisa. Nossa jornada, daqui para frente, é exploratória – e segura!
Rush se tornou o piloto de aeronaves a jato com 19 anos, segundo site da empresa que fundou em 2009. Foi engenheiro de teste de voo para jatos na McDonnell Douglas e investiu sua herança em empresas de tecnologia. Em 1984, formou-se em engenharia aeroespacial na Universidade de Princeton, em Nova Jersey, e concluiu um MBA pela Universidade da Califórnia. Foi membro do conselho de administração da BlueView Technologies e presidente da Remote Control Technology, tendo, aos 27 anos, construído uma aeronave experimental.
No vídeo que mais circulou sobre “quebrar regras”, o CEO afirma: “Gostaria de ser lembrado como um inovador (…) você é lembrado pelas regras que você quebra (…) eu quebrei algumas regras para fazer isso, acho que quebrei com lógica e boa engenharia por trás (…) sabe, a fibra de carbono e o titânio, há uma regra que você não faz isso, bem, eu fiz!”.
Desde 2018, há relatos de que especialistas, internos e externos à OceanGate, vinham alertando sobre os riscos envolvidos nesse tipo de quebra de regra. Não posso deixar de mencionar também o volume de ações movidas por clientes contra a companhia relacionadas a compromissos não cumpridos em virtude da falta de certificação e/ou mau funcionamento dos equipamentos do submersível.
Para fechar com chave de ouro, vamos às demissões. Uma ex-diretora financeira parece ter se desligado depois que Stockton Rush ofereceu a ela o cargo de piloto-chefe no submersível. Isso porque o profissional que originalmente ocuparia o cargo, David Lochridge, foi demitido por apresentar preocupações com a segurança da embarcação.
Ao me deparar com todas essas informações, pensei, de imediato: onde termina a teimosia, a coragem e a determinação e começa a loucura? Foi quando me lembrei dos estudos sobre narcisistas. E realmente esse conjunto de fatos vem ao encontro dos conceitos.
O primeiro deles é que o líder narcisista também possui aspectos positivos. São competentes, envolvendo todos ao seu redor com seu charme e carisma. Stockton Rush teve uma carreira brilhante! E teve diversos sucessos e desafios superados. De longe, não era um incompetente. Pelo contrário, teve uma formação exemplar.
Contudo, há o outro lado da moeda: autoestima com fantasias de brilhantismo, poder e sucesso ilimitados, hostilidade quando contrariado e egoísmo e egocentrismo pautando as decisões. Essa combinação tende a levar a uma liderança abusiva e a decisões de alto risco.
Em outras palavras, o líder narcísico, de fato, acredita que é Deus e que está imune às consequências. Stockton Rush não parece ter sido apenas teimoso e determinado. Ele criou e fantasiou o seu brilhantismo, puniu quem o contrariou, desconsiderou todas as evidências científicas para fazer valer o que considerava correto, numa proporção extrema, ignorando tudo e a todos ao seu redor, olhando para o seu próprio umbigo.
Como lidar com um gestor narcisista?
Um autor referência no assunto, Kets de Vries, sugere:
- Desenvolva estratégias internas para reduzir a influência dos narcisistas, transferindo-os para fora de perigo e mantendo subordinados inexperientes e inseguros fora de seu alcance;
- Oferte feedback honesto e treinamento executivo para mantê-lo sob controle, fazendo uso de regras claras e impessoalmente usadas para que não se torne mais destrutivo do que construtivo.
Por fim lembrem-se: todos nós temos um “liderzinho narcisista” lá no fundinho. Então, pense bem em como você o gerencia…