Paternidade protagonista e o ônus compartilhado
Criar condições para que os homens cuidem dos filhos é também uma estratégia para que as mulheres possam trabalhar com mais liberdade – e menos sobrecarga.

Quando uma colaboradora comunica que está esperando uma criança, imediatamente surgem diversas questões na mente de sua liderança. Como será a substituição? Quem vai cobrir essa ausência? Será que ela vai continuar produtiva? Será que vai voltar a mesma pessoa?
Para muitas organizações, a notícia, ainda hoje, costuma ser associada a preocupação, planejamento, ajustes, impactos. Em muitos casos, o primeiro pensamento ainda é de ônus.
Agora, pense no cenário contrário: um colaborador compartilha que vai se tornar pai. A reação costuma ser diferente — positiva, quase simbólica. Ele recebe o “crachá” de homem de família, ganha elogios pela responsabilidade. Não raro, um porta-retrato com a imagem do filho sobre a mesa torna-se símbolo de comprometimento e estabilidade.
Por que será que a mesma notícia — a chegada de uma criança — é recebida de maneira tão diferente dependendo de quem a compartilha?
A resposta está na forma como o trabalho do cuidado é historicamente associado às mulheres e, muitas vezes, reforçado pelas próprias estruturas organizacionais. A legislação brasileira já diferencia: são 120 dias de licença para a mãe e apenas 5 para o pai. Em empresas cidadãs, esse período pode se estender para 180 dias para mães e 20 dias para pais.
Na prática, o que isso comunica? Que a responsabilidade pelo cuidado ainda é desproporcional e, por isso, os custos e os impactos também. Quando a organização oferece benefícios com base nesse raciocínio, ela reforça a desigualdade que diz combater.
A maneira como políticas e processos são desenhados determina muito mais do que o papel do RH. Ela define a cultura. E quando a empresa passa a tratar maternidade e paternidade com isonomia, as mesmas dúvidas e preocupações antes associadas só às mulheres passam a ser estendidas também aos homens — com isso, o cenário se equilibra. Pois, quando os ônus são compartilhados, os bônus também são.
A virada cultural exige mais do que política no papel.
Aqui, na Filhos no Currículo, apoiamos diversas empresas nesse processo de transição — que está longe de ser simples. Mudar a política é necessário, mas preparar o terreno para que essa política se transforme em prática é o que realmente faz a diferença.
Isso envolve preparar:
- lideranças para que reconheçam o valor da paternidade ativa e protagonista;
- pais para viver esse período com presença e corresponsabilidade;
- processos internos para que o usufruto da licença estendida, por exemplo, seja possível sem culpa, sem receio e, principalmente, sem retaliações implícitas.
Afinal, criar condições para que os homens cuidem é também uma estratégia para que as mulheres possam trabalhar com mais liberdade e menos sobrecarga.
O silêncio dos homens também adoece a cultura
Em diagnósticos conduzidos pela Filhos no Currículo, recebemos diversos relatos de pais que não se sentiram autorizados a viver plenamente a paternidade. Muitos deles não usufruíram da licença ou não pediram flexibilidade para participar de consultas ou atividades escolares, com medo de serem julgados.
Alguns relataram ouvir frases como: “Vai de babá hoje?” ou “Cadê a mãe dessa criança?”
Esses comentários, ainda que disfarçados de brincadeira, minam a corresponsabilidade e instalam uma cultura de medo. Além de desautorizarem o pai diretamente envolvido, transmitem aos outros homens a mensagem de que o ambiente não acolhe quem cuida — e sim quem silencia.
Por isso, se a empresa oferece um benefício como a licença-paternidade estendida, é fundamental que lideranças e figuras de referência façam uso público e legítimo desse direito. A cultura muda quando a prática é visível.
A seguir, recomendo quatro caminhos para promover a paternidade protagonista na sua empresa:
1. Crie espaços de conversa entre pais
Homens, muitas vezes, não têm o hábito de compartilhar desafios emocionais e familiares. Criar espaços de escuta entre pais é uma forma potente de quebrar o silêncio e fortalecer vínculos de pertencimento.
2. Dê visibilidade a bons exemplos internos
Compartilhe, de forma legítima, histórias de figuras paternas que exercem o cuidado com protagonismo. Mostre que esse comportamento é valorizado — e não escondido. Representatividade inspira ação.
3. Revisite políticas e processos
As políticas de parentalidade devem incluir os pais de forma ativa e isonômica. Isso significa rever benefícios, fluxos e comunicações que ainda reforçam um papel secundário para os homens.
4. Garanta coerência entre discurso e prática
Mais importante do que está no papel é o que está no exemplo. Lembro até hoje de um post marcante feito por um cliente da Filhos no Currículo — na época, CEO da Roche Farmacêutica — que compartilhou uma foto com seus filhos adolescentes em um momento de cuidado. O post teve dezenas de comentários de pessoas da própria empresa. A mensagem ali foi clara: “Você pode cuidar, e ainda assim ser referência.” Esse tipo de gesto move mais cultura do que muitos treinamentos.
Promover a paternidade ativa não é só uma questão de justiça social. É direito da criança ter todas as suas figuras de cuidado com espaço legítimo. Isso significa devolver aos pais o protagonismo no cuidado, reconhecendo que sua presença ativa tem impactos profundos na infância, na redução da sobrecarga histórica das mulheres e na construção de um ambiente organizacional de bem-estar parental.
Com o Mês dos Pais se aproximando, esse é um momento ímpar para começar — ou aprofundar — essa conversa dentro das organizações. Não como uma ação pontual, mas como um ponto de partida para uma evolução corporativa.
Que os porta-retratos sobre as mesas sejam iguais, independentemente do profissional sentado à mesa.