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Diversidade

Compliance moral: diversidade tem mais a ver com ética do que com lucro

Um dos executivos mais preocupados com a diversidade e a inclusão, Theo van der Loo acredita que a pauta ganhou fôlego, mas ainda há um longo caminho

por Elisa Tozzi Atualizado em 8 jul 2021, 08h34 - Publicado em 18 jun 2021 07h00

Esta reportagem faz parte da edição 74 (junho/julho) de VOCÊ RH

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om uma trajetória de 40 anos na indústria farmacêutica, Theo van der Loo se tornou, em 2017, quando ocupava a cadeira de CEO da Bayer, uma das vozes mais importantes da discussão sobre diversidade. Na época, escreveu um post de desabafo em seu LinkedIn compartilhando a história de um profissional negro que teve de ouvir de um recrutador que não seria entrevistado por causa de sua cor. Theo já liderava alguns projetos de inclusão racial na Bayer, mas seu texto foi o estopim para que a discussão se ampliasse e ele abraçasse a causa da diversidade como uma pauta pessoal.

Atualmente ele faz parte do CEOs Legacy, da Fundação Dom Cabral, grupo que amplia o poder de influência dos executivos para iniciativas socialmente relevantes. Aposentado da Bayer desde 2018, Theo está à frente da NatuScience, empresa que tem o objetivo de conectar pacientes à cannabis medicinal, além de ser consultor, conselheiro e palestrante. Em entrevista para VOCÊ RH, ele faz um balanço da pauta da diversidade nas organizações e traz um alerta: é preciso parar de racionalizar sobre o que está errado e começar a fazer o que é moralmente correto — simplesmente porque é a coisa certa.

Em 2017, você fez uma postagem no seu LinkedIn pessoal que trouxe à tona a discussão sobre o racismo no mercado de trabalho. Na época, compartilhou uma história de um profissional que ouviu de um recrutador que ele “não entrevistava negros”. De lá para cá, o que mudou?

Comecei a pensar sobre esse tema em 2014, quando era CEO da Bayer. Foi assim que eu aprendi o meu lugar de escuta. As pessoas negras, naquela época, reclamavam que sempre que falavam algo relacionado ao racismo os outros contestavam alegando que era “mimimi”. Diziam que me apoiariam se eu levantasse a questão, mas que eles não poderiam fazer. Eles nunca quiseram favor, só oportunidade para mostrar seu potencial e a chance de ocupar posições. Hoje os negros tomam iniciativa para falar com a liderança. Houve mudanças, muito por causa das mídias sociais.

Antes, a diversidade ficava focada em gênero e, no começo, muito em mulheres brancas. Agora já começamos a falar sobre mulheres negras. A pesquisa que vocês fizeram apontou que 65% das empresas não têm estratégia de diversidade, então ainda falta. São poucas as empresas que já têm resultados para mostrar, mas o que está claro é que há companhias em um bom caminho. Fora disso, existem dois grupos: o que está convencido e não faz muita coisa e o que ainda não está convencido. No geral, nesse segundo grupo estão as empresas familiares, mas há exceções.

“Muitas vezes nós usamos a razão para justificar o que não é justo e ficamos encontrando desculpas”

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Fora do Brasil o assunto está mais avançado?

De forma geral, os Estados Unidos já estão mais à frente na agenda racial, mas na Europa muitas empresas não sabem bem como lidar com isso. Os negros de fato são minoria nos países europeus e, embora recebam boa educação por estarem no sistema público educacional da Europa, também são discriminados na hora de procurar emprego. É o racismo estrutural.

E temos que separar as coisas: mesmo no Brasil, não podemos falar que esse é um problema apenas social. Foi o racismo que fez com que as pessoas negras não pudessem ter uma boa educação por aqui, pois foram incapacitadas desde a escravidão. Muitas vezes nós usamos a razão para justificar o que não é justo e ficamos encontrando desculpas.

Uma racionalização muito usada é a que diz que a diversidade gera lucro para as empresas.

Temos que atuar com o coração. Um CEO não deveria usar a lucratividade como o motivo para a inclusão, precisa fazê-la porque é justo. Esse é o motivo. Claro que isso renderá mais dinheiro, porque haverá uma oferta maior de talentos entre as mulheres, as pessoas negras e as pessoas pobres. No Brasil, 79% da população não participa de forma adequada do mercado de trabalho, que tem um monopólio dos homens brancos, que representam apenas 21% da população.

Quanto mais candidatos diversos você tem, mais talentos encontra. Temos que parar de justificar a importância da inclusão e focar o como fazer: o que podemos aprender com as empresas que já fizeram isso? O que deu certo e o que deu errado? Também é importante parar de criticar as companhias que estão fazendo algo. Precisamos deixá-las ter a experiência e gerar aprendizado.

“Um CEO não deveria usar a lucratividade como o motivo para a inclusão, precisa fazê-la porque é justo”

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No ano passado, programas de trainee e estágio exclusivos para negros anunciados pela Bayer, Ambev e Magazine Luiza, entre outras, geraram elogios e críticas. Qual é sua opinião sobre esses projetos?

O modelo padrão dos programas de trainee vai atrair mais brancos. Ninguém diz que só vai contratar essas pessoas, é meio disfarçado, mas o resultado é esse. Quando tiramos o filtro, é possível encontrar os melhores talentos negros. Muita gente nem se inscrevia nos programas de trainee por medo de tentar e porque sabia que ia morrer na praia. Então, é importante ter essa abertura para que as pessoas participem e as empresas se conectem com os melhores profissionais. Na Bayer, foram 25.000 inscritos para 19 vagas de trainees. Existe demanda. E todo esse processo da Bayer aconteceu depois que eu saí da empresa. Se, lá atrás, eu tivesse sugerido algo assim, achariam que eu estava maluco. Mas eu plantei a semente, e isso me dá muita satisfação.

“O racismo reverso não existe: teríamos que escravizar pessoas brancas por 338 anos para que existisse”

Por que essas iniciativas geram tanta polêmica?

Muita gente não parou para pensar de fato nessa questão, nem para se colocar no lugar de escuta. Falam de “meritocracia”, de “racismo reverso”, de “sangue negro na família”, parecem papagaios. A gente tem que ouvir mais e refletir. Uma vez um executivo me disse que sua empresa era meritocrática e eu perguntei: você tem certeza do mérito? Como garante que todo mundo na companhia tem o inglês fluente? Aplicou um teste e o comparou com o de uma pessoa negra? São desculpas.

A meritocracia tem a ver com possuir as mesmas oportunidades, a mesma educação. Se você está na Holanda, onde todo mundo tem acesso a boas escolas, pode falar de mérito. Eu conheci várias pessoas no Brasil com grandes histórias de resiliência e, se elas se viraram para chegar a uma entrevista de emprego sendo filhas de pais analfabetos, isso por si só já é um mérito enorme. Ninguém quer fazer favor para ninguém. Só que dar uma oportunidade é sempre correr um risco — com qualquer profissional. Já vi muita gente contratada por headhunter e que não era tão boa assim. Além de contratar, precisamos criar oportunidades para promoções, porque isso motiva os demais. As chances precisam ser reais: não adianta ter apenas uma pessoa negra na liderança e chamá-la todas as vezes que quiser falar que a empresa é inclusiva. Porque aí vira algo como “negro de estimação”, o que não é bom.

“As empresas gastam milhões em compliance. o que precisamos agora é de um compliance moral”

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É possível se tornar uma empresa inclusiva sem ter uma política de diversidade?

As coisas não vão mudar naturalmente. É preciso ter verba e pessoas dedicadas ao tema. Se não houver dinheiro para isso, é necessário pelo menos implementar projetos pilotos. Faço uma analogia com compliance: as empresas gastam milhões ao ano para assegurar que estão seguindo as regras, que não há desvios. O que precisamos agora é de um compliance moral. No ESG, temos as letras que representam meio ambiente e governança — nenhuma empresa quer perder isso. Mas o “S”, de Social, é relativo: pode representar doações, voluntariado e diversidade. Temos que colocar na meta dos executivos os avanços de inclusão.

Outro ponto importante nesse compliance moral é contratar fornecedores de minorias. E não se deixar levar pelo cherry picking na diversidade, ou seja, escolher o tipo de inclusão que quer fazer. Já ouvi gente dizendo que faria inclusão, mas só na questão das mulheres. Ou que não iria incluir os trans na discussão LGBT+. É uma postura de pegar só o que é mais fácil de fazer. Mas isso está errado. Ou é tudo ou é nada.

Existe uma linha tênue entre os cuidados verdadeiros com a diversidade e as ações de marketing. Como perceber se uma empresa está realmente preocupada com a questão?

Quando eu comecei a falar sobre a inclusão de pessoas negras publicamente, muitos executivos me disseram que eu não deveria fazer aquilo, que aquilo era coisa de RH. Mas eu continuei porque tinha certeza de que era o certo. Não nos damos conta, mas a palavra “coragem” deriva de “fazer com o coração”, e é isso que as pessoas devem perceber nas empresas. É fácil notar as que estão se empenhando em mudar e as que não estão. A situação é irreversível e não temos nada a perder na busca pela diversidade — mesmo precisando ainda caminhar bastante.

Qual é a sua avaliação sobre criar cotas de inclusão?

Sou a favor. Se o aumento não ocorre naturalmente, tem que ocorrer de outras formas. Acredito que as empresas precisam criar metas de diversidade para evitar as cotas no futuro. Se não fizerem isso, uma hora a lei vai chegar e exigir que as companhias cumpram as metas. Eu me lembro de uma citação da Lilia Schwarcz [historiadora e antropóloga], que diz que não era a favor das cotas no passado, mas que agora é, porque entende que temos que desigualar um pouco para igualar mais tarde. No Brasil, os brancos tiveram uma vantagem de 338 anos. Quando a escravidão acabou era conveniente falar que somos todos iguais sem pensar em como igualar as oportunidades. É por isso que o racismo reverso não existe: teríamos que escravizar pessoas brancas por 338 anos para que existisse.

A pandemia de covid-19 deixou ainda mais patentes as desigualdades econômicas que existem no Brasil. Isso está entrando na pauta de discussão das pessoas?

A desigualdade que o Brasil enfrenta se acentuou mais ainda com esta crise. Nós sabemos que há gente na linha da miséria, passando fome. Um país que se diz cristão aceita isso? O problema é que o brasileiro é indiferente e ignora muitas coisas em vez de se preocupar com essas questões e cobrar do governo medidas para que isso não aconteça.

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“Se alguém, hoje, inventasse a escravidão, nós não aceitaríamos. Então, por que aceitamos as consequências daquilo que fizemos no passado?”

Existe uma preocupação das companhias com a desigualdade social brasileira?

Quando as empresas têm acionistas, é mais complicado. Com empresas que têm donos, existem caminhos e reflexões a ser feitas. Uma coisa é ter prejuízo e ficar lutando para não fechar; outra coisa é ter menos lucro. Até que ponto os empresários estão dispostos a lucrar menos para que o país alavanque socialmente? Porque um esforço agora para não demitir, por exemplo, se refletirá lá na frente. Quando você demite alguém, demite um consumidor, e isso é ruim para todos. Se há prejuízo, obviamente a companhia precisa corrigir. Mas uma empresa familiar, por exemplo, pode decidir se consegue viver com menos lucros.

Eu sou um sonhador. Acredito que, no futuro, mesmo os investidores vão olhar para essas coisas e comprar as ações só se as empresas tratarem bem as pessoas. Talvez eu não viva para ver isso. Mas pode acontecer. Se alguém, hoje, inventasse a escravidão, nós não aceitaríamos. Então, por que aceitamos as consequências daquilo que fizemos no passado? Temos que aceitar que ocorreu algo que fez mal para a sociedade e que é preciso corrigir. É esse o pensamento que eu espero ver nos investidores. E por isso o compliance moral se mostra tão importante.

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