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Mercado e Vagas

Prestação de serviço e CLT: como gerenciar diferentes contratos

Contratos intermitentes e de prestação de serviço são tendências para o futuro. Além de atentar para regras trabalhistas, as empresas precisam engajar

por Paula Simões Atualizado em 19 jul 2021, 08h29 - Publicado em
16 abr 2021
21h10

Esta reportagem faz parte da edição 73 (abril/maio) de VOCÊ RH

A

crise econômica à qual a pandemia de covid-19 submeteu o mundo, assim como os avanços tecnológicos que automatizam cada vez mais a produção, está traz novas realidades para o mercado de trabalho. Uma das transformações mais profundas pode acontecer nas relações entre empregados e empregadores. Um relatório divulgado no fim do ano passado pelo Fórum Econômico Mundial afirma que 41% das empresas pretendem aumentar a admissão de prestadores de serviços para tarefas especializadas, diminuindo a contratação de funcionários fixos.

A tendência global já está chegando ao Brasil. Segundo dados da Receita Federal, no fim do ano passado o número de CNPJs do tipo microempreendedor individual (MEI) abertos foi 20% maior que no ano anterior. O IBGE também constatou que em dois anos dobrou o número de contratos de trabalho intermitentes. Ambos os regimes de trabalho foram flexibilizados como resultado da reforma trabalhista de 2017 e não entram na contabilização do desemprego — que recuou para 13,9% no quarto trimestre de 2020 —, mas, segundo especialistas, fazem parte de uma mão de obra subutilizada no país. Diante desse cenário, quais são os desafios para o clima organizacional e os impactos no longo prazo para as empresas e para a sociedade?

De olho no pertencimento

O contrato intermitente é um recurso bastante utilizado por setores que trabalham sob demanda, como indústria e serviços, e sai mais barato do que remunerar os trabalhadores CLT por horas extras. Nele, o empregado possui direitos como pagamento de FGTS, Previdência Social e férias após 12 meses de contrato. No entanto, só é remunerado caso seja convocado para trabalhar durante o período estabelecido no contrato.

Para Vanessa Cepellos, especialista em estudos organizacionais e professora na Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV Eaesp), os desafios desse modelo de contratação têm a ver com o engajamento dos profissionais — que precisam se sentir parte da empresa tanto quanto os funcionários fixos. Caso contrário, pode haver desinteresse e perda de produtividade.

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“É preciso ter um esforço dos gestores no relacionamento com esses profissionais, estabelecendo uma relação cordial com escuta e abertura ao diálogo. Além disso, os líderes não podem tratá-los de forma diferente e devem fazer esforços para integrá-los à equipe”, explica.

Uma maneira de fortalecer os laços é dar aos intermitentes a chance de se tornarem funcionários permanentes, de acordo com as possibilidades da empresa e com o mérito do empregado. Isso tende a aumentar o interesse dos profissionais. Também é preciso cuidar para que a cesta de benefícios não seja diferente para esse grupo. “Entender o contexto de cada empregado e incluí-lo na cultura da empresa são as mais importantes ações que a organização pode e deve adotar”, diz Renan Sinachi, diretor de gestão e estratégia da Leme Consultoria.

As armadilhas do PJ

Outra tendência que já acontecia em diversos setores, mas que encontrou alguns aspectos de legalidade na reforma trabalhista de 2017, foi a contratação de pessoas jurídicas para as atividades-fim das empresas. Isso significa que, em vez de contratar alguém como pessoa física e pagar por seus direitos trabalhistas, essa relação passa a ser intermediada como um pacto comercial entre duas empresas. E é esse o modelo apontado como tendência global pelo Fórum Econômico Mundial. Mas, no Brasil, sua percepção e prática são complexas.

Apesar da facilitação de alguns aspectos nesse tipo de contratação, as empresas precisam estar bem atentas às regras: o prestador de serviço pode realizar as atividades-fim da empresa, mas não é possível demitir um funcionário CLT para contratá-lo imediatamente como pessoa jurídica dentro de um período de 18 meses. Também é necessário haver impessoalidade e inexistência de subordinação. Com o descumprimento dessas regras, a Justiça do Trabalho costuma deliberar que há vínculo empregatício entre as partes — o que não pode ocorrer.

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“Já julguei diversos casos em que o trabalhador se apresentava como pessoa jurídica, às vezes até formando sociedade com algum parente que não tinha nenhum envolvimento com a empresa”, diz Guilherme Guimarães Feliciano, professor associado do Departamento de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP e juiz do trabalho no TRT da 15ª Região. “Quando se configura um trabalho subordinado, oneroso e não eventual, estamos diante do artigo 3º da CLT. Então, o juiz do trabalho reconhece o vínculo com todos os direitos, independentemente do que o profissional tenha assinado.” Para ele, a companhia precisa refletir: até que ponto é possível terceirizar a atividade-fim sem estabelecer subordinação direta com o tomador de serviços?

Para quem defende esse modelo de trabalho, a justificativa está na possibilidade e no interesse dos profissionais de terem seu tempo e suas fontes de serviço mais diversificadas — o que é positivo para quem deseja empreender. Mas, na prática, não é sempre isso o que acontece. Há no mercado muitos PJs que atuam para apenas uma empresa, como se fossem funcionários, mas sem os direitos que os contratos de pessoa física garantem. “Uma coisa é a metamorfose muito evidente nos formatos das relações de trabalho, outra é entender que isso não precisa significar perda de direitos nem levar para essa nova realidade uma filosofia de empreendedorismo que, na verdade, é uma precarização. Não é empreendedor quem basicamente coloca sua força de trabalho a serviço do outro”, diz Guilherme.

Assim como os trabalhadores em modelos de contrato intermitente, a gestão organizacional de prestadores de serviços também requer diversas reflexões e cuidados. Se essa pessoa é parte da engrenagem do negócio, precisa estar inserida na cultura corporativa e ser tratada com reconhecimento.

Luiz Barosa, sócio da área de consultoria em capital humano da Deloitte, aponta que há falta de maturidade em muitas companhias para lidar com essa força de trabalho. “Poucas empresas criam programas de engajamento e conexão com essa camada de empregados, e isso pode se traduzir em um erro. Existe também bastante falta de controle desses serviços por parte das companhias, com a contratação não chegando sequer a passar pelos recursos humanos”, explica, completando que, no momento atual, possibilidades mais flexíveis de contratação ajudam na sobrevivência de muitos negócios.

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Expectativas de futuro

“Apesar do agravante da pandemia, os dados sinalizam um aumento da vulnerabilidade do trabalho formal. No longo prazo, estamos comprando uma bomba-relógio, pois as pessoas que cumprem essas atividades vão se aposentar um dia, recebendo um salário mínimo, mas tendo contribuído muito pouco para o INSS”, diz Leonardo Trevisa, professor do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Segundo ele, o trabalho intermitente surgiu como uma solução para trazer as pessoas para a formalidade, garantindo assim seus direitos, mas na prática ele se tornou uma solução mais barata em relação ao pagamento de horas extras, e as pessoas não só recebem uma remuneração mais baixa como passam muitos meses ociosas e sem nenhum tipo de renda. “No caso do MEI, ele contribui com uma parcela menor do que deveria. E o empregador não contribui. Isso é um curativo para uma situação que é muito mais grave. Todos nós vamos ter que pagar por isso, ou o déficit público aumentará”, completa.

No âmbito da cultura organizacional, essa escolha também pode trazer sérias consequências para o empregador. “Quando você faz as contas das taxas, dos impostos e de tudo o que precisa pagar, é fácil chegar a um número. Mas, quando se pensa em engajamento, comprometimento e resultados futuros por algo subjetivo, a maior parte das empresas não sabe como calcular isso”, pondera Thiago Gomes, psicólogo organizacional e fundador da Insight Gestão. Não à toa, algumas companhias percebem os problemas de terem criado uma insegurança jurídica e profissional quando já é tarde demais e as pessoas não querem mais trabalhar lá, como explica Thiago. “Mesmo com salário líquido mais alto, se não houver um clima adequado para a pessoa trabalhar, com motivação, reconhecimento, possibilidade de criatividade e liderança, ela não vai querer ficar.”

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