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Paranoia da produtividade: líderes não confiam em seus liderados

Mesmo que os funcionários trabalhem bem à distância, gestores acham difícil confiar em quem não está à vista

Por Ricardo Ivanov
Atualizado em 19 abr 2023, 14h37 - Publicado em 3 fev 2023, 09h51
Uma mulher com traços asiáticos está sentada em uma cadeira e tem um computador no colo. Ela veste uma camisa larga azul e calça preta. O ambiente é uma sala de estar
 (Unsplash/Surface/Divulgação)
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uncionários se consideram produtivos, mas gestores acham difícil acreditar que, longe de seus olhos, as equipes estejam mesmo trabalhando o suficiente. Bem-vindo à paranoia da produtividade, alcunha que nasceu a partir de uma pesquisa da Microsoft de setembro passado que avaliou os comportamentos de trabalho de 20.006 líderes e liderados em 11 países, incluindo o Brasil. Segundo o estudo, 85% dos gestores não confiam que, no modelo remoto ou híbrido, seus colaboradores rendam como deveriam — embora 87% desses últimos digam que atuam muito bem nesse modelo, obrigado. No apanhado do Brasil do relatório, o número de tomadores de decisão de negócios que não põem fé na produtividade à distância sobe um pouquinho: de 85% para 88%.

O termo pegou, e já são 86 mil menções a “productivity paranoia” em buscas no Google, com análises e mais análises sobre o tema. Não à toa, a expressão entrou na lista de 23 conceitos do “vocabulário vital” de 2023, segundo a publicação The Economist.

Para alguns é uma surpresa que, quase três anos depois do início da pandemia e da adoção em larga escala do trabalho remoto, a nova relação não tenha chegado a bons termos. Para outros, é uma constatação de que talvez a paranoia esteja mascarando falhas e falta de vontade de redesenhar as formas de medir produtividade há muito sedimentadas no inconsciente coletivo das empresas. “A imensa maioria da alta liderança não deseja o trabalho à distância e aceita o híbrido a contragosto. Pode até gostar da ideia do remoto, mas acredita mesmo é no presencial, no corpo a corpo, no olho no olho”, afirma Rogério Chér, sócio-fundador da consultoria Devello e ex-diretor corporativo de RH da Natura. Não é um bom começo…

Uma chance à flexibilidade

O novo padrão na realidade é velho para algumas empresas, que já tinham até seu próprio sistema de videoconferências antes de a crise sanitária estourar. A pandemia generalizou o formato, mas precisa de aderência e confiança, com as companhias — dos C-levels à operação de base — lidando melhor com algo que requer constante adaptação: a flexibilidade. A questão é abandonar de vez a arcaica régua “tempo à disposição da empresa”, e medir produção e resultados de maneira mais inteligente. “Não se trata do período dedicado, e em alguns casos nem do horário de trabalho, mas da entrega em termos de qualidade e prazo”, diz Sandra Souza, psicóloga e consultora para orientação e transição de carreira na Lee Hecht Harrison. “Se o funcionário quiser trabalhar de madrugada, pois é mais produtivo nesse horário e porque durante o dia tem outras coisas para administrar, ele deveria poder fazer isso”, afirma Sandra, que acredita que os modelos de gestão tendem a regredir a um passado que desconsidera a assincronicidade da comunicação e a complexidade das necessidades humanas.

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Gráfico A Vida no Trabalho Remoto
(VOCÊ RH/VOCÊ RH)

O conceito de desempenho deve ser o mesmo para o presencial, o remoto e o híbrido. “É ‘o que entrego’, que são as metas individuais ou coletivas, somado ao ‘como entrego’, que está intrinsecamente ligado à cultura organizacional”, diz Rogério. Mas se o líder atuar via microgerenciamento, com hipervigilância ou premissas como “ele está economizando tempo ao não se deslocar até a empresa, então que trabalhe mais”, o problema pode estar aí, na visão obsoleta da gestão.

Alvo errado

A paranoia está à solta e não é só aqui: segundo levantamento do jornal The New York Times, dez dos maiores empregadores dos Estados Unidos usam software de tracking para monitorar a produção dos funcionários (veja mais na matéria Big Boss Brasil, nesta edição). Grandes nomes corporativos estão dando declarações que parecem refletir o passado, como Elon Musk sobre seus funcionários no Twitter (“Vão fingir que estão trabalhando em outro lugar”, frase dita antes do anúncio do fechamento de escritórios da companhia e da volta de equipes ao home office). “Quando sua missão, visão e estratégia de negócios são claras e quando você contrata as pessoas certas, o maior desafio é empregar um senso de confiança e responsabilidade na cultura de sua empresa”, diz a VOCÊ RH Clara Angelina Diaz-Anderson, consultora, coach de lideranças executivas e professora de desenvolvimento profissional da Universidade Harvard. “Quando você tem tudo isso, os funcionários sentem como se pertencessem à empresa. Pesquisas mostram que a produtividade e a boa performance se mantêm, mesmo que os líderes não estejam observando seus funcionários. É possível confiar nas pessoas. O maior desafio é moldar a cultura da companhia e fomentar o pertencimento, que são grandes responsáveis por reter funcionários por motivos que vão além de apenas um bom salário.”

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Independentemente da presença no escritório, o líder precisa estar disponível para redesenhar caminhos ao longo da jornada de cada um da equipe — e reconsiderar formas de trabalho, se for o caso —, além de ajudar a estabelecer prioridades, para dar mais clareza do que deve ser feito.

Cenário econômico

Vale lembrar que essa discussão deve ganhar espaço nas conversas da liderança durante um 2023 que promete ser desafiador especialmente para CEOs e diretores financeiros. Até onde se vê, eles têm pela frente um cenário incerto de negócios, com o mercado elevando a projeção de inflação, instabilidades nas cadeias de suprimento globais, guerra na Ucrânia, juros altos, aquecimento global. E lidar com todas essas questões também gera reflexos na gestão do capital humano em todas as esferas corporativas. Então, é natural que cobrem dos gestores mais eficiência. A questão é como fazer isso de modo alinhado aos novos tempos — e aos novos contratempos. “Produtividade, para mim, está relacionada à entrega, e o trabalho híbrido chegou para ficar”, diz Alexandre Maioral, presidente da Oracle Brasil, multinacional de tecnologia que tem 85% da força de trabalho no país atuando no modelo híbrido ou remoto. “Definimos objetivos e metas periodicamente e todos têm clareza de qual é o seu papel para o resultado geral da empresa. Se as pessoas estão comprometidas com isso, considero que são produtivas”, afirma Alexandre. “Quando contratamos alguém, um dos comportamentos e valores que buscamos é o sentimento de dono. Pessoas com essa característica se comprometem com suas entregas e buscam maneiras de realizá-las.”

O trabalho remoto não está imune a críticas. Momentos longe fisicamente dos pares podem levar à perda de algumas competências sociais que levaram tempo para ser adquiridas. O senso de conexão e pertencimento pode sofrer danos. Com menos vivência em situações de conflito, como ocorre quando os profissionais compartilham o mesmo ambiente, cresce o risco de haver baixa tolerância à frustração. No virtual, comportamentos mais agressivos, sem empatia e polidez, podem aumentar — estão aí as redes sociais que não nos deixam mentir. Até comportamentos obsoletos como a microgestão, focada nas horas trabalhadas e não nas entregas, se fortalecem, principalmente devido à incerteza que novos modelos trazem. Mas é quase uma unanimidade entre os entrevistados para esta reportagem: é impossível engajar e inspirar sem desenvolver uma adequada dose de conexão pessoal. Esse componente exercita a proximidade, a intimidade, a construção de vínculos e, principalmente, a confiança — que gera segurança psicológica para afastar qualquer paranoia.

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Gráfico Crise de Confiança
(VOCÊ RH/VOCÊ RH)

Esta reportagem faz parte da edição 84 (fevereiro/março) de VOCÊ RH. Clique aqui para se tornar nosso assinante

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