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People analytics – Um raio X (e um GPS) dos colaboradores

A gestão de pessoas com tecnologias de inteligência de dados ganha fôlego nas decisões de atração e retenção de talentos – e para o desligamento também.

Por Michele Loureiro
Atualizado em 6 abr 2024, 12h41 - Publicado em 2 abr 2024, 18h49
Imagem de uma visão superior de pessoas andando em um chão composto por números binários.
 (Hiroshi Watanabe / Getty Images/Reprodução)
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“Sorria, você está sendo filmado.” Esse aviso em escritório não tem nada de novo nem de raro. Há quem fique incomodado com o monitoramento, mas o fato é que, em ambientes profissionais, ele não parou no Big Brother da câmera na parede. Agora, algumas companhias sabem praticamente tudo sobre seus colaboradores. Quantos quilômetros percorrem até a empresa, de quantas reuniões participam, tipo sanguíneo, histórico de doenças, frequência de prática de exercícios… e até quanto tempo demoram no cafezinho.

Tudo isso é possível graças ao uso de ferramentas de people analytics, um método de gestão de pessoas ligado ao conceito de big data, que consiste na coleta, armazenamento e análise de um volume imenso de dados. Nos últimos anos, essas informações têm servido para um mapeamento completo das equipes, e o motivo não é espionar ninguém. O objetivo é ter subsídios para tomada de decisões em frentes como atração e retenção de talentos, promoções, desligamentos, criação de políticas e definição de benefícios corporativos.

O uso mais comum da ferramenta começa na área de recrutamento e seleção. “As empresas não buscam mais o ano de término ou nome da faculdade e qual curso o candidato fez. Querem saber se há soft e hard skills compatíveis e se aquele candidato se enquadra na cultura da empresa. A inteligência artificial ajuda nesse trabalho de people analytics e reduz a chance de erro”, diz Felipe Azevedo, CEO da consultoria LG Lugar de Gente.

A menção à IA é pertinente. Um relatório sobre o futuro do trabalho, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial, apontou que mais de 75% das empresas participantes estão implementando ferramentas de IA em seus negócios, incluindo no uso de people analytics. “Esse tema não é uma moda passageira. É algo que vem ganhando maturidade dentro do mercado de trabalho e não tem mais volta”, afirma o executivo.

Para Joaquim Santini, pesquisador e consultor do universo corporativo, as ferramentas de people analytics são ideais para otimizar processos de recrutamento e ajudam a diminuir o tempo de preenchimento da vaga, o custo por contratação, aumentar a taxa de aceitação de ofertas e a qualidade das contratações. Também têm impacto na questão de abandono inicial, a porcentagem de novos empregados que deixam a empresa dentro de seis meses a um ano.

Fernando Luciano
Fernando Luciano, da Vivo: “O people analytics nos ajudou a desenvolver um modelo de previsão de saídas voluntárias, que hoje é disponível a toda a liderança”. (Vivo/Divulgação)

Essa é a aposta da Vivo, que mantém um time com 11 pessoas só para people analytics e dedica uma parte delas especificamente para o recrutamento de talentos. Para Fernando Luciano, diretor de Gestão de Pessoas da companhia, a ideia é tentar reduzir a subjetividade das decisões com ajuda da tecnologia. “Com a automação de processos, temos projetos em atração de talentos que conseguiram reduzir em 50% o tempo de fechamento de uma vaga. Ou seja, gastamos metade do tempo para contratar um candidato”, diz. “Tudo é feito com análises complexas e estratégicas, claro, mas com um esforço operacional bem menor.”

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A companhia de telecomunicações gasta parte importante do tempo tentando identificar os gaps entre sistemas e processos que podem prejudicar a experiência dos colaboradores. “Os dados nos ajudam a construir soluções que sejam simples e inovadoras, o que resulta em um processo de desenvolvimento bastante sofisticado. Já começamos a usar IA generativa e em breve teremos os primeiros resultados”, afirma.

Com 33 mil funcionários, a Vivo também se preocupa em reter seus talentos. “O people analytics nos ajudou a desenvolver um modelo de previsão de saídas voluntárias, que hoje é disponível a toda a liderança”, afirma o executivo. Com base em um casamento de informações – como data da última movimentação, evolução das pesquisas de clima, feedbacks e remuneração –, o sistema alerta quando há chances de demissões e formula recomendações que auxiliam o líder a criar ações para manter seus melhores profissionais na casa.

O início é identificar o que a empresa quer saber

“O uso de dados sempre começa com uma pergunta certa. Qual é o problema que eu quero resolver?”, diz Marco Marcelino, chefe de Dados da Serinews, empresa de inteligência de mercado. “A partir daí, o RH pode contar com esse ecossistema para gerar insights por meio de algoritmos que se baseiam em padrões de sucesso. O que você levaria meses ou anos para saber ao perguntar de um por um, a tecnologia resolve em minutos.”

A lista de empresas que já usam a tecnologia é grande e os usos são bem variados. Cada uma dessas companhias fez sua pergunta. Na Ambev, a questão foi como aumentar as vendas. Com um algoritmo, o people analytics fez um mapeamento do desempenho dos colaboradores e criou programas de treinamento que elevaram a produtividade. Já na Vale, a pergunta era sobre segurança no trabalho. A tecnologia ajudou a mineradora a reduzir acidentes a partir de insights sobre ocorrências anteriores, que levaram a políticas de segurança mais robustas e a um ambiente de trabalho mais seguro.

 Os desafios para dar resultado

Marco Marcelino
Marco Marcelino, da Serinews: “O uso de dados sempre começa com uma pergunta certa. Qual é o problema que eu quero resolver?”. (Serinews/Divulgação)

Não que seja fácil. A beleza e a dificuldade no uso de people analytics caminham lado a lado. “A realidade é que ainda há muitos sistemas descentralizados, com dados desatualizados ou que ainda não estão na nuvem”, afirma Marco. “Há empresas não têm inventário com dados antigos também. Não tem como olhar o futuro sem entender o passado. O desafio é fazer a tecnologia instrumentalizar o líder para que ele tome decisões embasadas no dia a dia com uma chance de erro consideravelmente menor. Mas isso só é possível com todas as cartas na mesa.”

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Há mais itens na lista de desafios, como a questão cultural, por exemplo. Nas empresas, ainda há líderes que relutam em aceitar o que os dados apontam e optam apostar em preferências pessoais para escolher quem deve ser promovido, por exemplo.

Outro problema é encontrar profissionais de RH prontos para trabalhar com a análise de dados esta, inclusive, é uma das profissões em alta para este ano, segundo relatório da consultoria Robert Half.

Na Constance, rede de calçados com 850 colaboradores, a tecnologia é usada há quase dois anos e já ajudou na redução de custos na folha de pagamentos e na redução do turnover, com implantação de medidas preventivas a partir da análise de dados. Porém a falta de especialistas em people analytics tem adiado mais avanços. “Melhoramos significativamente a gestão de recursos humanos e impulsionamos o sucesso da empresa no longo prazo, mas ainda esbarramos na dificuldade de contratação de profissionais com expertise em análise de dados para ir além”, diz Deyse Luci, gerente de Gente da Constance.

Quem já está na frente

Mesmo com esses desafios, há empresas que já conseguiram ir além da fase inicial do uso de people analytics. A Natura é uma delas. Foi das primeiras companhias a apostar na tecnologia: em 2011 começou a testar algumas aplicações. Mas nos últimos anos essa transformação na forma de tomar decisões ficou mais evidente na empresa, que tem 15 mil colaboradores. “Em 2021, demos um passo importante na arquitetura de sistemas quando unificamos todos os processos de gestão de pessoas em uma única ferramenta. Isso permitiu iniciar a construção do nosso data lake [repositório que armazena, processa e protege uma grande quantidade de dados] de RH e criar relatórios com análises mais integradas”, diz Matheus Curty, head de Agilidade, Gestão Estratégica e People Analytics da Natura.

No ano passado, a companhia criou uma estrutura de people analytics, com squads focados nessa evolução: um para melhorar a camada de dados e outro para aprimorar o advanced analytics, incorporando IA generativa. “Nossa intenção é conseguir ter cada vez mais modelos preditivos que nos apoiem nas decisões de pessoas e de negócio”, diz o executivo.

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Um desses modelos preditivos é o de controle de turnover. Analisando todo o histórico e as características dos colaboradores que saíram nos últimos anos, a inteligência artificial identifica quem tem maior propensão de saída e dá uma chance de reverter esses desligamentos. “O people analytics traz insights importantes não só sobre o que motiva os colaboradores a sair, mas também direciona necessidades de desenvolvimento para o próprio gestor”, afirma Matheus.

A meta da Natura para alavancar o uso da ferramenta é empoderar a liderança. “Estamos evoluindo a acuracidade dos modelos com apoio de IA e trabalhando em um plano de gestão da mudança para, primeiro, criar maturidade nos líderes para que tenham acesso a esse tipo de informação, depois fornecer um cardápio de ações que podem ser executadas por eles em cima desses resultados”, diz o executivo, que assume que o processo pode ser longo. “O RH sempre fica por último nas decisões e investimentos de evolução de seus sistemas, e com people analytics não é diferente. O grande desafio é mostrar o impacto que isso pode ter na tomada de decisão.”

Lei de uso de dados

Enquanto as empresas focam em saber cada vez mais sobre o perfil e os sentimentos de seus colaboradores, a questão da confidencialidade dos dados está sempre em pauta. Para os especialistas, a proteção das informações, prevista na LGPD, costuma ser tranquila e aceita pelos funcionários. “Não acredito em dilema ético quando é feito o que é previsto pela lei”, diz Felipe Azevedo, da consultoria LG. A aposta é pela transparência das informações. “Uma vez que os colaboradores sabem que aqueles dados estão sendo coletados e podem ajudar na personalização de soluções, acredito que é positivo. Isso é diferente quando se trata de uma empresa onde você não trabalha, como uma loja, que quer acesso aos seus dados. É uma questão de contexto”, afirma o CEO.

Para Marco Marcelino, da Serinews, a coleta de dados deve ser baseada em um tripé chamado de LEC (Legal, Ético e Compliance). “O fundamental é atuar de acordo com as leis, mas segundo o compliance da empresa e sabendo que a ética é essencial. Afinal, não é proibido ter um binóculo, mas espionar uma pessoa sem consentimento não é permitido”, destaca.

Jogando dentro das regras, podemos esperar por uma expansão do uso de people analytics, lidando com temas de diversidade e saúde mental, questões que costumam vir acompanhadas de vieses inconscientes.

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Afinal, como mostra esta reportagem, a finalidade da tecnologia em inteligência de dados não é ser um estetoscópio que aponte os defeitos de cada colaborador. Está mais para um raio X, que mostra o que precisa ser tratado e o que já está ótimo na saúde da relação entre funcionário e empresa.

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Telemetria de ambiente

Empresas já são capazes de monitorar cada passo de seu colaborador dentro do escritório. Uma prática que permite melhorar as decisões da liderança.

Escritórios e fábricas do país já contam com monitoramento do tempo de seus colaboradores por meio de telemetria de ambiente. Trata-se de sistemas baseados num conjunto de sensores, que conseguem medir exatamente quanto tempo as pessoas ficam nas cadeiras, se movimentam pelo escritório, conversam com parceiros ou se atrasam. O objetivo não é (ou não deve ser) ficar controlando os minutos dos funcionários, mas documentar e coletar dados para a melhora de sua performance ou para saber com quem pode contar de fato.

 Segundo Marco Marcelino, da Serinews, muitas companhias contratam esse tipo de serviço antes de tomar decisões de desligamento, por exemplo. “Imagine uma empresa que investe R$ 30 milhões em uma máquina e contrata um funcionário para operá-la, e ele fica 30% do seu tempo fora, andando pela fábrica. Com a telemetria, a gente mapeia o tempo e consegue usar os dados para melhorar a comunicação entre líderes e colaboradores, o comprometimento e, consequentemente, a produtividade”, diz.

 

O que ainda vem por aí

Conheça o que ainda será mais explorado com people analytics num futuro próximo: benefícios associados a fatores emocionais, sociais e inconscientes presentes na vida organizacional.

 

Fortalecimento da cultura organizacional: A análise de dados vai identificar e reforçar valores e comportamentos fundamentais para a cultura da empresa, promovendo alinhamento e um senso de pertencimento.

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Compreensão profunda dos funcionários: People analytics pode revelar insights sobre o bem-estar emocional, a satisfação no trabalho e as motivações dos funcionários, o que ajudará a criar um ambiente mais positivo e produtivo.

Melhora do engajamento: Ao entender os fatores que influenciam o engajamento dos funcionários, as organizações podem desenvolver estratégias direcionadas para aumentar a satisfação e o comprometimento.

Desenvolvimento de liderança com inteligência emocional: Pode identificar gestores com muitas soft skills e ajudar no desenvolvimento de habilidades de liderança que levem em conta o aspecto humano.

Promoção da diversidade e inclusão: Ao usar dados para entender as dinâmicas de grupo e as relações sociais, as empresas podem trabalhar ativamente para eliminar vieses inconscientes e promover um ambiente de trabalho inclusivo.

Redução de conflitos: Com insights sobre a interação social e a dinâmica da equipe, people analytics pode ajudar a prever e mitigar desentendimentos entre as pessoas, melhorando a colaboração e a comunicação.

Personalização da experiência do funcionário: A análise de dados permite oferecer experiências de trabalho personalizadas, que atendam às necessidades individuais dos funcionários, aumentando a satisfação e a retenção.

Identificação de líderes e influenciadores: People analytics é capaz de identificar funcionários que, embora possam não estar em posições de liderança formal, são influenciadores naturais e contribuem significativamente para a moral e a cultura da equipe.

Aumento da resiliência organizacional: Compreendendo melhor os fatores humanos, as organizações podem desenvolver uma força de trabalho mais resiliente e adaptável a mudanças e crises.

Melhora na saúde e no bem-estar: Ao identificar os fatores que afetam o bem-estar dos funcionários, as empresas podem implementar programas de saúde e bem-estar mais eficazes.

 Fonte: consultor Joaquim Santini

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Este texto faz parte da edição 91 (abril/maio) da VOCÊ RH. Clique aqui para conferir os outros conteúdos da revista impressa.

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