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Semana de 4 dias

Projeto-piloto reunindo empresas brasileiras tem seus primeiros resultados. Saiba quais foram os impactos no trabalho – e no bem-estar das pessoas.

Por Alexandre Carvalho
Atualizado em 11 jun 2024, 13h40 - Publicado em 7 jun 2024, 07h24
Há uma cápsula de remédios com clipes de papel, uma xícara de café, um teclado, uma caneta e um bloco de notas.
 (Foto: Studio Oz/VOCÊ RH)
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Que tal trabalhar só três horas por dia? É o que deveríamos estar fazendo. Pelo menos, essa é a opinião de um dos economistas mais influentes de todos os tempos, o britânico John Maynard Keynes (1883–1946), um dos pais da macroeconomia moderna. Em 1930, Keynes escreveu um ensaio chamado “Possibilidades Econômicas para os Nossos Netos”. Foi quando disse que, com a evolução das tecnologias, as pessoas do futuro (nós, a propósito) precisariam de menos tempo de batente para manter a mesma produtividade de antes. Algo não muito diferente do que muitos especialistas apontam hoje, principalmente com a chegada da Inteligência Artificial. Mas, na hora de indicar quanto cada indivíduo trabalharia, ele foi radical: 15 horas por semana. Basicamente divididas entre segunda e terça-feira. Ao término da tarde do segundo dia, poderíamos postar um “Terçou!” no Instagram e começar um longo fim de semana de cinco dias.

Para o americano Richard Freeman, professor de Economia em Harvard, a previsão de Keynes subestimava o desejo humano de competir. Faz sentido. Se meu concorrente trabalha só dois dias, quanto eu não produzirei a mais, e lucrarei a mais, trabalhando cinco? Mas Freeman também pode ter subestimado outro tipo de pensamento, cada vez mais presente entre os profissionais, principalmente os mais jovens: o de que a qualidade de vida precisa estar acima dessa ânsia por competir. Ou outro: o de que talvez estejamos mais criativos e produtivos justamente com um maior equilíbrio entre a vida pessoal e a de crachá.

Uma mulher de cabelos compridos e brincos grandes. Há uma pilha de livros no cenário.
Renata Rivetti, diretora da Reconnect: “Talvez eu não precise mais mensurar se o profissional está das 8 da manhã às 6 da tarde na frente do computador”. (Foto: Celso Doni/VOCÊ RH)

Os que riem da teoria keynesiana talvez também rissem, no início do século 19, quando um viajante do tempo revelasse que, num país de tantos atrasos como o Brasil, teríamos uma legislação trabalhista determinaria um limite de 44 horas semanais de labuta. Naquela época de Revolução Industrial, homens, mulheres e até crianças enfrentavam jornadas de 80 a 100 horas nas fábricas. Vida pessoal? Só no domingo para os cristãos, e no sábado para os judeus, quando podiam descansar em respeito às doutrinas de suas religiões.

Essa condição de escravos assalariados mudou, ironicamente, por iniciativa de um industrial: Henry Ford (1863–1947). O inventor da linha de montagem para a fabricação em massa de automóveis entendeu que, com mais tempo livre, as pessoas gastariam mais com lazer, e esse dinheiro iria também para a compra de seus carros. Por isso, foi o primeiro grande empresário a apoiar os movimentos que já existiam, pedindo a semana de cinco dias. Sua influência era grande na indústria, e logo as pessoas deixariam de trabalhar aos sábados nos Estados Unidos. 

Já deu para ver que as iniciativas em prol de uma semana de quatro dias (quatro… calma lá, Keynes) têm precedentes históricos de diminuição da jornada de trabalho. E, se elas emplacarem mesmo, vamos lembrar, daqui a muitos anos, de outro visionário: o neozelandês Andrew Barnes.

O pai da semana reduzida

Foi em 2018 que a administradora de bens e testamentos Perpetual Guardian, de Auckland, na Nova Zelândia, veio com a novidade: seus funcionários passariam a trabalhar só quatro dias por semana, sem corte salarial. Seu fundador, justamente Andrew Barnes, estabeleceu a regra 100:80:100: pagamento de 100% do salário para funcionários trabalhando 80% no tempo, desde que com 100% de produtividade.

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Dois anos depois, em artigo exclusivo para a Veja, Barnes explicou como foi a experiência com sua empresa: “Os resultados sempre foram excepcionais. Naquela época, eu já estava convencido de que o modelo de oito horas de trabalho por dia, cinco dias por semana, não era mais adequado à finalidade da Quarta Revolução Industrial, a era da hiperconectividade digital, em que as pessoas nunca estão realmente ‘fora do expediente’”.

Após sua empresa passar cinco meses nesse modelo de trabalho, Andrew Barnes celebrou os resultados da experiência (que manteve definitivamente): 20% de aumento na produtividade, redução dos níveis de estresse da equipe e aumento do engajamento dos clientes em mais de 30%. 

Os resultados chamaram atenção de diversas empresas mundo afora, e foi a faísca para a criação, em 2019, da 4 Day Week Global, organização liderada por Barnes e a CEO Charlotte Lockhart, que realiza estudos e pesquisas a respeito da semana de quatro dias, e incentiva empresas a testar o modelo.

Seu maior momento até agora foi com a divulgação de um estudo que aconteceu entre junho e dezembro de 2022, no Reino Unido. 

O estudo britânico

Um homem de cabelos escuros, barba e bigode vestido uma camiseta preta. Ele está de braços cruzados.
Rodrigo Villaboim, da .be comunica: “A oferta do modelo de quatro dias foi um diferencial para atrair e reter alentos”. (Foto: Celso Doni/VOCÊ RH)

Ao longo desse período, 2.900 trabalhadores de 61 empresas trabalharam 80% de suas horas, sem redução do salário, com o objetivo de manter 100% de suas entregas. Os resultados foram impressionantes. O relatório da 4 Day Week apontou um aumento de produtividadede 55%, e 43% dos colaboradores relataram melhora na saúde mental.

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Só essas duas conclusões bastariam para que as empresas estabelecessem o modelo de forma definitiva, certo? Quem participou do experimento concorda. 90% dos entrevistados disseram que gostariam de permanecer com a semana de quatro dias, e 15% disseram que não tem volta: não retornariam aos cinco dias semanais nem por um salário maior. Não é coincidência, então, que o turnover nas empresas participantes tenha caído 57%.

O sucesso foi tamanho que a 4 Day Week começou, rapidamente, a fazer novos experimentos em países como EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Opa, e também no Brasil, onde o braço nacional da organização, em parceria com a FGV e o Boston College, deu início a um projeto-piloto com 21 empresas, e já tem os primeiros resultados para divulgar.

A experiência contou com uma fase de planejamento e reorganização da prática de trabalho. O processo envolveu três meses de workshops, sessões de facilitação, mentoria e apoio de Renata Rivetti, diretora da Reconnect Happiness at Work & Human Sustainability, e responsável pela iniciativa aqui.

Para a diretora da Reconnect, a mudança na forma de avaliar o trabalho das pessoas é  importante para que a mentalidade das lideranças também mude, abrindo espaço para menores jornadas de trabalho. “Talvez eu não precise mais mensurar se o profissional está das 8 da manhã às 6 da tarde na frente do computador, e sim começar a olhar o que ele entregou, se bateu com as expectativas do líder dessa pessoa.”

Por isso, a fase de preparação e reorganização da prática de trabalho foi tão importante. Não dá para transformar o modelo de jornada do colaborador se todos continuam trabalhando da mesma forma.

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A boa notícia é que, no Brasil, esse planejamento e orientação deram certo. Pelo menos é o que fica claro diante dos primeiros resultados do estudo, divulgados em abril (haverá uma nova observação do comportamento das empresas em julho). Vamos a eles.

Os resultados brasileiros

Entre as principais conclusões do relatório, vale destacar que 62,7% dos indivíduos tiveram redução de estresse no trabalho e 64,9% não se sentem mais desgastados no fim do dia. Além disso, 56,5% não estão frustrados como antigamente, e quase 30% dos participantes não mudariam de emprego para voltar a trabalhar cinco dias por salário nenhum.

Além disso, o estudo mostrou o aumento de 78,1% na disposição dos colaboradores para o tempo de lazer ou estar com a família e amigos, a redução de 49,3% no desgaste emocional e a diminuição de 64,5% nos sintomas de exaustão.

“Essa informação de que a pessoa não voltaria a trabalhar cinco dias por semana, mesmo diante de um aumento de salário, mostra como a adoção do modelo de quatro dias também é um fator de atração e retenção de talentos”, diz Renata Rivetti.

Empresas que se deram bem com o modelo

Um homem vestindo roupa social sorrindo para a foto.
Fabrício Oliveira, da Vockan: “Uma empresa que proporciona mais saúde mental para seus colaboradores se torna muito atraente”. (Divulgação/VOCÊ RH)

Essa também foi a impressão que teve Fabrício Oliveira, CEO da Vockan, uma empresa de software de gestão integrada industrial, que conta com 111 colaboradores. “Um negócio que proporciona mais saúde mental para seus colaboradores se torna muito atraente”, diz o executivo. 

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Fabrício afirma que a empresa adotou o modelo de quatro dias antes mesmo do projeto da 4 Day Week começar no Brasil. E que fez sua preparação própria para que o modelo desse certo. “Monitoramos o que o colaborador fazia no mês e no dia a dia dele. E aí constatamos que existia uma perda gigantesca de tempo, em torno de duas a três horas diárias, com reuniões desnecessárias e com falta de foco, muita dispersão usando WhatsApp, redes sociais… Então, hoje, na Vockan, o limite de tempo para as reuniões é de 30 minutos. E fizemos uma reeducação dos colaboradores quanto à gestão do tempo. O resultado é que tivemos aumento na produtividade, no engajamento e na felicidade das pessoas. O último relatório que eu recebi aponta que 60% dos colaboradores se dizem muito felizes aqui, e 40%, felizes.”

Pequenos negócios, muita gente sorrindo

Mas será que essa felicidade se estenderia a negócios pequenos, nos quais a falta de um único colaborador pode representar um transtorno para a empresa? Segundo Rafael Grimaldi, felicidade no trabalho independe do tamanho da organização.

Ele é cofundador da Inspira, empresa de tecnologia que atua para o setor jurídico, e tem apenas 20 colaboradores. Gente que está sorrindo de orelha a orelha com a novidade dos quatro dias. “A gente já consegue perceber uma melhora muito significativa no humor e na sensação de bem-estar das pessoas”, diz oexecutivo. “Estamos recebendo feedbacks de colaboradores dizendo que agora têm mais tempo para viver. Essa frase é muito forte.”

Quanto aos desafios pelo fato de a empresa ser um negócio enxuto, Rafael diz que fez uma escala de revezamento de dias da semana. Há quem tire a folga na sexta, há quem tire na segunda. Assim, principalmente na área de suporte, o cliente nunca fica sem resposta.

Um homem usando óculos, com barba e cabelos escuros sorrindo.
Rafael Grimaldi, da Inspira: “Estamos
recebendo feedbacks de colaboradores dizendo que agora têm mais tempo para viver. Essa frase é muito forte”. (Foto: Celso Doni/VOCÊ RH)

Outra empresa que não esperou a 4 Day Week implantar o projeto no Brasil para testar o modelo de quatro dias é a agência de marketing e eventos .be comunica. “Estávamos passando por um momento de muita rotatividade entre as agências, e a oferta do modelo de quatro dias foi um diferencial para atrair e reter talentos”, diz Rodrigo Villaboim, sócio-fundador.

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Segundo ele, a agência vem tendo ótimos resultados com o modelo, mas nem todos da equipe já estão amadurecidos suficientemente para se adaptarem aos prazos de entrega menores. “A maioria já conseguiu concentrar a produção em quatro dias, e fez isso cortando a conversa no café, diminuindo a ociosidade… Mas, como em toda grande mudança, estamos num aprendizado constante, evoluindo gradualmente nessa maturidade.”

Claro, a transformação nunca é simples. Para algumas empresas, chegar lá é tão fácil quanto cancelar algumas reuniões e fazer melhor uso da tecnologia para liberar tempo. Para outras, há necessidade de reformular fluxos de trabalho e sistemas de agendamento. 

Mas tanto a experiência brasileira quanto a do Reino Unido estão mostrando que, sim, é possível conjugar produtividade com melhora do bem-estar das pessoas, dando a elas o que é mais importante: tempo para aproveitar a vida. Que o trabalho seja, como é de fato, parte preciosa na nossa experiência na Terra. Só não pode ser oque nos adoece e exclui tudo o que está fora do escritório.

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Este texto faz parte da edição 92 (junho/julho) da Você RH. Clique aqui e confira os outros conteúdos da revista impressa.

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