Do pavor ao orgulho: como Miriam Branco gere o RH do Einstein na pandemia
Contratar milhares de pessoas, encarar o medo e cuidar da saúde. Conheça os desafios de Miriam Branco, diretora de RH do Hospital Albert Einstein
Com uma história de quase 30 anos no Hospital Israelita Albert Einstein, Miriam Branco da Cunha, diretora de RH da instituição, já enfrentou várias situações difíceis. Mas a pandemia do coronavírus foi um dos momentos mais desafiadores da sua carreira, desde o início da crise. Afinal, foi no Einstein, em 26 de fevereiro de 2020, que o primeiro caso de covid-19 foi diagnosticado do Brasil. De lá para cá, o país teve mais de 500.000 mortes por causa da doença.
No Einstein, Miriam e sua equipe tiveram que contratar milhares de pessoas em tempo recorde para dar conta da demanda crescente, ajudar a manter o equilíbrio mental das equipes e cuidar da saúde dos funcionários e de seus familiares. Sem perder nenhum profissional e tratando internamente todos os funcionários e dependentes que contraíram a doença, Miriam se sente orgulhosa em ajudar na luta contra a covid-19 no país, já que o Einstein, com seus quase 15.000 funcionários, tem parcerias com o Sistema Único de Saúde, gerenciando os hospitais públicos da Vila Santa Catarina e do M’Boi Mirim.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista que a diretora concedeu para VOCÊ RH.
Do pavor ao orgulho
“Eu tive alguns momentos durante a pandemia. A minha primeira reação foi de medo do que estava por vir. Será que eu teria que lidar com a morte de funcionários da linha de frente, como estava acontecendo no exterior? Como eu iria contratar pessoas dizendo que elas iriam entrar numa batalha com a possibilidade de não voltar para casa? Foi um pavor. Mas o Einstein me deu muita segurança nesse processo. Tudo o que eu pedi me foi dado. O meu maior presente foi poder tratar aqui dentro os funcionários que fossem contaminados. Não somos detentores da vida ou da morte, mas vamos tentar tudo o que pudermos, com excelência. E isso dá uma motivação grande. Passei do pavor para o orgulho gigante de fazer parte disso.”
“A minha primeira reação foi de medo do que estava por vir. Será que eu teria que lidar com a morte de funcionários da linha de frente, como estava acontecendo no exterior?”
Empatia com os pacientes
“Não é raro a gente saber de ações de sensibilização dos nossos funcionários. O pessoal que trabalhava no Hospital de Campanha do Pacaembu, que o Einstein geriu, precisava, como todo mundo que lida com a covid, ficar paramentado com máscara, óculos de proteção e macacão. É impossível você reconhecer alguém assim. Por isso, eles colocavam suas fotos nos uniformes, para que os pacientes soubessem como eram os rostos de quem cuidava deles. A criatividade de quem está na linha de frente é enorme. Alguns dias atrás, viralizou o vídeo de uma médica nossa tocando violão e cantando para os pacientes na UTI do M’Boi Mirim, hospital público que o Einstein gerencia. Nós sempre divulgamos esses momentos, pois gera muito orgulho.”
Parceria com o SUS
“No começo da pandemia no ano passado, as pessoas começaram a se isolar na cidade e o número de internados na rede privada caiu, inclusive no Einstein. Como tínhamos um número grande de contratados que ficariam ociosos, transferimos esse pessoal para os hospitais públicos com os quais temos parcerias, como o da Vila Santa Catarina (no bairro do Jabaquara) e o do M’Boi Mirim (no Jardim Angela). Sentamos em pequenos grupos formados pelas lideranças e pelos profissionais para perguntar se eles aceitariam a proposta. Nnguém recusou: transferimos 500 pessoas. Para cuidar da segurança e dar mais bem-estar, criamos um serviço de transporte que os leva do Morumbi, onde fica o Einstein, até os outros hospitais.”
Mais de um ano de pandemia
“Não imaginava que estaríamos nessa situação quando tudo começou. O mundo inteiro achava que seria o caos, mas que ia acabar logo. Em 2021, fomos percebendo que a crise é muito maior. A gente começa a observar e a pensar em formas de enfrentar, mas a energia do inicio é diferente da que temos agora. No começo, era para acabar com a sangria e todo mundo se dispunha a ajudar. Um ano depois, a coisa mudou: a vida segue e as áreas precisam trabalhar. Estamos mais bem preparados do que estávamos e temos que estudar outras formas de trabalhar com o novo cenário. Se a covid-19 continuar em ondas, como vamos lidar com isso?”
Contratação de 1.400 pessoas em 14 dias
“Olhando o que acontecia fora do Brasil em março do ano passado, fizemos uma estimativa de crescimento do quadro de profissionais da saúde para dar conta da demanda. Tivemos que contratar 1.400 pessoas em 14 dias. Por sorte, a gente já estava usando inteligência artificial para os processos seletivos e quando surgiu a demanda, era a hora de ampliar o uso. Foram apenas 36 horas para começar a aplicar a seleção em massa. Como é um processo complexo – preciso de provas, certificações, avaliação das habilidades que mudam de acordo com o tipo de atendimento -, não imaginava que íamos conseguir preencher tantas vagas em tão pouco tempo. Fizemos entrevistas e provas online, contando com grupos de funcionários, ex-funcionários e voluntários de outras empresas, pessoas que eu nem conhecia, que me procuraram oferecendo ajuda.”
“Tivemos que contratar 1.400 pessoas em 14 dias. Por sorte, a gente já estava usando inteligência artificial para os processos seletivos e quando surgiu a demanda, era a hora de ampliar o uso”
Vacinação e funcionários contaminados
“Estamos com 85% do quadro vacinado, quem não está vacinado são os mais jovens que estão em home office porque não recebemos vacina para 100% das pessoas. Vemos uma redução drástica do número de casos de covid-19 no nosso quadro. Isso dá energia porque a vacina faz muita diferença. Mas continuamos acompanhando diariamente as pessoas. Temos um orgulho grande de saber que não perdemos nenhum deles e os que adoeceram nós tratamos aqui dentro. Devemos cuidar de quem cuida dos outros.”
Cuidados com as famílias
“Os cuidados com a saúde se estendem para as famílias dos funcionários também: todos os dependentes que adoecerem serão tratados aqui dentro. Tivemos um caso de uma funcionária cujo filho de 21 anos precisou ser internado. Ele já teve alta, mas o cuidado com que foi tratado criou uma energia positiva, porque você via o filho de uma colega recebendo o melhor tratamento. Além disso, em 2020, fizemos uma parceria com o colégio Miguel de Cervantes para que os filhos dos funcionários pudessem ficar lá. Quase 500 crianças foram inscritas no projeto, assim os pais poderiam trabalhar sem preocupação, deixando os filhos aos cuidados de profissionais contratados por nós.”
Saúde mental
“Não podemos dizer que as pessoas não estão cansadas. Um ano de pandemia não é tarefa fácil e 2021 está com a demanda maior do que 2020. Tanto que transformamos mais 100 leitos em leitos de covid, tivemos que contratar 1.010 profissionais em março e mais 395 em abril. A nossa preocupação com a energia das pessoas é enorme, por isso eu e outras lideranças fazemos visitas às unidades, para ver como está o moral. Criamos um projeto chamado OUVID, que sensibiliza e treina as lideranças sobre saúde mental e leva psicólogos para as áreas. Eles ouvem os funcionários, entendem como estão naquele momento. E fazemos coisas simples também, como um café da manhã ou almoço com comidas diferentes. O RH participa do OUVID e conversa com os psicólogos, como funcionários mesmo.”
“Não podemos dizer que as pessoas não estão cansadas. A nossa preocupação com a energia é enorme, por isso eu e outras lideranças fazemos visitas às unidades”
Aprendizados da crise
“Aprendemos muitas coisas, mas o maior aprendizado é que somos capazes de fazer muito mais do que imaginamos. Não temos noção da nossa capacidade. Agora que conseguimos fazer contratações mais rápidas e online, aumentamos a nossa régua. Muitas vezes, nossas limitações são estruturais e quando precisamos conquistar um objetivo comum, as limitações desaparecem. Não dá para achar que os modelos de RH continuarão os mesmos no futuro, teremos que repensar remuneração, cargos, benefícios e reconhecimento. A tecnologia veio para ficar e isso é positivo. Há cinco anos, nós já possuíamos a telemedicina, mas o uso era baixo. Agora cresceu bastante. Quebramos estruturas, nos aproximamos e a parede não caiu.”