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O que faz um professor de “bots”? Conheça este e outros empregos do futuro

Proliferação de assistentes virtuais cria mercado promissor para uma gama variada de profissionais, de administradores a antropólogos

Por Mariana Amaro, da VOCÊ S/A
Atualizado em 5 dez 2020, 20h56 - Publicado em 4 Maio 2019, 06h00
Um robô cinza está sobre um fundo de tijolos verdes. Na parede, sobre a cabeça do robô, há uma lâmpada desenhada
 (Westend61/Getty Images)
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O dia amanhece e Theo­dore, um escritor solitário, é acordado por sua secretária virtual, Samantha, por quem está apaixonado. Ela diz “bom dia” com uma voz doce e faz piada da preguiça dele.

A cena, protagonazida por Joaquin Phoenix no filme Her, parecia tão improvável quando foi exibida nos cinemas que o longa recebeu o Oscar de Melhor Roteiro Original. 

A única coisa parecida de que se tinha notícia era a Siri, da Apple, que ainda soava mais como ficção de Hollywood do que algo palpável de fato. O ano era 2013. Na mesma época, Steffanie Caroline Telles de Souza, de 29 anos, tentava uma vaga de atendente telefônica no Bradesco.

“Entrei no banco almejando virar gerente de agência. Jamais imaginei que me tornaria professora de uma atendente virtual”, diz Steffa­nie, que desde 2016 faz parte do Centro de Inteligência Artificial do Bradesco, responsável pela “Bia”, a secretária digital que ganhou notoriedade em propagandas feitas pelo banco em pleno horário nobre de TV.

A primeira função de Steffanie, que é formada em administração de empresas, foi revisar os conteúdos que seriam “ensinados” para Bia — que já fez 90 milhões de interações com o público via mensagens de texto e comando de voz.

Agora como líder de projetos, cargo a que foi promovida no ano passado, sua missão é mais estratégica: observar falhas no sistema e deixar as falas mais claras e objetivas, melhorando a interação da máquina com os humanos. “Acho que estou numa das áreas mais promissoras do banco”, comemora.

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O administrador de empresas Edilson Oliveira Lima, de 31 anos, também líder de projetos, compartilha da mesma percepção da colega. Há nove anos no Bradesco, ele conta que atuar com inteligência artificial deu a ele uma oportunidade única de se diferenciar num mundo cada vez mais automatizado.

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“Participar desse processo expandiu meus horizontes e movimentou minha carreira. Recebi vários treinamentos da IBM, nossa parceira. Conhecer a tecnologia Watson, uma novidade no Brasil e no mundo, é algo relevante”, afirma.

 

O pontapé inicial de Bia aconteceu em 2016, quando o Bradesco comprou a operação do banco inglês HSBC no Brasil por 16 bilhões de reais. Naquele momento, os executivos decidiram criar um projeto piloto no qual uma assistente virtual ajudasse a orientar as cerca de 20 000 funcionários que estavam chegando.

“Ela esclarecia aos novos profissionais da agência quais eram os procedimentos para fazer uma restituição ou abrir uma conta, por exemplo”, diz Marcelo Câmara, gerente de pesquisa e inovação.

Ao passar no teste, a IA foi, enfim, lançada no mercado. Desde então, a equipe multidisciplinar que trabalha com ela quintuplicou. Hoje, o time é composto de gente de áreas tão distintas quanto ciência de dados, comunicação, linguística e antropologia.

E a expectativa é que o departamento siga crescendo. Apesar de não abrir número de vagas, a empresa está contratando neste momento designers, professores e curadores de informação para inteligência artificial. “Recrutamos no mercado.

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Mas, como não há graduação específica para atuar na área e nossa vocação é qualificar quem está aqui, olhamos muito para dentro de casa”, afirma Victor Queiroz, diretor de RH. De acordo com ele, mais da metade do time foi formada internamente. “No começo, enviávamos as pessoas para treinamentos no exterior”, diz. 

Embora o boom dos atendentes virtuais seja recente, os primeiros capítulos dessa história começaram na década passada, mais precisamente em 2007, quando estudantes da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, criaram a Siri, a primeira secretária automatizada para celular do planeta.

Comprada pela Apple três anos depois, por 200 milhões de dólares, a invenção foi disponibilizada nos aparelhos da marca em 2011. Hoje, segundo a consultoria especializada Verto Analytics, há 41,4 milhões de usuários ativos da tecnologia — mais do que as populações da Austrália, Uruguai e Suécia somadas.

Na cola dos gigantes

Apesar do pioneirismo da Apple, a guinada desse novo mercado só aconteceu a partir de 2015, após a Amazon e o Google lançarem caixas de som inteligentes para se comunicar com suas respectivas secretárias virtuais, Alexa e Google Assistance.

Entre outras habilidades, as duas fazem previsão do tempo, ligam e desligam dispositivos domésticos, chamam Uber e solicitam delivery de comida. Era o que bastava para virar febre.

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Hoje, de acordo com o eMarketer, consultoria de pesquisa, esse mercado avança no ritmo de 48% ao ano. Até 2020, segundo projeção da consultoria RBC Capital Markets, deve movimentar 15 bilhões de dólares.

 

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Números como esse explicam porque quase todos os segmentos da economia, do financeiro a beleza, estão criando seus assistentes virtuais.

Para executivos de grandes companhias, se houver de fato uma naturalização desse tipo de tecnologia, o maior risco é ficar para trás.

Afinal, quem vai querer pesquisar informações manualmente, sobretudo quando se está cozinhando ou dirigindo, quando se pode fazer isso com um simples comando de voz?

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A mais recente marca a anunciar sua entrada nesse mercado é a BMW. A alemã está desenvolvendo um assistente virtual para o BMW iNEXT, veículo elétrico a ser lançado em 2021.

Por aqui, os consumidores já lidam com a Bia, do Bradesco, a Lu, do Magazine Luiza, a Aura, da Vivo, e a Nat, da Natura.

No fundo, as companhias brasileiras se conscientizaram que a interação entre o real e o virtual é inevitável e só aumentará nos próximos anos — inclusive dentro delas próprias.

Estudo recente da consultoria Gart­ner mostra que 2% das empresas usam sistemas de reconhecimento de voz para esclarecer aos empregados dúvidas sobre benefícios, holerite e aviso de férias.

Até 2021, esse número saltará para 25%. “Na minha opinião, esse movimento transformará o mercado de trabalho como um todo.

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Além de gente de TI, serão demandados profissionais da sociologia e da antropologia, importantes para auxiliar na interação entre máquinas e humanos”, diz Patrícia Molino, sócia da área de gestão da consultoria KPMG.

Guerra de talentos   

Nesse momento, segundo fontes consultadas pela reportagem, um dos grandes desafios é encontrar mão de obra qualificada. E não adianta recrutar direto das salas de aula.

Boa parte dos estudantes sai da faculdade sem saber exatamente como aplicar o conhecimento técnico nos projetos de IA. A maior dificuldade é encontrar quem tenha vivenciado a tecnologia na prática.

“Como existem poucos profissionais prontos na área, companhias estão roubando funcionários umas das outras, fazendo uma espécie de leilão, o que não é saudável para os empregados, que podem estar entrando em uma bolha”, ressalta Edney Souza, professor de marketing digital da ESPM e diretor acadêmico do Digital House, centro de educação digital.

Segundo ele, o salário de um cientista de dados do setor gira em torno de 10 000 reais. “Mas especialistas com mais experiência podem receber propostas de até 25 000 reais.”

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Steffanie Caroline Telles de Souza e Edilson Oliveira Lima: a dupla é responsável por gerenciar o robô Bia, do Bradesco | Foto: Omar Paixão

É por isso que organizações vêm desenvolvendo esses profissionais dentro de casa. A Vivo é um exemplo. “Começamos a equipe da Aura [a assistente virtual dos serviços de telefonia] do zero.

Como competíamos por gente com bancos e gigantes de tecnologia, como Google e Amazon, optamos por formar internamente em nossa Universidade Corporativa. Não havia nenhum cientista de dados conosco, hoje já são 80”, diz Ricardo Sanfelice, vice-presidente de estratégia digital e inovação.

Além de cientistas de dados, há uma gama variada de especialistas no time. “Temos linguistas para ensinar o robô a entender regionalismos e sotaques, profissionais que escutam ligações para analisar o atendimento, corrigindo e prevendo interações, e gerentes de produto”, afirma Ricardo.

Segundo o executivo, essa equipe possui formações diversas e, desde agosto, já promoveu mais de 120 000 ajustes no sistema. Natália Poletto, administradora de 33 anos, teve seu cargo criado no momento em que a ideia da Aura nasceu. Sua porta de entrada foi na área de analytics, onde começou quatro anos atrás.

“Eu fazia estudos para entender o que o consumidor queria ou precisava”, conta. Hoje, ela prosperou na carreira e é uma das quatro gerentes que cuidam do dispositivo.

Natália faz uma espécie de ponte entre as áreas de negócio e o corpo técnico que desenvolve as soluções, definindo quais serão as próximas funcionalidades e os canais em que a Aura deve estar presente.

De acordo com ela, ter um perfil analítico é fundamental para a posição. Ter trabalhado com marketing e branding  a ajudou. “Eu já tinha a experiência de olhar para a marca e pensar em como ir além”, diz. Um dos aspectos que mais a encanta é o modo como os times de IA atuam.

“Atuamos em squads, sem liderança direta. Todos têm voz ativa e autonomia.”

Diante de todo esse “frisson”, Lucas Mendes, sócio-fundador da Revelo, plataforma de vagas na área digital, faz um alerta: empresas que investem para capacitar seus funcionários em IA precisam redobrar o cuidado com retenção.

Segundo ele, como a experiência no dia a dia é rara e o aprendizado prático é mais importante do que conhecimento teórico, indivíduos com atuação em grandes projetos de comando de voz têm atratividade 82% maior do que graduados em TI nas vagas que a plataforma divulga para o setor.

“Em cinco ou dez anos, nenhum RH vai considerar só a faculdade do candidato neste tipo de área”, diz o especialista. Uma projeção e tanto para quem busca explorar novas áreas de atuação.

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