Acúmulo de função ou ampliação de tarefas: entenda a diferença
Enquadramento jurídico depende da relação entre as novas atividades e aquelas previstas em contrato, além da frequência com que elas são realizadas.

Hoje, o ambiente de trabalho está exigindo cada vez mais flexibilidade dos profissionais. Nesse contexto, surge uma importante discussão trabalhista: quando as novas atividades caracterizam acúmulo de função – com direito a adicional remuneratório – e quando se trata de uma ampliação natural das atribuições do cargo?
O acúmulo de função ocorre quando o empregado passa a desempenhar, de forma habitual e permanente, tarefas adicionais que não estavam previstas em seu contrato de trabalho, são claramente distintas das suas funções originais e, portanto, demandam adicional remuneratório, conforme o artigo 457 da CLT.
Por outro lado, a ampliação natural de atribuições ocorre quando as novas tarefas estão relacionadas, ainda que indiretamente, com a função original do empregado, não representando um desvio de função ou aumento relevante de responsabilidade.
A jurisprudência trabalhista tem evoluído para reconhecer que nem toda ampliação de atribuições configura acúmulo de função, principalmente as pequenas tarefas complementares, quando compatíveis com a função. Por outro lado, a atribuição de funções distintas, com aumento de responsabilidade ou jornada, pode sim justificar o adicional.
Alguns exemplos práticos ajudam a compreender a diferença. Recepcionistas que organizam documentos e operadores de caixa que abrem a loja onde trabalham realizam atividades correlatas – trata-se de uma ampliação natural de atribuições. Estoquistas que atuam também como motoristas, por exemplo, e auxiliares administrativos que assumem funções de analistas estão acumulando tarefas. A compatibilidade técnica e a habitualidade – ou seja, a regularidade e a continuidade de determinada atividade laboral – são determinantes.
Coerência entre as provas
A análise probatória é o elemento central nas ações judiciais sobre acúmulo de função. Ainda que a responsabilidade de apresentar provas seja do empregado, empresas com documentação frágil podem se prejudicar. Por isso, contratos bem redigidos, descrições atualizadas de cargo, registros de rotina e manuais são essenciais para demonstrar a legalidade das funções exercidas.
Além da prova documental, a prova oral é estratégica: testemunhas com conhecimento direto da rotina do empregado fortalecem a narrativa empresarial. Colegas, gestores e profissionais de RH que atestam a compatibilidade entre as funções desempenhadas e o contrato firmado geram segurança. A coerência entre prova oral e documental é fundamental.
Para evitar conflitos judiciais, recomenda-se: 1) definir expressamente em contrato as atividades correlatas permitidas; 2) manter descrições de cargo atualizadas; 3) registrar a rotina funcional; e 4) adotar políticas claras de evolução funcional. As empresas também devem treinar seus gestores para que eles compreendam os limites da multifuncionalidade e evitem atribuições informais que alterem a essência dos cargos.
A atuação preventiva e integrada entre jurídico e RH também é essencial. O acompanhamento contínuo da rotina funcional, o alinhamento entre contrato e prática e a atualização conforme a jurisprudência fortalecem a governança e reduzem riscos. O jurídico passa a antecipar distorções e orientar decisões estratégicas em vez de agir após o surgimento de um processo judicial.
Distinguir corretamente o acúmulo de função da ampliação natural exige atenção ao caso concreto, à habitualidade e ao grau de responsabilidade exigido. Mais do que uma defesa em juízo, trata-se de adotar uma cultura organizacional transparente, legalmente segura e alinhada à evolução institucional da empresa.
*Bruna Carbajo e Taís Tricai são advogadas trabalhistas do escritório Weiss Advocacia.