Modelo 996: a jornada extrema de 72 horas semanais pode ser adaptada no Brasil?
Estilo de trabalho adotado em startups no Vale do Silício se tornou debate no mercado brasileiro. Confira os riscos legais e sociais desse regime por aqui.
Já não é novidade a realidade das inteligências artificiais sendo implementada em todos os âmbitos do cotidiano da sociedade contemporânea. Esse avanço da tecnologia tem impulsionado uma nova cultura de trabalho em grandes startups por todo o mundo. O modelo de maior controvérsia é o chamado “996”, que tem como plano de jornada o labor das 9h às 21h, seis dias da semana, totalizando 72 horas semanais.
Essa prática, além de buscar um desenvolvimento de produtos mais rápido para as empresas, tem como principal objetivo a vantagem competitiva no mercado das startups. Entretanto, questiona-se se essa forma de trabalho poderia ser aplicada no Brasil sem desrespeitar a legislação trabalhista.
O que é o modelo “996”?
A modalidade “996” teve seu início na China e foi implementada para que os empregados trabalhassem das 9h às 21h, seis dias por semana. A proposta é baseada na ideia de que o sucesso de uma empresa depende da dedicação extrema de seus colaboradores, chegando ao esgotamento máximo em prol da companhia.
Startups como Browser Use, Cognition e Sonatic, todas sediadas nos Estados Unidos, passaram a adotar esse modelo como parte de uma cultura de “desempenho extremo”, oferecendo benefícios como moradia gratuita, alimentação e até assinaturas de aplicativos de namoro para compensar a carga horária exaustiva.
Apesar de parecer inovador, o método “996” tem sido grande alvo de críticas por promover o esgotamento físico e mental dos trabalhadores, além de eliminar as chances de pessoas que discordam dessa modalidade serem empregadas nas startups que o adotam. Na China, inclusive, o modelo foi declarado ilegal em 2021, após uma série de protestos e denúncias de abusos trabalhistas.
O que diz a legislação brasileira?
No Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece limites claros para a jornada de trabalho, devendo ser respeitadas 8 horas diárias e 44 horas semanais. Realizar tarefas além desse limite até é permitido, porém somente mediante acordo individual ou coletivo, adotando um regime de banco de horas ou compensação de jornada, com pagamento de horas extras e respeitando o limite de duas horas extras por dia.
Além disso, a CLT garante um descanso semanal remunerado, de preferência aos domingos, e um intervalo intrajornada para descanso e alimentação, de 15 minutos para as superiores a 4 horas e inferiores a 6 horas e de, no mínimo, 1 hora para as superiores a 6 horas. Assim, qualquer tentativa de implantar uma jornada superior a 8 horas diárias e 44 horas semanais violaria diretamente a legislação trabalhista brasileira. Mesmo que o funcionário concorde com um regime superior, a empresa será responsabilizada judicialmente por descumprimento das normas de proteção ao trabalhador.
Riscos legais e consequências
Tal qual narrado, a adoção do modelo “996” no Brasil traria uma série de riscos legais para as organizações. Infringir as leis trabalhistas acarretaria multas administrativas aplicadas por auditores fiscais e reclamatórias trabalhistas. No âmbito social, a empresa encontraria extrema dificuldade de contratar pessoas que concordassem com tamanha jornada, sem contar que a rotatividade de empregados seria bem recorrente.
Além disso, é fundamental destacar que o excesso de trabalho pode ocasionar o desenvolvimento de doenças ocupacionais nos funcionários. Quando essas comorbidades surgem em decorrência das atividades laborais, a responsabilidade recai sobre a empresa, que poderá ser demandada judicialmente por danos materiais e morais.
É possível adaptar o modelo ao Brasil?
Embora o método “996”, em sua forma original, seja incompatível com a legislação trabalhista brasileira, algumas startups poderiam tentar implantar esse regime. Para tanto, a empresa optaria pela contratação de profissionais autônomos, cuja relação de trabalho não é regida pela CLT, o que afastaria, em tese, o risco de penalidades administrativas. Essa medida, no entanto, não elimina a possibilidade de futuras reclamações trabalhistas, especialmente quando a prestação de serviços preenche os requisitos caracterizadores do vínculo empregatício, como pessoalidade, subordinação, não eventualidade e onerosidade.
O modelo de jornada “996” é uma alternativa considerável para as empresas que buscam desenvolvimento mais rápido de produtos e se destacar na competitividade do mercado. Entretanto, a sua adoção no Brasil esbarra diretamente na legislação do país e na segurança dos trabalhadores, não sendo possível ser implementada sem causar prejuízos.
*Matheus Krizanowski é advogado do Ciscato Advogados Associados.
Confraternização de fim de ano: comparecer ou não?
Além do RH: o engajamento é responsabilidade de todos
Empreendedores que saíram do mercado formal consideram voltar à CLT
Insatisfação com o próprio bem-estar aumenta entre os brasileiros, mostra estudo
Mudanças no PAT colocam empresas e trabalhadores como os protagonistas da vez







