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Como a inteligência artificial ajuda no recrutamento e na seleção

O robô caça-talentos tem ajudado as companhias para recrutar e selecionar pessoas - inclusive as que não estão à procura de emprego

Por Débora Crivellaro
Atualizado em 5 dez 2020, 19h12 - Publicado em 27 mar 2018, 05h00
Sandra Beltran com Vanessa Cordaro (sentada), diretora de RH da AstraZeneca: uma das contratadas por sistema que mapeia a emoção dos candidatos  (Fabiano Accorsi/VOCÊ RH)
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Aos poucos, a inteligência artificial (IA) começa a ser usada para tornar mais eficiente o processo de recrutamento e seleção de pessoas. No Brasil, o movimento se iniciou há dois anos, liderado por companhias do setor de comércio e tecnologia que recorrem às máquinas sobretudo para lidar com um grande número de candidatos. Com o passar do tempo, acabou se expandindo para outros segmentos de negócios.

É o caso do laboratório anglo-sueco AstraZeneca. Com 1 200 funcionários no país, muitos deles no setor comercial, a empresa começou a usar um sistema de reconhecimento facial em entrevistas por vídeo. Durante essa fase, algoritmos permitem que as emoções do candidato sejam mapeadas. Depois dessa etapa, os selecionados vão para o processo de gamificação, que testa várias habilidades, inclusive a capaci­dade de interação. Segundo Vanessa Cordaro, diretora de recursos humanos e comunicação corporativa da AstraZeneca, o processo remoto tem ajudado nas contratações fora de São Paulo, onde fica a subsidiária brasileira. “Estamos com dois projetos em outras cidades e conseguimos acesso mais fácil a esses talentos”, afirma Vanessa.

Recém-implantado, o programa já foi usado na contratação de 270 funcionários da AstraZeneca, entre representan­tes de serviços e gerentes distri­tais, internos e externos.

A paulistana Sandra Beltran é uma das funcionárias que passaram por esse sistema. Após nove anos trabalhando no setor farma­cêutico como propagandista, Sandra se inscreveu num processo seletivo interno para mudar de posição na AstraZeneca. Formada em comunicação social, com pós-graduação em gestão de conhecimento do capital intelectual e MBA em gestão de pessoas, ela se “submeteu” ao sistema de inteligência artificial para conquistar uma vaga de gerente distrital. “No início, foi um pouco desconfortável, apesar de eu entender que preci­sava participar dessa etapa. Mas depois só vi benefícios, pois enten­di as vantagens da seleção”, diz Sandra. Já alçada ao posto de gerente distrital, a profissional foi para a outra frente — ela própria teve de eleger sua equipe usando o recurso tecnológico. “Conheci os dois lados: de quem é selecionado por meio da inteligência artificial e de quem escolhe”, afirma. “É uma novidade e, como tal, requer adaptação.”

Com a evolução da tecnologia e das mudanças no comportamento da sociedade, a prática de recrutamento e seleção também teve de avançar. “Nos últimos anos, a maior mudança foi a divulgação  online das vagas de emprego. Isso permitiu a rápida distribuição de oportunidades para uma audiência em massa”, afirma Jonathan Sampson, diretor-geral da consultoria de recrutamento Hays. Nesse momento, no entanto, não havia envolvimento entre as partes, apenas interfaces web. Mas, à medida que as mídias sociais se tornaram populares, os candidatos puderam fazer seu mar­keting pessoal proativamente e criaram um barulho para atrair os empregadores. Finalmente, surgiram os  sites “agregadores”, que utilizam a tecnologia para consolidar as vagas numa só plataforma. Sampson afirma que os modelos anteriores, sem uso da inteligência artificial, limitavam a seleção. “Há candidatos que procuram ativamente uma nova posição. Isso omite um grande número de profissionais reativos e altamente talentosos que, se abordados por uma fonte confiável, talvez se interessassem pela oportunidade.” De acordo com ele, dessa forma o RH expandiria “significativamente” a base de talentos potenciais.

Ganho de tempo
Além de ampliar o universo de candidatos, outra vantagem do sistema de inteligência artificial é aumentar a produtividade da equipe de recursos humanos no processo de recrutamento e seleção.

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Segundo maior empregador do país, com 78 000 funcionários, a empresa de call center Atento, com sede em São Paulo, faz, em média, 4 000 contratações por mês. Para dar conta do volume, só o time de RH tem 900 profissionais. Para a companhia, a adoção da inteligência artificial durante a busca por novos empregados garantiu um ganho de produtividade e de tempo significativos. “Nosso período de admissão caiu de sete dias para 36 horas”, diz Majo Martinez, vice-presidente de recursos humanos da Atento.

Os concorrentes são interceptados pelas redes sociais e por sites de busca de emprego. Um robô (um sistema de computador) os identifica e inicia a conversa, via chat no Facebook ou no Telegram. Primeiro, o postulante à vaga faz um teste online de português e matemática. Caso passe nessa fase, vai para um jogo que simula situações reais. A etapa final é uma entrevista por videoconferência com o supervisor da área. Todo o processo é virtual, até mesmo a admissão: o profissional digitaliza o documento e envia pela internet. “Os trabalhadores que passam por essa seleção vão atuar numa vaga de salário mínimo”, diz Majo. “Fazendo o processo sem sair de casa, eles não gastam nada.” A executiva reconhece que sua equipe teve dificuldades para  pôr em prática a tecnologia. Mas, com o retorno positivo imediato, há planos de expandir o modelo.

Contudo, há quem questione se usar a inteligência artificial no recrutamento pode acabar com a diversidade, levando as organizações a contratar sempre os mesmos perfis. Denys Monteiro, CEO da ZRG Partners Brasil, especializada na busca de executivos, discorda. Segundo ele, num processo de seleção em que concorrem milhares de pessoas, algum filtro sempre é aplicado, e não necessariamente o  mais eficaz. “Sou a favor de tudo que possa melhorar a qualidade da decisão”, diz Monteiro. Para ele, a melhor forma de escolher um trabalhador é ter o maior número possível de dados. “Você contrata um candidato com base apenas nesse tipo de informação? Obviamente, não. As questões pessoais sempre prevalecem.”

Os laços humanos são importantes principalmente no Brasil, um país de cultura relacional. “A inteligência artificial é parte relevante do processo, mas não substitui um especialista humano para gerenciá-lo, interpretá-lo e para construir os relacionamentos em torno dela”, diz Jonathan Sampson, da Hays.

Ferramenta aliada
Na Cremer, fabricante de produtos para cuidados com a saúde, a inteligência artificial é uma aliada no processo anual de trainees, cada vez mais concorrido. Nos últimos quatro anos, o número de candidatos cresceu de 1 000 para 85 000. Com esse aumento, a companhia resolveu mudar o sistema de escolha e lançou mão da tecnologia. Primeiro, o pretendente entra no site e, ao clicar num link, conversa por cerca de 3 minutos com um robô chamado Vicky. A conversa nada mais é do que o preenchimento da ficha de inscrição, que antes demorava 20 minutos. Passada essa fase, o jovem vai para os jogos virtuais, que avaliam desde a capacidade de interagir até a rapidez de tomar decisões. Então, há um novo bate-papo com Vicky, dessa vez em inglês. Todas as fases são eliminatórias e, ao final, em média, 300 candidatos chegam à etapa presencial — a Cremer costuma contratar dez trainees por ano.

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Para Rodrigo Ladeira, diretor de recursos humanos da empresa, o sistema constitui um avanço, mas não pode ser usado isoladamente. “Os games são específicos para determinada geração, e nada substitui a entrevista presencial”, diz Ladeira. “Mas a inteligência artificial facilita muito nosso trabalho.”

Mas o Brasil ainda está um passo atrás do mercado americano no que diz respeito ao uso de inteligência artificial. Aqui, por enquanto, esse mecanismo só pode ser utilizado com funcionários de cargos não executivos. “Quanto mais alto o nível hierárquico, mas difícil é criar um algoritmo de confiança”, afirma Marcello Porto, da LG Lugar de Gente, especializada em tecnologia para RH.

Danielle Alfieri, gerente executiva do ManpowerGroup, concorda que a busca de executivos com esse recurso deve ser considerada com cuidado. “A inteligência artificial ainda está muito voltada para diminuir volume”, diz a especialista.

Canal de interação
A seguradora Tokio Marine começou a utilizar um software de inteligência artificial no atendimento aos próprios funcionários. O responsável é um robô chamado Marina, que responde às mais variadas dúvidas, de férias a avaliação de desempenho. O sistema é capaz de aprender, identificar expressões e interpretar contextos. E quem fornece conhecimento para ele é a própria equipe de gestão de pessoas. Marina foi alimentada com todas as possíveis respostas para as possíveis perguntas dos 1 700 empregados da seguradora.

Antes de apresentar a novidade, a Tokio fez uma pesquisa interna para definir como seria Marina. “Ela ficou com a cara do RH: tem um tom bem-humorado e leve nas respostas”, diz Juliana Zan, diretora de recursos humanos. Além disso, os funcionários votaram para que ela fosse descolada, além de praticante de ioga e pilates.

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Curiosos, os empregados têm acessado o robô 100 vezes por dia desde que foi ao ar, em outubro. Antes de sua implantação, a equipe de recursos humanos atendia 90 ligações diariamente com dúvidas que hoje são respondidas por Marina. As chamadas caíram para 29. A equipe de gestão de pessoas está satisfeita com a parceira digital. “Agora, usamos o tempo que passávamos ao telefone para desenvolver novos projetos, que tragam benefícios ao capital humano”, diz Juliana.

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