Apoio da alta liderança: um fator fundamental para criar culturas que apoiam a parentalidade
Na Roche Farma da Argentina, por exemplo, a atuação de Lorice Scalise, atual CEO da empresa no Brasil, permitiu a oferta de uma licença de cinco meses para pais e mães.
De todas as conversas e mapeamentos que tenho feito com empresas para ajudá-las a criar uma cultura de acolhimento à parentalidade, o que mais gera mudança é perceber nas atitudes da alta liderança uma referência a ser seguida. É por reconhecer a força transformadora dessas histórias que começo agora uma série de artigos na minha coluna, trazendo cases e boas práticas de organizações que usaram sua voz e sua influência para ampliar o espaço da parentalidade no mundo do trabalho.
Esse é o caso de Lorice Scalise, CEO da Roche Brasil, que antes de ocupar essa posição liderou a Roche Argentina e foi responsável pela implementação de uma das políticas mais ousadas da região: cinco meses de licença-parental universal, válida para todas as figuras parentais — mães, pais e diferentes configurações familiares. Tive a honra de ouvi-la na recente edição do Summit Filhos no Currículo e saí impactada com a sua força e leveza para mover pautas, servindo de referência e benchmark para muitas outras organizações.
Ela sempre participou ativamente da vida dos filhos e acredita que essa experiência impactou diretamente sua trajetória profissional e seu estilo de liderança. “Acho que a maternidade foi, antes de tudo, um espelho para mim. Eles nunca vão aprender [a partir] daquilo que eu digo, mas daquilo que eu sou. Isso me obrigou a evoluir, a trabalhar em mim mesma para ser minimamente capaz de educá-los. Foi esse processo que me ensinou a ter interesse genuíno nas pessoas, a confiar no potencial do outro e a não querer resolver por eles. Essas aprendizagens que tive com os meus filhos são exatamente as que levo para a minha liderança na Roche”, afirma Lorice.
A inquietação que virou projeto
Durante anos, as empresas associaram o cuidado exclusivamente à mulher, reforçando o imaginário de que é sempre ela quem deve se ausentar do trabalho para se dedicar aos filhos. Essa lógica se reflete em políticas e benefícios corporativos que ampliam a sobrecarga feminina e impactam diretamente sua trajetória profissional. “Qual é o custo dessa mulher para a organização? Ela custa mais porque fica cinco meses em casa.” Essa é a frase não dita, mas presente em muitas mesas de decisão.
Foi contra essa mentalidade que Lorice decidiu agir. Na Argentina, transformou inquietações em política concreta. Figuras maternas e paternas passaram a ter os mesmos direitos e, em casos de crianças com necessidades específicas, como neurodivergências, a licença ganhou ainda mais tempo. A mensagem foi clara: a parentalidade não é um custo, mas um valor a ser compartilhado que impacta positivamente em engajamento interno, reputação e atração de talentos.
Resistências internas e mudança cultural
A implementação, porém, não foi simples. Muitos homens resistiram, alegando que suas parceiras preferiam que eles voltassem ao trabalho. Algumas mulheres também questionaram a medida, com receio de perder espaço. Lorice foi firme: tornou a adesão obrigatória e abriu o debate sobre o papel de homens e mulheres no cuidado. “O tempo não compartilhado por um pai nos primeiros momentos da vida dessa criança jamais será compensado”, afirmou a executiva no summit mencionado anteriormente.
A implementação de mudanças culturais nunca é linear. Resistências internas surgem de todos os lados — homens que preferem não ocupar seu espaço no cuidado, mulheres que temem perder benefícios, lideranças que enxergam custos imediatos em vez de ganhos de longo prazo. É nesse contexto que o papel da liderança institucional torna-se decisivo. Um estudo global da Harvard Business Impact (2025 Global Leadership Development Study) mostrou que 70% dos profissionais de RH entrevistados acreditam que as lideranças precisam expandir seu repertório de comportamentos para sustentar transformações organizacionais. A pesquisa revela ainda que a influência direta da liderança é determinante em três frentes:
- Engajamento: colaboradores aderem mais facilmente a mudanças quando veem lideranças engajadas e coerentes entre discurso e prática.
- Sustentabilidade: agendas de transformação só permanecem vivas quando revisitadas e reforçadas constantemente pela alta liderança.
- Alinhamento cultural: lideranças que incorporam valores no dia a dia dão legitimidade à cultura desejada, mostrando quais comportamentos são ou não aceitáveis.
No tema da parentalidade, isso significa que não basta lançar uma política de licença estendida ou promover rodas de conversa. É preciso que a liderança apareça como embaixadora do tema, dando exemplo, comunicando prioridades e sustentando a pauta como parte da estratégia da empresa. Só assim a parentalidade deixa de ser apenas um benefício e passa a ser estratégia cultural.
Desafios e soluções no Brasil
No Brasil, onde Lorice lidera a operação atualmente, os desafios são ainda maiores. Na própria avaliação da executiva, a discussão sobre parentalidade no país está se desenvolvendo, mas encontra barreiras silenciosas dentro das organizações e nas políticas públicas.
Por aqui, o PL do Pai Presente propõe a aprovação de uma licença de 60 dias, por exemplo, obrigatória e remunerada pelo Estado, que seria oferecida para todos os pais. Trata-se de uma iniciativa encabeçada pela Coalizão Licença Paternidade (CoPai), da qual a Roche é uma das empresas signatárias.
Enquanto isso, algumas organizações mantêm projetos internos que discutem o papel dos homens enquanto pais. É o caso do grupo de afinidade Men At Work, de funcionários da Roche, que debate pautas relacionadas à masculinidade e à paternidade protagonista. paternidade protagonista.
Por onde começar: um passo a passo possível
Empresas que desejam avançar em uma política parental universal podem começar com um movimento estruturado, mas simples:
- Mapear a cultura, as relações políticas, os processos e os benefícios. Compreender como o tema parentalidade é tratado hoje, quais são as práticas formais e os pontos cegos da cultura.
- Identificar uma pessoa da alta liderança como potencial embaixadora da pauta. Convidar alguém que advogue pelo projeto, dando voz, força política e legitimidade ao tema.
- Letrar, principalmente os homens. Estimular que homens ocupem o seu lugar no cuidado para desconstruir o imaginário de que a parentalidade é exclusiva das mulheres.
- Capacitar lideranças. Preparar o corpo de gestão para compreender a pauta, desconstruir vieses e atuar como agentes da mudança cultural.
- Criar um plano de gestão da mudança. Acompanhar, avaliar e ajustar continuamente as ações para garantir que a política se traduza em prática real no dia a dia da organização.
Diante desta lista, eu te pergunto: quem você escolhe para legitimar essa pauta dentro da organização? Não basta lançar um novo projeto, o change management cultural é essencial para que as iniciativas realmente funcionem e representem um diferencial competitivo para os negócios. Costurar alianças estratégicas com embaixadores internos faz a diferença para que um novo benefício ou política saia do papel e se torne comportamento esperado. Da próxima vez que pensar em colocar a parentalidade no centro da sua estratégia de gestão de pessoas, pense nisso.
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