Comunicação silenciosa: o que a empresa transmite sem dizer nada
Como um e-mail sem personalidade, o adiamento de uma reunião e onde fica a sala do chefe afetam pertencimento, produtividade e diversidade.

Muito se fala que a comunicação é a chave de tudo. Investimos tempo, energia e dinheiro aprimorando cada palavra, de campanhas para engajamento a newsletters, eventos, conversas, capacitações.
Só que, muitas vezes, os recados mais significativos das empresas podem ser dados nos não ditos, da arquitetura ao automatismo, nas conversas que não acontecem.
A isso, podemos chamar de comunicação silenciosa. São as mensagens que a empresa envia sem que ninguém precise abrir a boca. Elas moldam a cultura de maneira sutil, mas profundamente eficaz. Como bem disse Peter Drucker: “A coisa mais importante na comunicação é ouvir o que não está sendo dito”.
Esse silêncio pode ter diferentes sentidos, dependendo do contexto: pode ser de aprovação, de crítica, de indiferença ou até de desamparo. Convido você a dedicar seu tempo de leitura para compreender mais esses sinais, para entender a verdadeira essência das dinâmicas humanas na organização.
Pense no(s) espaço(s) de trabalho da empresa em que atua. Ele é um espaço aberto, com mesas lado a lado, ou é uma colmeia de cubículos cinzentos? É uma área fabril, com espaços de descompressão e verde ao redor? Ou um escritório luxuoso, repleto de símbolos que mostram a influência da organização (e, por vezes, afastam quem não se sente parte disso).
Barreiras (quase) invisíveis da liderança
Lembro-me de uma empresa de tecnologia que se mudou para um prédio onde a sala da liderança era no último andar, separada por um elevador privativo. A mensagem era clara: a cúpula estava distante do dia a dia dos colaboradores. Em contrapartida, muitas startups de sucesso optam por escritórios onde os fundadores se sentam no meio da equipe. Isso não é apenas uma questão de espaço, é um mensagem clara sobre proximidade e acessibilidade.
Outro caso interessante é de uma empresa que contou com uma equipe de colaboradores influenciadores para fazer com que a mudança de sede da empresa fosse um momento de engajamento e pertencimento. Essas pessoas souberam e compartilharam em primeira mão as fases da reforma, os locais prediletos do entorno do novo endereço e opinaram sobre layout para que o espaço refletisse as dinâmicas de trabalho daquela cultura corporativa.
A arquitetura do ambiente de trabalho é, portanto, um dos primeiros e mais poderosos exemplos de comunicação silenciosa.
Mas, mesmo em ambientes com um layout super cool e moderno, nem sempre as práticas do dia a dia são do mesmo modo.
Quando falta intenção no “como dizer”
Sabe aqueles e-mails automáticos que chegam à caixa de entrada, muitas vezes ignorados? Eles também carregam um peso cultural. Um e-mail de “boas-vindas” para um novo colaborador ou de despedida depois de uma demissão que é puramente protocolar, sem um toque de calor ou personalização, pode passar a impressão de que a empresa valoriza mais o processo do que as pessoas.
Agora, imagine um e-mail de “parabéns” pelo aniversário de casa, personalizado com um breve histórico das conquistas do colaborador na empresa. Essa simples automação, se bem-feita, comunica cuidado e reconhecimento. Está aí uma boa oportunidade para usar IA generativa para a humanização, de forma eficiente.
E o que dizer do sistema de feedback automático? Se a única comunicação que um funcionário recebe sobre seu desempenho é uma ficha cheia de critérios de avaliação, a mensagem é que ele é apenas uma métrica. Parece anedota de texto para coluna, mas já vi isso pelas minhas andanças em empresas… o que era para ser próximo vira distante e automático.
Como as agendas vivem repletas de reuniões, não dá para não falar delas…
Reuniões em falta ou excesso
O que a empresa comunica quando uma reunião é cancelada sem motivo? Ou quando o intervalo entre as reuniões é inexistente, encavalando uma atrás da outra? O que é transmitido quando um líder está sempre presente em todas as reuniões, mesmo nas que não precisaria estar? E o que dizer das conversas importantes que simplesmente não ocorrem?
A ausência de reuniões cruciais ou a presença em excesso de encontros desnecessários são sinais de que a empresa pode estar desorganizada ou valorizar mais o “estar ocupado” do que o “estar produtivo”. Se as lideranças não investem tempo para falar sobre temas delicados, como a saúde mental, o feedback de desempenho ou as estratégias e os rumos do negócio, a mensagem é que esses assuntos não são importantes. “Bora fazer quando der tempo, a gente conversa…” O silêncio sobre questões sensíveis cria um ambiente de cobrança excessiva, sobrecarga, insegurança e até de desconfiança.
A comunicação silenciosa também se manifesta de forma gritante nas questões de diversidade e inclusão. Quando uma microagressão acontece em uma reunião e ninguém se manifesta, o silêncio da liderança e dos colegas reforça que aquele tipo de comportamento é aceitável. Da mesma forma, a ausência de pessoas de grupos minorizados em cargos de liderança ou em mesas de decisão envia a mensagem de que, apesar de todos os discursos, a representatividade não é uma prioridade real. Os benefícios corporativos que não consideram realidades diversas, como a licença-paternidade estendida para casais LGBTQIA+, ou um plano de saúde que não cobre cirurgias de redesignação de gênero, comunicam que a diversidade é uma palavra da moda, mas não um valor.
Esses silêncios têm um peso enorme na percepção de segurança psicológica. Pesquisas de grandes consultorias, como o Gartner, indicam que a falta de confiança e a sensação de insegurança são diretamente ligadas a baixos índices de engajamento e alta rotatividade. Um ambiente no qual as pessoas sentem que suas identidades e experiências não são acolhidas é um terreno fértil para o burnout e a desconexão.
O que podemos fazer?
Para profissionais de RH e aprendizagem, a tarefa é dupla: primeiro, devemos aprender a ler esses sinais silenciosos para entender a cultura que realmente existe na empresa. E, segundo, devemos ser arquitetos de uma comunicação silenciosa mais intencional e positiva.
Nem sempre vai ser possível mudar a cor das paredes, criar espaços verdes ou reformular o dia a dia das áreas, mas aqui estão alguns caminhos e boas práticas para transformar o que é transmitido sem palavras:
- Olhar e escutar com atenção: Dê uma volta pela empresa. O que o layout, as cores e as interações informais dizem sobre a cultura? Converse com as pessoas, mas também preste atenção no que não é dito.
- Revisar os pontos de contato: Analise os e-mails e tudo o que for automático, de documentos de integração a modelos de feedback ou manuais. Eles estão alinhados com os valores que a empresa diz ter? Senão, invista em um plano de reformulações.
- Capacitar a liderança: Ajude os líderes a entender o poder do silêncio e a importância de uma comunicação consistente e transparente, continuada, mesmo nas pequenas interações do dia a dia.
- Promover os espaços de conversa: Crie momentos para que as conversas importantes aconteçam. Seja com reuniões one-on-one (um a um) regulares, caixas de perguntas anônimas ou canais de comunicação abertos. O objetivo é mostrar que a empresa está disposta a ouvir, mesmo o que é difícil de ser dito.
- Sustentar projetos de diversidade, com investimentos contínuos em treinamento, grupos de afinidade, mentorias e políticas de contratação inclusivas, é uma das formas mais poderosas de comunicação silenciosa positiva. Ao manter esses projetos vivos, mesmo em períodos de dificuldade, a empresa mostra que o compromisso é genuíno.
A comunicação silenciosa está em todo lugar, moldando a experiência de cada colaborador. Ignorá-la é como tentar entender uma melodia ouvindo apenas a letra, e não a música. Ao decifrar o que a sua empresa diz sem palavras, é possível construir ou reformular, ainda que pouco a pouco, uma cultura mais autêntica, na qual a mensagem real está alinhada com a oficial. Coerência e conexão mudam tudo, e é no silêncio que podemos atuar em prol desses dois pilares da comunicação corporativa.
E na sua empresa, qual silêncio fala mais alto?