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Excesso de chamadas de vídeo pode prejudicar autoestima

O exagero na quantidade de reuniões online pode afetar negativamente a percepção das pessoas em relação à sua aparência

Por Letícia Colombini
Atualizado em 3 jan 2022, 11h48 - Publicado em 3 jan 2022, 07h00
Imagem mostra uma mulher, de costas, conversando com uma outra através de uma chamada de vídeo. A segunda mulher, que aparece na tela do notebook, está usando fones de ouvido
 (Pexels/ Anna Shvets/Divulgação)
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Esta reportagem faz parte da edição 77 (dezembro/janeiro) de VOCÊ RH

Os aplicativos de videoconferência ganharam súbita popularidade na quarentena e vieram bem a calhar para substituir as reuniões presenciais desde que as pessoas se viram forçadas a trabalhar em home office. O problema, como de praxe, vem sendo a realização de reuniões virtuais consecutivas, sem parada nem critério, o que resultou na já conhecida “fadiga do Zoom” — cansaço mental decorrente de chamadas de vídeo em excesso. A novidade, porém, é outro fenômeno a ser creditado na vasta conta dos efeitos pandêmicos: a “dismorfia do Zoom”. O termo, cunhado pela dermatologista e professora da Escola de Medicina de Harvard, Dra. Shadi Kourosh, se refere à autopercepção negativa das pessoas em relação à própria aparência ao se observarem constantemente na tela, em espelho.

Em um estudo publicado pela especialista e sua equipe no International Journal of Women’s Dermatology, 57% dos 134 dermatologistas entrevistados relataram um aumento das consultas estéticas em relação à fase anterior à covid-19. Dentre os pacientes, 86% atribuíram a procura por atendimento à nova rotina de encontros online. “Uma vida desproporcionalmente gasta em telas de vídeo pode desencadear uma resposta comparativa autocrítica que leva os indivíduos a correr para o médico”, diz Shadi.

Para a especialista, esse desvirtuamento da própria imagem em parte se deve ao ângulo e à curta distância focal das minúsculas câmeras de notebooks e smartphones — que refletem uma aparência distorcida em até 40%. “Isso acaba funcionando mais ou menos como um espelho de circo, capaz de deixar rostos mais arredondados, olhos e narizes mais largos e testas mais altas, gerando inquietações desnecessárias aos usuários”, explica ela. O levantamento também mostra que, quanto mais tempo gasto no Zoom, Teams, Google Meets e afins, pior a autoavaliação — e maior a ansiedade.

A epidemia de transtornos ligados à saúde mental devido ao uso de aplicativos e redes sociais não é algo novo. Em 2015, a chamada “dismorfia do Snapchat” ganhou notoriedade quando cada vez mais pessoas começaram a recorrer aos consultórios na esperança de se parecerem mais com suas fotos editadas por filtros de selfie — que, entre outros efeitos, aumentam o tamanho dos olhos e lábios, redefinem o formato do rosto, suavizam a textura da pele e levantam as maçãs do rosto. “Nesse caso, as pessoas estão cientes de que estão se vendo através de um filtro. Com a dismorfia do Zoom é diferente, pois elas em geral não se dão conta das distorções que estão acontecendo por causa da câmera de seus dispositivos”, diz a médica Shadi.

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As queixas mais ouvidas quando se trata de imagem pessoal incluem flacidez ao redor do pescoço, papada, rugas na parte superior do rosto, linhas de expressão, olheiras, tonalidade da pele e manchas faciais, além de tamanho e formato do nariz. Uma análise feita pelo Google Trends, que permite a descoberta das principais tendências relacionadas a uma palavra-chave específica, mostra que nos últimos cinco anos houve um salto nas buscas no Google no Brasil por termos como “preenchimento labial” (aumento de 410%), “ácido hialurônico” (330%) e “micropigmentação” (180%). Também é interessante constatar que na última década a procura pelo assunto “cirurgia plástica” caiu 18%, enquanto “bichectomia” (remoção das pequenas bolsas de gordura localizadas na região da bochecha) e rinoplastia (cirurgia de nariz) subiram 410% e 140%, respectivamente.

Desempenho profissional

O aumento de “tempo de face”, como se vê, pode servir como impulso para o autocuidado, dando a chance de entender como nosso rosto se parece depois de algum tempo sem examiná-lo. A questão está no exagero, isto é, quando as pessoas passam a fiscalizar o próprio reflexo o tempo todo, promovendo esforços constantes para ajustá-lo, a fim de garantir que nenhum aspecto desagradável ou embaraçoso esteja em evidência. “A preocupação começa quando a baixa autoestima entra”, afirma Marcelo Braga, sócio da Search Consultoria em Recursos Humanos. “No universo corporativo, a autoestima demais, ou de menos, é sempre prejudicial. Se o profissional estiver muito atento a seus defeitos, reais ou imaginários, isso certamente irá se manifestar em sua postura, na forma de se comunicar e apresentar um projeto, o que pode acabar atrapalhando sua performance e, por tabela, dificultar suas chances de projeção de carreira.”

Deixar a câmera desligada, diz o especialista, é uma atitude comum dos mais descontentes com o visual. “Converso frequentemente com gente que não abre a webcam em hipótese alguma. Fugir da exposição, a meu ver, não é o caminho”, afirma ele. “No que se refere ao papel das empresas, é importante que os RHs e líderes fiquem atentos a situações inéditas com as quais estamos nos deparando nos últimos tempos, tais como a fadiga e a dismorfia causadas pelas videoconferências. Para tanto, é fundamental aproximar-se das equipes, mesmo à distância.”

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O problema maior se dá, leia-se, quando a exposição aumentada e a imagem distorcida durante as chamadas de vídeo passam a afetar de forma severa a autoconfiança das pessoas. Ou seja, quando elas ultrapassam o limite da mera vaidade e ingressam no território minado de um distúrbio mais grave: o transtorno dismórfico corporal (TDC), condição de saúde mental caracterizada pela obsessão em mudar e ocultar um suposto defeito físico. Como resultado, os indivíduos tendem a submeter-se a procedimentos estéticos ou cirúrgicos sem fim (em busca de uma sonhada e irreal perfeição e de aprovação externa) e a evitar situações sociais a ponto de se isolarem. Estudos mostram que de 9% a 14% dos pacientes em clínicas de dermatologia apresentam diagnóstico de TDC e, no ambiente de cirurgia estética, a prevalência é ainda maior.

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Ponto de atenção

Para a psicóloga Heloise Mazzia, a reclusão causada pela pandemia, aliada ao trabalho em casa, trouxe sérios danos mentais à população. “A crise do coronavírus vem colaborando para amplificar alguns transtornos, como o da autoimagem, em pessoas já propensas a algum desequilíbrio, trazendo consigo sintomas como ansiedade, depressão e pensamentos excessivos relacionados à aparência física”, afirma ela. “O sinal de alerta para buscar ajuda médica apropriada é quando eles começam a perder tempo demais remoendo a mesma questão, o que pressupõe sofrimento e gasto de energia vital intensos.”

Segundo dados da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, em 2020 nada menos que 576.000 brasileiros foram afastados do trabalho em razão de adoecimento mental — um aumento de 26% em comparação a 2019. Diante desse novo cenário, a saúde mental se tornou um ponto importante de atenção das empresas. Não é para menos, tendo em vista quanto a pandemia e seus desdobramentos — com destaque para a aceleração tecnológica — têm contribuído para minar nossa autoestima. Para ter ideia, nos últimos dois anos a plataforma de saúde emocional Zenklub — que atende funcionários de empresas como Ambev, Cyrela, Renault e Natura — registrou um extraordinário aumento de 1.700% no número de pacientes citando a “baixa autoestima” como a principal razão de sua busca por terapia.

Ao que tudo indica, os efeitos decorrentes da covid-19 e, em especial, da dismorfia do Zoom não desaparecerão tão facilmente, mesmo após a retomada das atividades econômicas e sociais. A pesquisa da Dra. Shadi, de Harvard, indica que três em cada dez entrevistados planejavam investir em sua aparência como uma estratégia de enfrentamento para lidar com o retorno aos eventos presenciais. “A melhor forma de combater esse transtorno é a conscientização. É preciso ajudar as pessoas a entender que não estão passando por isso sozinhas”, diz ela.

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