PDI inútil: a culpa não é da liderança
Os gestores precisam ter as ferramentas e competências necessárias para criar microculturas de aprendizagem em suas áreas. Só assim vão apoiar o processo.

No último artigo que escrevi aqui na Você RH, fiz algumas críticas ao processo de PDI. Em resumo, o texto aponta o desperdício desse maravilhoso artefato de cultura de aprendizagem, que, na prática, se tornou um processo vazio e burocratizado.
A receptividade do público me surpreendeu. O número de interações com a publicação ficou bem acima da média, tanto na plataforma online da revista como nas redes sociais. Ficou claro que não estou sozinho nas críticas. Muitos, ao comentar, sugeriram motivos pelos quais o processo não funciona, com a maioria atribuindo a culpa à liderança. Em linhas gerais, o baixo interesse no PDI foi vinculado a uma gestão distante, que não dá direcionamento ou feedbacks (a eterna queixa).
Fiquei tentado a responder aos comentários, contestando essa interpretação. Mas cheguei à conclusão de que fazia mais sentido escrever um novo artigo, detalhando meu ponto de vista sobre o papel da liderança no desenvolvimento dos times.
Será que é justo tornar a liderança um bode expiatório? Há tempos tenho escrito sobre a necessidade de se repensar, com base em tudo o que sabemos sobre aprendizagem de adultos hoje, o papel dos e das líderes nas organizações. Este artigo sintetiza o que penso sobre isso.
Ninguém desenvolve ninguém
O aprendizado adulto é, em essência, autônomo e autodirigido. Colocar na liderança a responsabilidade de conduzir o processo de crescimento profissional e/ou pessoal de alguém é dar continuidade a um longo ciclo de heterodireção, que começa no ambiente escolar e continua em cursos técnicos e universidades, sejam elas corporativas ou não.
O papel de gestores deve ser o de retirar obstáculos e criar estímulos para que o aprendizado ocorra de maneira fluida, coletiva e autônoma.
Não há dúvida de que a liderança ocupa uma posição central na criação de uma cultura de aprendizagem contínua. A forma como gestores vivenciam e percebem o papel da aprendizagem nos resultados do negócio é crucial para a valorização de processos transversais como o PDI. Isso já foi constatado há décadas, por pesquisadores de diversas áreas (alguns exemplos aqui, aqui e especialmente aqui.
Minha prática com grandes empresas me traz uma certeza: se a liderança acaba mais atrapalhando do que ajudando o PDI a alcançar seus objetivos estratégicos, isso tem a ver com a maneira como essa ferramenta é colocada em prática na maior parte das empresas. Dizendo de outra forma, não adianta colocar a responsabilidade do sucesso ou fracasso do programa nesse grupo, o erro é de design – e a solução passa por incluir a liderança no processo de outra forma. Embora cada organização tenha desafios e características específicas, existem iniciativas que podem ser experimentadas pelos RHs de todas elas.
Vale tentar…
Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que a liderança também não gosta e/ou não entende para que existe o PDI. É fundamental enfatizar para o time de gestão que esse processo é um pilar da cultura de aprendizagem da empresa. Deixar claro que, além de permitir o upskilling dos times, a realização eficaz e coletiva de ações de aprendizagem traz ganhos de performance, engajamento e inovação.
Há outro aspecto crucial: líderes também são aprendizes e enfrentam as mesmas dificuldades que qualquer adulto na condução autônoma do próprio desenvolvimento. Identificar necessidades, construir jornadas, criar hábitos e explicitar o conhecimento: esses quatro passos do aprendizado autodirigido são desafiadores para a maioria de nós. Por isso, antes de esperar que gestores apoiem o desenvolvimento de seus times, é preciso garantir que eles mesmos tenham desenvolvido a habilidade de aprender a aprender. Afinal, ninguém pode apoiar o desenvolvimento de algo que desconhece ou não pratica.
Em relação ao ponto acima, temos que considerar ainda a personalidade de cada liderança. Algumas pessoas têm prazer no processo de aprendizado, outras não. É muito natural que o incentivo à aprendizagem apareça, de maneira harmônica e integrada, no estilo de gestão de quem realmente gosta de aprender. Essa característica é um bônus, de certa forma, e está muito relacionada à experiência de vida de cada um. Quando presente, essa familiaridade com a aprendizagem facilita muito o exercício do principal papel da liderança no PDI: ser referência do processo. Atitudes explícitas de apoio genuíno ao lifelong learning têm o poder de transformar organizações e elas são contagiantes. Reconhecer e valorizar esses apaixonados por aprender é uma iniciativa simples e poderosa.
Finalmente, o aprendizado de verdade acontece no dia a dia da gestão. Muitas vezes, quando pedimos para líderes “desenvolverem” seus times, não deixamos claro o que queremos dizer com isso (daí minha crítica à escolha do feedback como o Santo Graal das práticas de gestão de pessoas). Conversas honestas são um ótimo ponto de partida, mas não são suficientes. Pessoas que conduzem áreas ou times precisam ter um repertório de ferramentas que facilitem a inclusão do aprendizado no fluxo de projetos e reuniões. Alguns exemplos simples são encontros de retrospectiva ou post mortem, check-ins e check-outs de aprendizagens em reuniões de rotina e, como parte do processo de desenvolvimento do time, a realização de PDIs com características mais fluidas: revisão trimestral, vínculo à carreira, autonomia de escolha, entre outras.
A liderança pode, sim, apoiar o processo, mas não é a grande responsável pelo fracasso do PDI como ferramenta de desenvolvimento. Um projeto de redesenho deve incluir o repensar da própria lógica de liderança das organizações. Gestores e gestoras não devem ser fiscais de preenchimento de um formulário, mas sim parte integrante de uma cultura de aprendizagem viva, que gere transformação para a empresa, para a área e para cada membro do time.