Parentalidade distraída cresce na Era Digital
Pais que sofrem de algum tipo de adoecimento mental não tratado podem influenciar negativamente a saúde emocional dos filhos
m meus atendimentos presenciei alguns relatos semelhantes a esse: “Meu filho(a) passa o tempo todo interagindo com seus colegas no WhatsApp, zapeando nas redes sociais, fazendo stories, tirando selfie o tempo todo.” Perguntei se fazia ideia de quanto tempo ele ficava conectado após o período de aula, e meu paciente respondeu: “Acho que umas seis horas”. Perguntei se isso era aos finais de semana, e ele disse: “Todos os dias”.
Aproveitei o ensejo e perguntei sobre a rotina desse paciente no trabalho. Ele relatou que tem muitas responsabilidades, seu dia a dia é intenso entre análises, tomada de decisões e orientar pessoas em suas tarefas. Daí fiz outra pergunta para entender sua carga horária de trabalho, e ele respondeu que trabalha em média 12 horas por dia.
Principal queixa na consulta: dificuldade de foco, grande irritabilidade e dificuldade no relacionamento com seu filho(a), pois percebe que ambos estão distantes e não consegue ter uma comunicação que os conecte nessa relação parental.
Esse tipo de relato tem se tornando mais frequente no consultório, em rodas de conversas corporativas e até mesmo em sala de aula (dito de uma forma discreta). Pode ser, que enquanto você lê esse recorte terapêutico, esteja passando por isso ou conheça pais que trazem essa queixa numa roda de conversas informal.
Por que falar disso é importante?
Nos dias de hoje, grande parte de nossa existência vem acontecendo diante de telas, isso é fato. Sem o devido equilíbrio e consciência, vem trazendo consequências bem alarmantes que trazem prejuízos importantes à saúde mental do indivíduo, modulando nossos pensamentos, emoções e comportamentos que afetam as relações familiares, sociais e de trabalho.
Um contraponto importante que quero deixar aqui bem claro: a internet e o desenvolvimento da tecnologia nos trazem muitos benefícios, como praticidade, acesso à informação, conteúdos, saberes, formas de aprendizagem o que melhora de diversas formas nossas vidas. O ponto aqui é o uso desenfreado, alienado e sem o mínimo de autoconsciência digital, que denomino como uma capacidade de reconhecer de forma presente o porquê você faz uso de cada tecnologia para atender uma necessidade real e funcional para o seu dia, sem desperdiçar seu tempo com informações e conteúdos tóxicas a sua saúde e qualidade de vida.
Falar deste tema dentro das organizações como forma educativa e de esclarecimento pode ajudar os pais a lidarem melhor com essas questões da Era Digital, principalmente com possíveis problemas e conflitos na tentativa de melhorar algum estado de sofrimento eminente para si, sua família e por consequência impactar positivamente na vida profissional.
Tendência comportamental
Crianças e adolescentes necessitam de interação para seu contínuo desenvolvimento. Isso envolve conversar, estabelecer diálogos frequentes, gestos de atenção, envolvimento, interesse e carinho. Tudo isso tem um efeito extremamente positivo na formação do desenvolvimento de habilidades psíquicas, cognitivas, emocionais e sociais. E quando esses indivíduos são desprovidos dessas atitudes de atenção e contato, porque seus pais não tiram os olhos de seus smartphones, computadores ou tablets quando estão na presença de seus filhos? A esse tipo de comportamento disfuncional damos o nome de parentalidade distraída e tem trazido bastante preocupação para especialistas da área da saúde, educação e do direito.
Esse fenômeno de relação parental acaba culminando numa relação tóxica das crianças com as telas. É de suma importância ressaltar que a forma como a criança se relaciona com os eletrônicos vem dos pais. O celular muitas vezes pode parecer um recurso útil, de fácil acesso para resolver a exigência de atenção dos filhos para com os pais, mas um alerta… Ele não é inofensivo!
Quando a criança está fase de adquirir a habilidade da linguagem verbal, ela precisa de interação com pessoas (relações sociais no off-line) para praticar, quando é exposta a telas antecipadamente ou por muito tempo, tende a ser mais passiva.
Panorama do uso abusivo de telas
O uso excessivo de telas e redes sociais, tanto por crianças quanto adolescentes, é uma das lutas mais duras da atualidade entre pais e filhos.
Mais de 6 mil pais de crianças e adolescentes foram ouvidos e uma das conclusões é que o uso durante a pandemia aumentou, extrapolando muito mais do que o tempo recomendado pela SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria). Esta, recomenda, por exemplo, o tempo máximo de uma hora para crianças pequenas que ficaram, em média, quatro em frente a tela assistindo a desenhos e filmes no YouTube
Dados levantados pela SBP mostram que 86% das crianças e adolescentes, entre 9 e 17 anos, estão conectados à internet. Um em cada quatro assumiu não conseguir controlar o tempo de uso, mesmo tentando. Os dados foram divulgados pela Agência Brasil.
Os próprios pais não conseguiram escapar das telas: de acordo com o relatório Digital in 2020, divulgado pelo We Are Social e Hootsuite, o tempo online dos brasileiros no primeiro ano da pandemia foi de 9 horas e 17 minutos, muito acima da média global, de 6 horas e 43 minutos. E, pelo visto, esses resultados tendem a se manter, uma vez que o trabalho e as necessidades de consumo da vida pessoal tornaram-se mais digitais.
O papel da saúde mental dos pais
O uso abusivo de telas por crianças e adolescentes pode não ser um aspecto exclusivo do indivíduo. Os pais têm um papel importante na iniciação, no desenvolvimento e na forma de uso saudável do acesso a telas. Quando isso não é feito, a possibilidade dessa criança, adolescente ou jovem desenvolver o quadro de dependência tecnológicas torna-se maior.
É de fundamental importância considerar o quadro de saúde mental dos pais, uma vez que, quando há um adoecimento, ele pode contribuir para um vício comportamental tecnológico de seus filhos.
Pais que sofrem de algum tipo de adoecimento mental, como depressão, síndrome de pânico, burnout, transtorno de ansiedade, e que não estão em tratamento podem vir a prejudicar essa relação familiar e fazer com que seus filhos recorram mais ainda ao ambiente de internet (redes sociais, whatsapp, jogos eletrônicos, streamings) como uma fuga.
Comportamentos de vícios tecnológicos como a Nomofobia, que se traduz pelo medo de ficar sem o celular, mesmo que por intervalos pequenos de tempo.
A parentalidade distraída pode já começar na amamentação, pelo termo em inglês breaxting, que seria “o ato contínuo de enviar mensagens de texto ou usar o smartphone/tablet enquanto amamenta”. A conexão entre mãe e bebê fica prejudicada quando a mãe está focada no dispositivo e não no filho, além de riscos a saúde que têm sido relacionados à proximidade contínua com os aparelhos.
Como ajudar
1. Nas organizações, estabelecer rodas de conversas com profissionais especializados em saúde física e mental como pediatras, psicólogos estudiosos e especialistas em dependências tecnológicas, psiquiatras para levar informações e conhecimentos para o ambiente corporativos.
2. Pais devem organizar e gerir a qualidade do tempo com seus filhos evitando o uso dos celulares, tablets e estabelecerem uma relação de contato olho no olho, diálogos, gestos que representem carinho e atenção.
3. Conversar regularmente sobre telas e mídias sociais. Estabelecer tempo de uso, por exemplo a Sociedade Brasileira de Pediatria recomende que crianças com menos de 10 anos não passem mais de 2 horas diárias em frente às telas.
4. Criar momentos mais off-line, ou seja, experiências mais vivencias como brincadeiras ao ar livre, práticas esportivas e atividades sociais.
Encerro esta coluna no intuito de ampliar a consciência de vocês e das empresas sobre o uso abusivo de telas que prejudica todo mundo: o adulto, a criança, a relação entre pais e filhos, a relação com outras pessoas. Além disso, compromete negativamente a vida profissional e o ambiente do trabalho.
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