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As vantagens e desafios da diversidade

Equipes com membros de várias etnias, gêneros e orientações sexuais são inovadoras e produtivas. Mas nem todas as empresas sabem promover a inclusão.

Por Alexandre Carvalho
6 out 2023, 13h12

“Sou uma mulher negra, tenho 37 anos, moro até hoje no Parque Novo Mundo. Estudei grande parte da minha vida em escola pública e só consegui cursar uma faculdade um pouco além da média de idade das pessoas, e por bolsa de estudos. Trabalhava e estudava ao mesmo tempo.” Essa é a história de vida de Carol Garrido ou pelo menos parte dela.

No ano passado, essa mulher de origem humilde teve a oportunidade de participar do “Dàgbá Líderes do Futuro”, um programa da Ambev voltado aos funcionários negros. Os integrantes do projeto foram desafiados a desenvolver propostas inovadoras com foco no negócio, e a equipe de Garrido ficou em primeiro lugar. Como prêmio, ela ganhou uma viagem para Nova York. Será a primeira vez que essa moradora da periferia de São Paulo vai entrar num avião rumo a outro país. E não ficou nisso. Por seu desempenho no programa, ela foi promovida a uma posição de gestão estratégica. Tornou-se brand PR manager, liderando um time responsável pela comunicação e reputação de todas as marcas da companhia. 

Mulher negra fala ao microfone
Michele Salles, da Ambev: “Reconhecemos que havia uma longa caminhada pela frente quanto à temática racial”. (Gil Silva/VOCÊ RH)

“A Ambev passou por uma transformação radical nos últimos anos”, conta Michele Salles, diretora de Diversidade, Inclusão, Equidade e Saúde Mental da empresa também ela uma mulher negra. “Reconhecemos que havia uma longa caminhada pela frente quanto à temática racial e assumimos compromissos importantes, direcionando investimentos internacionais para promover uma agenda de equidade.” Segundo a executiva, o Dàgbá veio conectar as ações de diversidade a um processo real de pertencimento das pessoas negras. “Estamos trabalhando esse tema pela discussão e entendimento tanto da questão racial quanto do ambiente corporativo.” Além de Carol Garrido, outros 11 colaboradores negros foram promovidos na primeira edição do programa. 

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(Redação/VOCÊ RH)

Nos últimos anos, assim como a Ambev, muitas outras empresas, de diversos setores e tamanhos, têm investido em promover uma cultura de diversidade dentro de casa. Um trabalho que busca acolher e dar maiores oportunidades a mulheres, negros, LGBTQIA+, pessoas com mais de 45 anos ou com deficiência. Não é que todo mundo tenha ficado bonzinho e empático com a dificuldade do próximo da noite para o dia. Enquanto há as empresas que realmente se dedicam a discutir e promover essas pautas por convicção e propósito, existem também as que entraram na onda por obrigação. Ou para não ficar de fora de negócios milionários.

A BlackRock, maior gestora de ativos financeiros do mundo, publicou ano passado um documento com seus novos princípios de investimento. A empresa, que administra quase US$ 10 trilhões (se fosse um país, seria a terceira economia do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China), incluiu no topo de suas exigências para investir num negócio tópicos como diversidade nos conselhos, relatórios de sustentabilidade e mais rigor nos bônus de executivos atrelados a ESG.

“A BlackRock acredita que conselhos diversos podem promover uma maior resiliência na liderança e na força de trabalho e, por fim, permitir que as empresas respondam melhor às necessidades de seus stakeholders e gerem valor para o acionista no longo prazo”, comunicou a gestora de fundos. Por conta disso, ela solicita aos conselhos das companhias que informem como a diversidade é considerada em sua composição, incluindo características como gênero, etnia e idade. 

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Mas as lideranças mais avançadas não precisam que a BlackRock, ou seus próprios clientes, exijam diversidade dentro da empresa. Elas sabem que equipes mais diversas tendem a gerar maior produtividade e lucro para seus negócios. É o que diversos estudos têm comprovado recentemente. 

Uma pesquisa da consultoria Gartner apontou que 75% das organizações com uma gestão que reflete uma cultura diversificada e inclusiva excedem suas metas financeiras. Outra, do Fórum Econômico Mundial, revelou que as empresas com pontuações de diversidade acima da média geram 45% de sua receita proveniente de inovação, enquanto aquelas abaixo da média ficam em 26%. Sim, isso significa que equipes com mais diversidade são mais inovadoras. 

Mais um estudo, esse da Catalyst, organização global voltada à inclusão feminina no ambiente corporativo, mostrou que empresas com mais mulheres no C-Level conseguem um aumento de 34% no retorno aos acionistas em relação às diretorias onde a presença é quase toda masculina. 

Mas por que a diversidade traz tantos benefícios? A resposta mais óbvia é que a sociedade é diversa, os clientes são diferentes. Então ter pessoas de características distintas tomando decisões na diretoria é responder ao mercado com a multiplicidade de anseios e perspectivas que ele tem. E juntar um pessoal de origens e histórias diversas é colocar lenha na fogueira das novas ideias. Porém já há pesquisas mais específicas quanto a essas vantagens.

Como as mulheres fazem a diferença

Mulher de roupa azul
Fabiana Santana, da Prometeon: “Não tínhamos mulheres nem na limpeza terceirizada. Havia uma eletricista, mas nunca era chamada”. (Celso Doni/VOCÊ RH)

Por exemplo, quais são os mecanismos que impulsionam os resultados por causa do aumento de mulheres na alta gestão? Um estudo de 2021 publicado na Harvard Business Review se debruçou sobre esse tema e mostrou que ter uma presença feminina maior na diretoria muda a forma como a empresa pensa e também suas estratégias em relação à inovação.

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Com base em uma análise de mais de 150 companhias, os autores descobriram que, com mais mulheres no topo, as empresas se tornam mais abertas às transformações enquanto, ao mesmo tempo, ficam menos dispostas a correr riscos. E isso tem uma explicação. 

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(Redação/VOCÊ RH)

Para subir na organização, muitas mulheres buscam se destacar promovendo mudanças e apontando novos caminhos. Isso para superar os estereótipos de timidez de um grupo que não costuma ser ouvido nem respeitado. Porém a pouca representatividade na alta gestão e os preconceitos aumentam os custos profissionais de cometer erros. Por isso, elas aprendem a avaliar cuidadosamente os perigos escondidos em suas propostas. Essa combinação de características faz com que as companhias possam se beneficiar de um equilíbrio entre inovação e mitigação de riscos. 

As pedras no caminho

Pensando em todas essas informações, a receita do sucesso parece simples: aumente a diversidade e os resultados virão. Só tem um problema: as organizações, assim como a sociedade em geral, não são esse mundo idílico onde os opostos se atraem e negros, pessoas trans, PCDs (pessoas com deficiência) e mesmo mulheres são sempre bem-vindos. Estamos falando de ambientes cuja tradição é de maioria masculina, branca e heterossexual. Abrir espaço para a diversidade em muitos negócios é um desafio e tanto que exige sensibilidade e persistência do RH.

Criada em 2017 com a divisão da parte industrial da Pirelli, a Prometeon fabrica pneus para a indústria, o transporte de mercadorias e passageiros, e para o agronegócio. E é uma empresa com uma prevalência masculina tão marcante que as mulheres, quando apareciam, não eram bem recebidas. “Não tínhamos mulher nem na limpeza terceirizada. Havia uma eletricista, mas nunca era chamada. Se vinha, precisava ter um profissional homem junto”, conta Fabiana Santana, diretora de RH. 

“Há companhias em que não existe nem ambiente para conversar sobre inclusão”, afirma Reinaldo Bulgarelli, consultor especialista em diversidade e secretário executivo do Forum de Empresas e Direitos LGBTQIA+. “E hoje, com o avanço da agenda ESG, esses negócios estão em risco, porque precisam adotar uma mentalidade que não faz parte da sua cultura. Muitas vezes, têm de lidar com clientes importantes que mandam exigências quanto ao número de pessoas negras e mulheres na organização, e eles não têm ninguém. Nem estão preparados para ter.”

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Uma pesquisa da consultoria de recrutamento Talenses, realizada sob encomenda para a VOCÊ RH, apontou que, entre 555 profissionais, 85,5% acreditam que muitas empresas divulgam um posicionamento voltado para diversidade e inclusão, mas que na verdade não estão realmente interessadas em ter uma agenda efetiva e prioritária sobre o assunto. 

As respostas vão ao encontro da percepção de Carolina Ignarra, consultora e CEO da Talento Incluir, especializada em encontrar oportunidades de emprego para PCD. “Todo dia aqui eu tenho oportunidade de vender pessoas com deficiência como se vende xampu. Porque tem empresa que liga pedindo 80 PCDs para um prazo de 40 dias. Mas não fazemos isso, mesmo perdendo dinheiro. Se a companhia quer 80 pessoas com deficiência num prazo tão curto, é para cumprir cota, não tem uma preocupação em se preparar para receber os seres humanos que vão chegar lá.”

Vale dizer, o Brasil é um dos poucos países que exigem das grandes empresas cotas de vagas para profissionais com deficiência. E, se há negócios que contratam PCDs por obrigação, existem também os que o fazem por convicção. É o caso do Citibank. Não que o acolhimento, nesse caso, também não seja um desafio. 

Faltou puxar para cima

Homem em cadeira de rodas.
Antonio Afonso, do Citibank: “Diversidade é trazer para dentro. Inclusão é fazer com que as pessoas se sintam confortáveis em ser quem elas são”. (Celso Doni/VOCÊ RH)

Quando, em 2019, o banco criou diversos grupos de afinidades para trabalhar a inclusão como um todo, os coordenadores descobriram que os PCDs não eram promovidos na empresa. Havia muitos em cargos de entrada, mas a ascensão na carreira era coisa rara. “Essas pessoas sentiam que não eram observadas”, diz Antonio Afonso, head de diversidade do Citibank, ele mesmo um cadeirante. “Então tivemos a ideia de promover uma mentoria específica para PCD, ensinando como criar networking e como navegar melhor no sistema interno de vagas do banco. Começamos esse trabalho em 2020, e dentro de um ano a quantidade de PCD em cargos de liderança já aumentou 50%.”

Afonso faz questão de dizer que o Citibank trabalha forte para ter um ambiente onde todos os bons profissionais tenham segurança psicológica. “As pessoas confundem muito diversidade com inclusão. Não são a mesma coisa. Diversidade é trazer para dentro, e incluir é fazer com que as pessoas se sintam confortáveis em ser quem elas são, dando seus pontos de vista e agregando valor.”

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Quando há mais de um preconceito a superar

Interseccionalidade. Essa palavra difícil significa a interação entre dois ou mais fatores sociais que definem uma pessoa. E é um complicador quando se trata de incluir indivíduos nas empresas. 

Uma pesquisa da Catalyst com 2.734 mulheres mostrou que negras homossexuais têm uma probabilidade maior de sofrer racismo no ambiente de trabalho em comparação com negras heterossexuais. E que essa probabilidade é ainda maior no caso de negras transexuais. Há três fatores de rejeição aí: são mulheres, são negras, têm uma orientação sexual que sofre preconceito.

Walleria Suri Zafalon, consultora da Talento Incluir, sofreu para arrumar trabalho justamente pela questão da interseccionalidade. Ela é uma mulher transgênera com deficiência visual. “Quando ela se candidatava numa empresa que contratava trans, esbarrava em rejeição porque é cega. Quando ia a uma que acolhia PCD, não a chamavam porque é trans”, conta Carolina Ignarra.

O preconceito dos times

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(Redação/VOCÊ RH)

Outro desafio grande diz respeito à conscientização: grande parte das pessoas simplesmente não se importa com a questão da diversidade em seu ambiente de trabalho. Uma pesquisa do Pew Research Center, conduzida em fevereiro e envolvendo quase 6 mil trabalhadores americanos, apontou que poucos querem ter gente diferente na equipe. 

Só três em cada dez entrevistados afirmaram ser muito importante trabalhar num time de diferentes raças, etnias ou mesmo idades. Apenas 26% valorizam que o ambiente tenha uma proporção igual de homens e mulheres. E a coisa piora quando se trata de profissionais com diferentes orientações sexuais: 18% acham relevante ter LGBTQIA+ trabalhando ao lado.

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A mesma pesquisa mostra como a percepção da diversidade é diferente se você pertence a um grupo tradicionalmente valorizado nas empresas ou está entre aqueles pedindo passagem. 78% dos profissionais negros entrevistados disseram que é importante para a empresa investir em diversidade e inclusão. Entre os brancos, o apoio à causa foi muito menor: 47%. 

É preciso ter paciência. Mas insistir

Apesar de tantas empresas estarem investindo em programas ligados à diversidade, o fato é que essa preocupação é recente. Ou não veríamos uma imensa maioria de homens brancos heterossexuais no C-Level das companhias. A opinião dos especialistas é que os trabalhos de aprendizagem e conscientização, somado aos programas de desenvolvimento de líderes e inclusão mesmo na base, precisam ser constantes, porque a questão não é pontual, e devem envolver a maior variedade possível de gente. Dos 45+ às mulheres e homens trans, dos PCDs aos negros, e sem nunca deixar de lado a equidade de gênero ainda que a presença das mulheres em cargos de liderança seja uma realidade mais tangível que a de outras minorias. Afinal, a consistência nessa conscientização dá resultado. Como prova a fábrica de pneus pesados Prometeon.

Após um trabalho do RH de sensibilizar as lideranças, a empresa fez investimento em palestras mensais sobre a importância da mulher no espaço de trabalho, e outras ações que mudaram o ambiente da companhia. Em 2021, as primeiras motoristas de empilhadeiras começavam a circular nos centros de distribuição. Outras ocuparam posições no controle de qualidade, fazendo a inspeção final nos pneus. Os próprios colegas do sexo oposto reconheceram a capacidade maior delas para identificar ranhuras e outros defeitos nos produtos. “Foi uma questão também de encontrar as posições certas para elas dentro da empresa”, diz Fabiana Santana. 

Há de se ter persistência, como no exemplo dessa diretora de RH. E ninguém melhor que os negros, as mulheres e a comunidade LGBTQIA+ para saber quanto tempo levou para que conquistassem uma série de direitos de plena cidadania alguns ainda em risco de retrocesso. 

Seria muito otimismo esperar que, dentro das empresas, a inclusão corresse muito mais rápido que no resto da sociedade. Mas o comportamento no ambiente corporativo é mais regulamentado que o do indivíduo na rua ou no mosaico de vozes das redes sociais. Talvez isso acelere a igualdade que, da porta para fora do escritório, às vezes parece inalcançável. 

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