Task masking de líderes
Prática comum entre as lideranças, fingir produtividade prejudica o engajamento e pode aumentar a rotatividade. Saiba como cortar o mal pela raiz.

“Você viu o CEO hoje?”, pergunta alguém na copa da empresa, equilibrando o café de cápsula no copo de plástico. “Vi: dois celulares, fone Bluetooth, planilha no tablet e a cara de quem não dorme desde que mexeram na CLT.” A cena parece piada, mas revela um enredo sério: líderes encenando urgência para provar relevância. O nome da peça? Task masking. No português direto da firma: teatro corporativo.
A dramaturgia começa em pequenos atos: e-mail às 23h “só para adiantar”, reunião sem pauta “para alinhar rapidinho” e o clássico suspiro alto nos corredores. O show todo comunica poder. Por dentro, revela insegurança, falta de foco e medo de virar figurante de inteligência artificial.
Um estudo de Lora E. Park, Alessia Italiano e Valerie Vessels acompanhou 1.830 profissionais de tecnologia em quatro continentes por seis meses. Onde havia chefes fazendo task masking, o engajamento dos times caiu 18%, e a vontade de pedir demissão subiu 25% (SAGE Journals). O paradoxo é cruel: enquanto o líder finge trabalhar, quem realmente produz se sente invisível – um veneno puro para a motivação e a inovação.
E o golpe volta. Um relatório da Workhuman mostrou que 38% dos executivos C-level reconhecem “dar uma exagerada” na ocupação. Dos que admitiram o teatrinho, 62% relataram exaustão acima da média, e 41% disseram não ver valor no que entregaram. “É um pedido de socorro mal-endereçado”, resume o psiquiatra nova-iorquino Jeffrey Ditzell. “A pessoa vende esforço porque não sabe qual resultado importa.”
A insegurança aumentou com a IA. Segundo a Deloitte, 63% dos GenZs e 65% dos millennials temem perder o emprego para algoritmos. Não à toa, 59% estão fazendo cursos “à prova de robô” (pelo menos por enquanto): inovação e cultura de experimentação, diversidade e inclusão, reputação corporativa… “Quando o futuro parece instável, o teatro vira colete salva-vidas”, diz Amanda Edelman, do Gen Z Lab da Edelman. Ela lembra: 60% dos jovens não confiam que terão emprego fixo nos próximos cinco anos.
E, como todo bom teatro, esse também tem figurino, e bem tecnológico. Mouse jigglers mantêm o cursor mexendo, bots bloqueiam horários no calendário, e o “multi-tab showbiz” transmite três telas em vídeo para parecer tudo muito complexo. A pesquisadora Laura Dawson apelidou o fenômeno de “George Costanza corporate edition”, em referência ao personagem de Seinfeld que fingia produtividade insana para não ser demitido.

Foco não pode ser o tempo de tela
Mas, quando o show rende aplausos de curto prazo, o custo aparece. A cultura de presença substitui a de resultado; reuniões se multiplicam, relatórios incham, brainstormings escorrem até o happy-hour. A PwC calculou que empresas perdem até 11% da receita anual em processos desnecessários, que poderiam ser eliminados se o foco fosse o produto final – e não o tempo de tela (Global Inefficiency Report, 2025).
É aí que o RH precisa brilhar – nos bastidores. Primeiro, trocando a métrica: KPI tem de medir entrega, não cadeira ocupada. Se a analista termina o expediente às 15h, deveria ganhar parabéns – e não tarefa nova só para manter o Teams verde. Na Century Plywoods, fabricante de chapas de compensado, laminados e portas lisas, a adoção de OKRs baseados em entregas reduziu 32% das horas extras e aumentou em 23% a inovação registrada em patentes. “Clareza de entrega mata vontade de fingir”, resume Rishav Dev, diretor de pessoas da empresa.
Segundo passo: cirurgia na agenda. Toda reunião precisa de objetivo, tempo-limite e ata. A Atlassian, especializada em software de gestão de projetos, eliminou 14 mil horas de calls sem pauta com a ferramenta antiburocracia “Team Playbook”.
Terceiro: formar líderes capazes de detectar o task masking. A Skycorp, empresa de telecomunicação e TI, treinou 150 gerentes em feedback contínuo e reduziu em 27% os e-mails de urgência fora do expediente. O segredo? Debates semanais sobre carga, clareza de prioridades e coragem para dizer “não”. Quando o gestor admite que não sabe tudo, abre espaço para que a equipe peça ajuda antes do colapso.
Quarto: saúde mental. Task masking disfarça burnout. Pesquisa da Gallup (2025) mostra que dois terços da GenZ se sentem despreparados para lidar com IA no trabalho. Se o líder não consegue admitir cansaço, ele cria ruído. Terapia, licença-bem-estar e mindfulness sinalizam que pedir ajuda é melhor do que entrar no discurso do “tô na correria”.
No Brasil, a prática ganhou cara de novela. A consultoria EloGroup entrevistou 82 executivos de grandes empresas e descobriu que 44% gastam mais de 20 horas semanais com “gestão de imagem produtiva” – revisando apresentações prontas, reorganizando cronogramas irrelevantes, comentando threads encerradas. “Com o híbrido, o sinal de ocupado saiu da porta da sala e foi para o chat”, explica Felipe Toledo, especialista em economia comportamental da USP. Ele aponta o presenteísmo, ainda forte por aqui, como combustível do teatro.

Horas mortas
Como saber se sua empresa virou palco? Veja se há mais reuniões, porém menos decisões; se o chat bomba às 22h, mas o backlog de inovação não cresce. Três perguntas ajudam no diagnóstico: o que estamos medindo? Quem pode cancelar reunião inútil? Qual a mensagem quando alguém termina antes das 18h? Em geral, o problema não é falta de trabalho – é excesso de teatro.
A conta também chega à reputação. A Harvard Business Review ouviu 312 conselhos de administração: 56% consideram “focar no esforço errado” tão grave quanto não entregar. Em bom português: o teatro pode esticar a temporada, mas, no fim, o CFO quer entrega – não performance dramática.
Para líderes, tirar o figurino rende dividendos pessoais. A pesquisadora Amanda Edelman lembra que gestores que assumem seus limites inspiram os times a pedir ajuda antes do colapso. Laura Dawson completa: empresas nas quais a liderança modela vulnerabilidade têm 47% mais chances de reter talentos. Admitir que não dá conta é coragem, não fraqueza.
Se mesmo assim o teatro persistir, o RH pode mostrar números: tempo médio de reunião, e-mails fora de hora, horas extras, pipeline de projetos. Quase sempre, o saldo é perda de dinheiro e gente. E não há argumento melhor para convencer um Conselho do que ver dinheiro sumindo.
Mas o antídoto principal continua intangível: confiança. Times com alto nível de confiança entregam 21% mais lucro e têm 59% menos rotatividade, segundo a Gallup. E confiança nasce quando a empresa valoriza o resultado, permite pausas criativas e entende que as melhores ideias surgem num café às 16h – e não em maratona de telas. Quando o trabalho fala mais alto que o teatro, sobra oxigênio para inovar. Quem confia no talento não precisa posar de super-herói – prefere voar baixo e pousar com entregas que falam por si.
Task masking é máscara de medos invisíveis: medo de ser irrelevante, de ser trocado por IA, de não ter clareza de metas. CEOs e diretores vestem o figurino para proteger o cargo, mas acabam gastando energia com fumaça em vez de estratégia. A boa notícia? O RH tem o roteiro: KPI de resultado, faxina na agenda, treinamento de liderança, apoio à saúde mental e, acima de tudo, uma cultura de confiança. Quando a empresa troca esforço visível por impacto real, o palco fica livre para o que importa – e todo mundo, inclusive o chefe, sai mais cedo.
Este texto é parte da edição 99 (agosto e setembro) da Você RH. Clique aqui e confira outros conteúdos da revista impressa.