Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Continua após publicidade

Filhos e carreira: por que as empresas devem facilitar essa combinação

48% das mães saem do mercado – e os pais não costumam acompanhar o crescimento das crianças. Mas uma cultura de bem-estar parental pode mudar essa realidade.

Por Luisa Costa
Atualizado em 24 out 2024, 09h05 - Publicado em 2 ago 2024, 12h07
Ilustração do espaço de trabalho de uma mãe, mostrando a tela do seu computador com foto de família.
 (João Montanaro/VOCÊ RH)
Continua após publicidade

Em julho, a primeira mulher a se tornar presidente da Nivea no Brasil revelou à imprensa que já rejeitou uma promoção para ter um filho. A executiva Ana Bógos descobriu há 12 anos que estava grávida, quando estava prestes a se tornar CEO da Kimberly-Clark no Chile. O bebê, porém, era muito aguardado. Ela demorou a engravidar e queria aproveitar o momento. Pediu, então, mais dois anos no cargo de diretora no Brasil. Os executivos da empresa americana, que produz papel higiênico, lenços umedecidos e afins, toparam. E Ana curtiu os 730 primeiros dias do Rafael, seu filho único, com alguma tranquilidade.

Este é, claro, um caso entre milhões. São raras as profissionais que têm a chance de não interromper a carreira, às vezes definitivamente, para se tornarem mães. Quase metade delas (48%) acaba saindo do mercado de trabalho. Por isso, a maternidade é um dos fatores responsáveis pela existência do “degrau quebrado”: o fato de que há poucas mulheres em cargos de liderança nas companhias, embora elas sejam maioria nas faculdades. Costumam avançar, no máximo, até o nível de coordenação.

Isso significa algo que a maioria já sabe: o mercado de trabalho é machista. Mas também que as empresas em geral não têm políticas para ajudar e valorizar funcionários, homens ou mulheres, que têm filhos. Elas são mais afetadas, claro, porque as responsabilidades domésticas e os cuidados com as crianças são historicamente deixados em suas mãos. Mas os homens também saem perdendo, porque não têm a oportunidade de serem pais presentes para seus filhos, mesmo quando têm o desejo de fazê-lo.

Isso se deve à falta de regulamentação da licença-paternidade: os cinco dias estabelecidos na Constituição há 35 anos eram provisórios, e o benefício seria revisto em lei posterior – coisa que ainda não aconteceu. Mas também se deve à falta de flexibilidade (e compreensão) por parte das companhias. Veja o caso de Marcus Labigalini: ele é pai do Miguel, uma criança autista que precisa de bastante suporte, e trabalhava como consultor de informática no setor farmacêutico quando recebeu o diagnóstico. “Eu não tive nenhum apoio. Tive que começar meu próprio negócio para conciliar o trabalho com as sessões de terapia do meu filho.”

O Miguel precisa de cuidados específicos, por ser uma criança neuroatípica. Mas toda criança, como diria o Palavra Cantada, não trabalha; dá trabalho. A boa notícia é que algumas empresas não ignoram esse fato e estão implementando políticas para facilitar a vida dos funcionários que tentam conciliar filhos e carreira. Vamos a elas. Mas, antes, entenda por que há companhias investindo nisso.

Foto da Michelle Terni.
Michelle Terni, da Filhos no Currículo: “É fundamental calcular o impacto do afastamento da pessoa [durante a licença], listar suas atividades, revisitar suas metas e planejar sua substituição com antecedência”. (Celso Doni/VOCÊ RH)

Pais, filhos e empresas

Uma cultura de bem-estar parental considera o contexto familiar das pessoas e normaliza o fato de que pais e mães têm necessidades específicas. Em escritórios assim, um funcionário pode se ausentar para ir a uma reunião escolar, por exemplo, sabendo que não haverá retaliações por isso, e os chefes estão bem-preparados para reorganizar suas equipes diante de uma licença-maternidade e receber de volta as mamães em questão.

Continua após a publicidade

Tal cenário não surge, claro, da noite para o dia. Uma boa gestão de cultura organizacional prevê o planejamento, a implementação e a manutenção de certos benefícios; um projeto de sensibilização e convencimento das lideranças; e um estímulo continuado a determinados comportamentos. É um plano de longo prazo. Mas o esforço para criar um ambiente family friendly dá resultado.

Veja só: as 150 empresas brasileiras premiadas pela consultoria Great Place To Work têm políticas efetivas de D&I, com destaque para benefícios parentais. E, segundo uma pesquisa do Instituto Promundo, as companhias que adotam políticas em prol do bem-estar parental têm profissionais mais produtivos e maior equidade de gênero em seu organograma.

A diversidade, por sua vez, é comprovadamente benéfica para os negócios. A consultoria Gartner, por exemplo, já apontou que 75% das empresas que investem em D&I excedem suas metas financeiras. E o Fórum Econômico Mundial mostrou que organizações diversas têm 45% de sua receita proveniente de inovação. Há uma diferença de 19% entre essas empresas e as menos ligadas nesse assunto.

A relação é fácil de entender. “Quando seu quadro de funcionários reflete a sociedade, você ouve as pessoas às quais sua companhia serve”, explica Neila Lopes, head de Cultura e Diversidade da farmacêutica Sanofi. “Você conhece as necessidades de todos, então fica mais fácil considerá-las na hora de desenvolver um produto.”

O apoio à parentalidade também impacta a percepção das marcas entre consumidores e demais stakeholders. O Grupo Boticário, por exemplo, tem uma creche para filhos de funcionários desde 2002 e foi pioneiro em diversas políticas a favor de pais e mães. O VP de Pessoas e Tecnologia, Daniel Knopfholz, afirma que isso se deve à cultura da empresa, muito focada no bem-estar. “Além disso, acreditamos que nossas decisões influenciam outras empresas e mantêm a confiança do consumidor em nossas marcas.”

Continua após a publicidade
Foto do Daniel Knopfholz.
Daniel Knopfholz, do Grupo Boticário. A organização tem uma creche para filhos de funcionários desde 2002. (Reprodução/Reprodução)

Há outra questão central: a retenção de talentos. Investir em políticas para ajudar os funcionários a conciliar filhos e carreira significa, muitas vezes, permitir que as mulheres continuem no mercado – e incentivá-las, assim como seus colegas, a permanecer em suas companhias. “A verdade é que, quando uma profissional experiente e pronta para ser promovida pede demissão ao engravidar, a empresa perde anos de investimento”, afirma Margareth Goldenberg, gestora executiva do Movimento Mulheres 360.

Ela afirma que existe um mito de que implementar uma cultura de bem-estar parental é caro. Não precisa ser – e vale muito a pena. “Geralmente as lideranças e o RH sequer sabem quanto custaria, porque não fazem benchmarking”, ela explica. “ E, muitas vezes, as iniciativas que fariam diferença são mínimas [em termos de custo financeiro].”

Tais benefícios podem ser mais tradicionais, como um programa de apoio à saúde da gestante; pontuais, como a possibilidade de levar o filho e um acompanhante para uma viagem corporativa; ou mais robustos, como a licença-paternidade estendida – a principal política mencionada por especialistas em cultura de bem-estar parental. 

Por que estender a licença?

Segundo um levantamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a duração média da licença-paternidade no mundo é de nove dias. Estamos, portanto, abaixo da média global, junto a países como Vietnã, Zâmbia e Nicarágua. 

Embora existam companhias filiadas ao Programa Empresa Cidadã, que concedem mais 15 dias em troca de benefícios fiscais, especialistas defendem que as regras da licença-paternidade precisam ser revistas. Vinicius Pinheiro, diretor do escritório brasileiro da OIT, afirmou em entrevista à BBC News Brasil que isso é “mais urgente do que nunca”, devido à participação atual das mulheres no mercado e ao fato de que as licenças atuais “geram um desequilíbrio em relação à distribuição das tarefas de cuidados”. 

Continua após a publicidade

Além de tratar desse desequilíbrio e promover uma conexão maior entre pais e filhos, prazos maiores de licença para os homens podem acabar com o viés de gênero nos processos seletivos e além. Afinal, se todos precisam se ausentar com a chegada de um bebê, as empresas não podem apontar a maternidade como um empecilho para contratar e treinar mulheres. Ponto para a equidade de gênero.

Foto da Margareth Goldenberg.
Margareth Goldenberg, do Movimento Mulheres 360: “Quando uma profissional experiente e pronta para ser promovida pede demissão ao engravidar, a empresa perde anos de investimento”. (Celso Doni/VOCÊ RH)

Por motivos como esses, a Coalizão Licença-Paternidade (CoPai) – uma aliança entre pessoas, empresas e coletivos – alerta para a necessidade de estender a licença de forma remunerada e obrigatória, e pressiona o Poder Legislativo para torná-la uma realidade no Brasil. Essas iniciativas já têm efeito: o Senado está discutindo a ampliação da licença, de cinco para até 75 dias. O projeto foi aprovado em julho pela Comissão de Direitos Humanos, e até o fechamento desta edição ainda passaria por outras três comissões.

Criando (e melhorando) licenças

Algumas empresas estão na vanguarda, implementando modelos de licença-paternidade estendida no Brasil. É o caso do Grupo Boticário, da Cielo, Diageo, Gerdau, do Hospital Albert Einstein e da Sanofi – todas ouvidas nesta reportagem e auxiliadas, em algum ponto de sua trajetória, pela consultoria Filhos no Currículo, uma das idealizadoras da CoPai.

A Diageo, por exemplo, foi pioneira ao lançar, há cinco anos, sua licença-paternidade de 180 dias – benefício que a empresa divulgou com uma campanha de sua marca Johnnie Walker em comemoração ao Dia dos Pais. Um dos primeiros a usar o benefício foi o diretor de CMO Alain Lamenza, e ele afirma que os seis meses de licença foram fundamentais para ele estabelecer uma conexão profunda e genuína com sua filha. “Foi um momento único que eu não trocaria por nada.” No primeiro ano de implementação, 90% dos pais que trabalhavam na companhia aderiram à licença opcional. No segundo, a adesão foi de 100%.

Porém, nem sempre ela será um sucesso de cara. Alguns funcionários da Sanofi, por exemplo, não queriam usar o benefício porque perderiam a oportunidade de almoçar no refeitório. “Por isso você precisa conversar bastante com os profissionais e lideranças, além de adaptar os benefícios conforme os feedbacks”, explica Neila. Nesse caso, quem não queria abrir mão do refeitório recebeu um reajuste no vale-refeição.

Continua após a publicidade

Mas as resistências são variadas. Webster Baroni, gerente de projetos em inovação da companhia, estava com receio de se ausentar por tanto tempo após o nascimento de seu filho Noah, fruto de uma barriga solidária. “Mas as minhas gestoras disseram: ‘Esse tempo não é para você. É para o seu filho’. Então eu tirei os seis meses [de licença]. E hoje eu sinto uma gratidão profunda por esse apoio, porque é um benefício fora de série.”

Foto da Patrícia Cielo.
Patrícia Coimbra, da Cielo: “Toda iniciativa é um processo. Você precisa implementar, pegar feedbacks, corrigir alguns aspectos se necessário… E construir junto com os colaboradores”. (Reprodução/Reprodução)

Patrícia Coimbra, VP de Gente, Gestão e Performance da Cielo, afirma que também encontrou diferentes graus de engajamento no início do oferecimento da licença estendida, que é parte de um programa abrangente em prol do bem-estar parental. “Mas toda e qualquer iniciativa tem que ser vista dessa forma: como um processo. Você precisa implementar, pegar feedbacks, corrigir alguns aspectos se necessário… E construir junto com os colaboradores.”

Outro ponto importante para o benefício dar certo é o planejamento. Michelle Terni, cofundadora da Filhos no Currículo, explica: há uma série de boas práticas que preparam o terreno para a saída – e para o retorno – do profissional. “É fundamental calcular o impacto do afastamento da pessoa, listar suas atividades de rotina, revisitar suas últimas metas e planejar sua substituição com antedência”, ela explica. Também é interessante escolher uma pessoa para ajudar o profissional no retorno, contextualizá-lo sobre o que aconteceu no período em que esteve fora, entender suas novas necessidades e alinhar expectativas. “Porque, após o nascimento de um filho, nos tornamos outra pessoa.”

Tudo isso serve, claro, para homens e mulheres.

Caminhos diversos

Embora as licenças sejam centrais, uma cultura que ajuda e valoriza profissionais com filhos tem vários alicerces (veja na lista abaixo). Às vezes, fáceis de serem implementados. A Gerdau, por exemplo, tem um programa bastante completo, com licença-paternidade estendida, acompanhamento médico para gestantes e cartilhas para apoiar profissionais que terão um filho. Outra iniciativa, simples, são seus grupos de apoio, que têm a participação de psicólogos e são um espaço importante para a troca de experiências. “É uma iniciativa de baixo custo e grande retorno, muito reconhecida pelos colaboradores”, segundo Carla Fabiana, diretora de Diversidade e Inclusão da empresa.

Continua após a publicidade

Outro ponto importante é a flexibilidade. É a demanda principal das mulheres que engravidam e pensam em sair do mercado, segundo Margareth Goldenberg. Oferecê-la não significa, necessariamente, adotar o modelo híbrido. A empresa pode combinar horários flexíveis com o funcionário ou recorrer a modelos diferentes de jornada. Em certos contextos, mães e pais poderiam trabalhar on demand, por exemplo, pensando mais em entregar projetos do que em cumprir horários.

Foto da Neila Lopes.
Neila Lopes, da Sanofi: “Quando seu quadro de funcionários reflete a sociedade, você ouve as pessoas às quais sua companhia serve”. (Reprodução/Reprodução)

Claro: nem todo contexto permite esse tipo de política. É o caso do Hospital Albert Einstein, onde a maioria dos profissionais faz plantões – e as mulheres são 70% do quadro de colaboradores. Por isso, a instituição tem uma creche há 40 anos, que atende 300 crianças de até 3 anos de idade, filhas de funcionárias do hospital, com o apoio de pedagogas. E, durante a pandemia, estabeleceu parceria com uma escola vizinha para acolher filhos de funcionários de até 14 anos.

A diretora executiva de recursos humanos do Einstein, Miriam Branco, defende: é fundamental analisar a situação de cada colaborador, colocá-los como protagonistas… e agir. “As empresas precisam se posicionar em relação a alguns temas [como a parentalidade e a equidade de gênero]. Isso vai ser cada vez mais exigido pelo consumidor. Não tem como fugir disso.” A boa notícia é que todos têm a ganhar.

Compartilhe essa matéria via:

COMO APOIAR PAIS E MÃES

Estas são as principais políticas e práticas para criar uma cultura de bem-estar parental:

  • Apoio no retorno da licença. Estabeleça agendas de reintegração e alinhe expectativas com o profissional.
  • Licença-paternidade estendida e remunerada, para acabar com o viés de gênero na contratação e incentivar os pais a participar da criação dos filhos.
  • Jornadas flexíveis, com horários negociáveis, home office, modelo híbrido ou trabalho on demand.
  • Programas de mentoria para mães em todos os níveis hierárquicos.
  • Avaliações de desempenho e recrutamento com olhar afirmativo para figuras parentais – principalmente mulheres.
  • Criação de redes de apoio, a partir de grupos de afinidade ou mentorias com outras figuras parentais.
  • Políticas claras de não retaliação a profissionais que precisam conciliar filhos e carreira.
  • Salas de amamentação e auxílio-creche ou instalação de creche na empresa, priorizando crianças na primeira infância.
  • Programas de apoio psicológico. Eles beneficiam a todos, pais, mães e profissionais sem filhos.
  • Sensibilização e educação sobre estereótipos de gênero para formar pais mais participativos e líderes mais empáticos.

Fontes: Filhos no Currículo e B2 Mamy.

Este texto faz parte da edição 93 (agosto/setembro) da Você RH. Clique aqui para conferir outros conteúdos da revista impressa.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Você RH impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 10,99/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.